Palm Oil Diaspora: Afro-Brazilian Landscapes and Economies on Bahia’s Dendê Coast | Case Watkins
Quando turistas ou moradores locais conceituam a Bahia, o azeite de dendê representa uma gama diversificada de significados sociais. Como muitos acadêmicos têm observado, o estado da Bahia e a cidade de Salvador (muitas vezes simplesmente referida como Bahia) são considerados os pináculos da autenticidade africana que continuam alimentando práticas religiosas, gastronômicas, culturais e sagradas. Dentro destes repertórios sociais, o azeite de dendê é central. O dendê é parte fundamental das obrigações religiosas dos praticantes das religiões de matriz africana (principalmente do Candomblé), e é um ingrediente essencial nos alimentos sagrados e profanos da Bahia, incluindo acarajé, moqueca e vatapá. Além dessas práticas, as práticas da linguagem cotidiana reforçam a forte associação entre o dendê e a Bahia. Como observa Watkins, “dizer que algo é ‘do dendê’ é qualificá-lo como absolutamente baiano e com conexões fundamentais com a África e sua diáspora” (p. 7). Um dos objetivos deste livro é discutir como esta associação veio a ser e persiste para habitantes locais, brasileiros e mundiais.
Através de uma abordagem verdadeiramente interdisciplinar entre metodologias, campos e temporalidades, Watkins examina os processos que levaram o dendê a prosperar na Bahia desde o século XVI. Seu livro usa metodologia que inclui etnografia, interpretação de paisagens, documentos históricos, relatos de viajantes e análise geoespacial para compor a história do dendê na Bahia. Embora suas fontes arquivísticas sejam ricas e incluam documentos históricos raros, como registros de navio, inventários, testamentos, escrituras e uma gama de outros documentos, Watkins também olha além da palavra escrita e além dos seres humanos. Interpretação paisagística e histórias orais, incluindo 453 entrevistas com informantes, complementam e contextualizam o rico trabalho histórico e etnográfico. Entretanto, igualmente importante é a necessidade de se envolver com os silêncios e os “não escritos”. Dendê nem sempre aparece em documentos históricos; dependendo do período e da fonte, esses momentos do “não escrito” são interrogados usando metodologias interdisciplinares. Assim, Watkins nos encoraja a nos engajar com o texto e a “olhar além do texto e ouvir vozes além do que humanas”, como uma força criativa para ampliar as possibilidades de investigação político-sócio- -ecológica (p. 134).
Essencialmente, Watkins argumenta que, ao nos envolvermos com a complexa história socioecológica do azeite de palma africano, ou dendê da Bahia, nós, como leitores, podemos descobrir o poder, a complexidade e o potencial dos sistemas e conhecimentos afro-brasileiros, a resistência diaspórica e a adaptação criativa. O autor demonstra as diferenças e convergências entre Bahia rural e urbana, assim como o papel ativo que as rotas internacionais e transatlânticas, o comércio e a produção do dendê tiveram para a Bahia. Watkins enfatiza a necessidade de abordar esta complexa história reconhecendo o protagonismo dos africanos e seus descendentes. Mais importante ainda, somos instados a reconhecer esse protagonismo a partir de uma abordagem decolonial que valoriza como as paisagens, culturas e economias do dendê da Bahia emergiram enquanto conjuntos socioecológicos complexos, disputados e fluidos, gerados através de interações mútuas entre espécies da planta, que não foram reduzidas à lavoura monocultural apenas para ganho econômico (p. 221).
O livro se estende por pelo menos cinco séculos distribuídos em sete capítulos e termina com um epílogo. No capítulo 1, “Montando uma Economia Afro-Brasileira”, aprendemos rapidamente que, apesar do tropo comum nas escritas acadêmica e técnica e na tradição popular, o dendê não foi simplesmente “trazido da África”, pois esta perspectiva apaga a interação humano-ambiental e o contínuo intercâmbio transatlântico (p. 3). Ao centrar o dendê como um motivo analítico e agente material, somos apresentados à “economia afro-brasileira”, um sistema cultural- -ecológico-econômico complexo, dentro de um mundo atlântico, conectando pessoas, plantas, lugares e poder (p. 4). O capítulo aborda os métodos empregados na abordagem da diáspora do azeite de dendê e nos situa teoricamente nas interseções de campos de saber que incluem geografia negra, estudos alimentares, ecologia política, estudos afro-brasileiros, religiosidades negras e história atlântica.
Utilizando análises botânicas e ecológicas, o capítulo 2, “A África e o Mundo Atlântico”, historiciza a expansão do azeite do dendê da África Ocidental para o Novo Mundo, enquanto ressalta a importância e eficácia da colaboração humano- -ambiental na formação e proliferação de culturas, paisagens e comércio do produto. Resistindo às classificações científicas rígidas, tais como “selvagem” ou “subespontâneo”, Watkins introduz a ideia de “bosques emergentes”, como paisagens que resultam de interações mútuas.
Um aspecto de particular interesse é a onipresença do dendê no comércio transatlântico de escravos. Como observa Watkins,
embora o azeite de dendê tivesse anteriormente simbolizado a engenhosidade e a inovação cultural e ambiental da África, no comércio de escravos ele facilitou a escravidão cruel e o sofrimento daqueles apanhados em suas garras (p. 63).
Os usos do azeite de dendê durante as viagens transatlânticas foram diversos, inclusive misturado à comida dada aos cativos e esfregado em seus corpos para esconder com seu brilho a exaustão e os abusos sofridos durante a captura, o confinamento e o transporte deles através do Atlântico. Assim, o dendê oscilava entre as esferas do protagonismo africano e da escravidão. Entretanto, embora o dendê tivesse sido usado para facilitar a mercantilização e a desumanização dos africanos escravizados, Watkins ressalta como os traficantes europeus dependeram dos africanos e de seus conhecimentos botânico-farmacológicos sobre o dendê. Assim, há sempre múltiplos níveis de desempenho e poder envolvidos nesses complexos processos históricos.
O capítulo 3, “Crioulização”, nos situa mais firmemente dentro do Novo Mundo ao examinar a chegada e o estabelecimento do dendezeiro na Bahia, ao mesmo tempo em que reconhece as redes atlânticas de intercâmbio botânico e intelectual (p. 74). Uma vez que o dendezeiro entrou no Novo Mundo, colonizadores, povos indígenas, africanos e seus descendentes transferiram, adaptaram e misturaram espécies e conhecimentos botânicos, forjando o que o autor chama de “crioulização” das paisagens e sociedades brasileiras, ou “a reestruturação, modificação e inovação – e tradução – de identidades e espaços culturais através do desenraizamento, transplante, dispersão, troca e mistura ao longo do tempo” (p. 82). O capítulo enfatiza que, embora seja quase impossível apontar através dos documentos escritos a data exata em que o dendezeiro chegou à Bahia, as fontes revelam a ambiguidade botânica de plantas que poderiam ser dendê antes de 1699, ano em que o dendezeiro é explicitamente descrito como ali cultivado. Assim, o processo de difusão foi provavelmente recorrente, mundano, e percebido como indigno de documentação. Em vez de buscar precisão histórica, Watkins ressalta que a proliferação dos dendezeiros, sem dúvida, se originou de conhecimentos e práticas originárias da África Ocidental, pois o cinturão do azeite de dendê daquela região coincidiu com as zonas de embarque do comércio transatlântico de escravos. Em outras palavras, mais consequentes que os próprios dendezeiros foram as habilidades e os conhecimentos botânicos que desembarcaram com os africanos escravizados.
Estreitando nosso foco ao chamado Baixo Sul da Bahia, popularmente chamada Costa do Dendê, a única paisagem densa e produtiva fora de suas terras africanas, o capítulo 4, “Uma Paisagem Afro-Brasileira”, reconstrói o desenvolvimento histórico- -geográfico e político-ecológico desta região. Os contextos e nichos agroecológicos, como o manguezal, serviram como um conduto para o florescimento do dendê. No entanto, a planta não prosperou apenas por razões e condições ambientais. Além dos seres humanos, uma série de bichos, incluindo urubus, desempenharam um papel na disseminação sinérgica das sementes do dendê, produzindo paisagens complexas e vibrantes de biodiversidade através de processos colaborativos. Os urubus são de particular importância por desempenharem um papel proeminente na espiritualidade da África Ocidental e, juntamente com a proliferação de dendezeiros, proporcionam uma conexão transatlântica e cosmológica sagrada. Além da biodiversidade e das redes multiespécies, as paisagens da Costa do Dendê também são geografias de resistência, o que Watkins demonstra através de diferentes fontes, estudos de casos e histórias. Um desses exemplos são os indígenas que expulsaram os europeus do sul da Bahia, o que deu mais liberdade aos não-europeus e colonizadores para plantar e produzir. No entanto, existem casos extraordinários de resistência mesmo dentro das terras dos engenhos de açúcar baianos, como a história de uma mulher escravizada brasileira chamada Benta que produzia e vendia azeite de dendê no século XVIII. Sua história representa resistência cultural e econômica significativa à ordem colonial, pois, “aproveitando-se de uma rede transatlântica de tradições e inovações, Benta combinou sabedoria ecológica coletiva e autodeterminação criativa para controlar sua vida cotidiana enquanto olhava para o futuro. Sua escolha de produzir e vender azeite de dendê desafiou a presumível hegemonia comercial e cultural dos donos de escravos brasileiros” (p. 128).
O capítulo 5, “O intercâmbio no Atlântico Sul”, assume uma perspectiva relacional do comércio transatlântico e as mudanças provocadas pelas trocas econômicas, culturais, intelectuais e ecológicas que vão desde a capital, Salvador, às zonas rurais e à África Ocidental. Este capítulo traça as trajetórias contínuas e múltiplas do dendê. Como mencionado anteriormente, o dendê começou a circular com o início do comércio transatlântico de escravos. Embora pessoas como Benta e incontáveis outras produzissem cada vez mais seu próprio dendê em solo brasileiro entre os séculos XVIII e XIX, os empresários de Salvador tinham redes sofisticadas para importar e distribuir o dendê africano. Em vez de ver esses mercados como concorrentes, o autor destaca como eles se complementavam um ao outro. Dendê, assim como as nozes de cola (obi), joias, contas, panos-da- -costa e outros importados africanos ajudaram a materializar as diversas expressões culturais afro-brasileiras que hoje abrangem a forte identidade sociocultural da Bahia, a chamada “baianidade”. Entretanto, ao mesmo tempo em que o dendê materializava várias formas de conhecimento, a culinária e os sistemas cosmológicos oriundos da África, evidenciando seu papel na resistência afro-diaspórica, ele também ajudou a facilitar, sob o disfarce de “comércio legítimo”, o tráfico clandestino de africanos por pelo menos três décadas, entre sua proibição ao norte da linha do equador em 1815-1817, numa primeira etapa, e depois da proibição geral, em 1831, até o seu final em 1850. Assim, os símbolos de resistência são complexos. Watkins nos convida ao engajamento com as contradições da humanidade, da resistência e de atrocidades como o tráfico humano.
O capítulo 6, “Paisagens, religiões, transições”, traça a integração da economia do dendê baiano no pós-abolição, com atenção especial para o interior e a ilha de Itaparica. Com foco em quatro famílias baianas na ilha de Itaparica, Watkins revela as conexões intergeracionais que ligam o comércio transatlântico de humanos e dendê com o desenvolvimento de instituições e práticas religiosas afro-brasileiras. Uma vez que o comércio africano declinou e a escravidão foi abolida, a produção de dendê aumentou na Bahia, particularmente nas comunidades afro-brasileiras que procuravam no interior do estado o ingrediente culinário e religioso vital para a cultura afro-brasileira. O vale do Dendezeiro, fora do centro urbano, na Estrada das Boiadas, atual Liberdade, oferecia mais segurança aos afro-brasileiros contra as batidas e perseguições policiais e permitia realizar atividades como batuque, capoeira e cerimônias de candomblé.
O último capítulo, “Complexidade”, guia a nossa atenção para os agentes estrangeiros e estatais que, no século passado, se interessaram em investir na monocultura de dendê em grande escala. Apesar de séculos de desprezo e estigmatização, o dendê passaria a ser foco de modernização para a obtenção de ganhos econômicos. Watkins problematiza as visões eurocêntricas que continuam a descartar ou a apagar o valor sociorreligioso e o protagonismo humano-ambiental nas paisagens do dendê. Ele ressalta o poder e a resistência contínua dessas vibrantes geografias negras, que não foram absorvidas pela monocultura mas, em vez disso, “perseveram em reproduzir um sistema cultural-econômico-ecológico complexo, com séculos de existência” (p. 259).
Palm Oil Diaspora é um livro rico em pesquisa, que contribui para vários campos do conhecimento, incluindo as ciências naturais e as ciências humanas e sociais; É um livro indicado para estudantes de graduação, pós-graduação e outros leitores não acadêmicos interessados no tema. Alicerçado em abordagens decoloniais, o autor nos obriga a ser criativos e holísticos com as fontes não escritas. Ele chama a atenção para a necessidade de esculpir espaços e protagonismo para os africanos e seus descendentes quando eles foram estrategicamente tornados sem importância, assim como a necessidade de pesquisar de maneira interdisciplinar. A necessidade de investigar ativamente, se contrapor e desmantelar o pensamento colonial suprematista branco é um fio condutor em todo o livro. Esse nível de cuidado e nuance é brilhantemente feito com um tema profundamente complexo. Depois de ler este livro, será difícil para qualquer um que visite a Bahia ou aprecie comida baiana não pensar nas dinâmicas históricas envolvidas no dendezeiro.
Resenhista
Vanessa Castañeda – Dartmouth College. https://orcid.org/0000-0003-4180-6361
Referências desta Resenha
WATKINS, Case. Palm Oil Diaspora: Afro-Brazilian Landscapes and Economies on Bahia’s Dendê Coast. Cambridge: Cambridge University Press, 2021. Resenha de: CASTAÑEDA, Vanessa. Bahia, a terra do dendê uma história transnacional e complexa do dendê. Afro-Ásia, 66, p. 687-693, 2022. Acessar publicação original [DR/JF]