Paisagens da História – Como os historiadores mapeiam o passado | John Lewis Gaddis

A historiografia é abordada como tema nessa obra de John Lewis Gaddis, que consiste em um conjunto de conferências proferidas por ele na Examination Schools em High Street. Influenciado por Marc Bloch e E. H. Carr, o autor discute o papel do historiador e seus métodos, visando a uma complementação e reflexão embasada no pensamento desses autores. Isso é feito de modo interessante e original, com o levantamento de questões – como o objeto de estudo desses profissionais, seu modo de pensar e analisar a realidade – cuja discussão é permeada por exemplos advindos desde a história, até as artes – como a pintura, a literatura e o cinema –, e pelo uso de metáforas; recursos, esses, que facilitam o entendimento e entretêm a leitura.

A discussão se inicia com a análise da pintura O viajante sobre o Mar de Névoa, de Casper David Friedrich, que desencadeia uma reflexão sobre a posição do historiador em relação ao seu objeto. Ele, assim como o personagem do quadro, observa os acontecimentos com o distanciamento que o tempo exige, uma vez que o passado chega até nós inacessível, sendo somente possível sua representação pelos artefatos sobreviventes. Esta pode ser feita sob um prisma mais amplo, quando comparado ao daqueles que viveram a experiência, já que o historiador pode variar entre o geral e o particular, fazendo uso também das diferentes escalas de tempo e espaço, conforme for necessário. Dessa forma, para o autor, o que deve ser buscado é uma abstração, não uma descrição literal dos eventos ocorridos. A história deve ser como um mapa: que simplifica a realidade, destacando aspectos de acordo com o que se pretende compreender e explicar.

Por ter como função essa representação da realidade, o historiador é colocado numa posição intermediária entre as artes e a ciência, dado que ele se baseia na realidade das estruturas deixadas pelos acontecimentos do passado, mas tem que se utilizar da imaginação, dentro de certos limites, para poder completar as lacunas remanescentes. O processo originário é interpretado à luz de variáveis interdependentes, em detrimento do método reducionista utilizado por grande parte dos cientistas sociais. Devem ser analisados aspectos como as condições iniciais, os diferentes pontos de vista que podem alterar a descrição do fenômeno, regularidades existentes, a fim de se chegar a uma reconstrução do objeto, unindo-se fatores de forma lógica e coerente.

Relações de causalidade mostram-se essenciais no estudo da história. No entanto, a análise dos fatos considerados acidentais gera uma certa polêmica entre os autores: Carr afirma serem eles inúteis, enquanto Bloch considera-os importantes, mas em menor escala quanto comparados à ação das chamadas “causas racionais”1. Nesse ponto, a opinião de Gaddis converge com a do autor francês, prosseguindo, então, a discussão por esse viés. É feita uma diferenciação entre o “imediato”, o “intermediário” e o “distante”, sendo que quanto mais próximo do evento, maior seu valor como agente no processo. Ainda há que se considerar as causas “necessárias” e “suficientes”, sendo essas últimas dependentes das primeiras. E, por último, a ação dos “contrafactuais”, ou seja, “o antecedente que mais facilmente poderia ter sido evitado”2, sendo necessário, para a descoberta deste, que o historiador reviva o episódio em sua imaginação, alterando as variáveis de forma individual, mantendo-se a coerência com a situação.

A produção do conhecimento histórico é normalmente feito em forma de narrativa, que deve apresentar as várias causas interligadas, caminhando para uma conseqüência. A indução e a dedução são partes do pensamento do historiador e ele deve utilizar-se de ambas para sua construção. Além disso, deve haver uma correspondência com a realidade, a fim de dar credibilidade ao estudo, sendo essa uma das características que compõem a epistemologia científica.

A busca por uma previsão do futuro, muito almejada por algumas ciências sociais, não é apresentada como um objetivo do historiador. Ela é extremamente complicada de se obter, pois o ser humano tem reações distintas a fenômenos similares, ao contrário do que ocorre em certos casos das ciências exatas. Assim, a teoria da escolha racional peca porque considera que os indivíduos têm padrões de comportamento que se mantêm estáveis, o que não ocorre na realidade.

O autor afirma que “reconstruir o verdadeiro passado é construí-lo de maneira acessível, porém, deformada: é oprimi-lo, reprimir sua espontaneidade e negar sua liberdade”3, mas, ao mesmo tempo, liberta-o do esquecimento. Gaddis finaliza revisitando o quadro no início e propondo que o personagem pode estar, não observando o passado, como havia sido afirmado, mas sim vislumbrando o futuro e é aí que ele insere sua idéia final, de que o ensino funciona como a história, na medida em que, por um lado, os professores oprimem seus alunos, com provas e trabalhos, ao mesmo tempo que os libertam ao lhes munirem de instrumentos para a observação da realidade, que poderá levar ao desenvolvimento de novos conhecimentos.

A discussão proposta por John Lewis Gaddis é desenvolvida com muita propriedade pelo autor, que, de forma muito informal e atual, nos insere nos métodos historiográficos, fazendo com a que a reflexão flua naturalmente. Indicado não só para os profissionais ou estudantes da área de História, o livro é interessante para todos aqueles que se mostrarem curiosos em relação à construção do conhecimento nesse campo de estudos, que influencia todos os outros ramos do conhecimento.

Notas

1 Idem, p. 110.

2 Idem, p. 117.

3 Idem, p. 158.

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Resenhista

Priscila Gonçalves Tanaami – Bacharelanda em Relações Internacionais da Universidade de Brasília – UnB e editora-assistente de RelNet – Rede Brasileira de Relações Internacionais.

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Referências desta Resenha

GADDIS, John Lewis. Paisagens da História – Como os historiadores mapeiam o passado. Rio de Janeiro: Campus, 2003. Resenha de: TANAAMI, Priscila Gonçalves. Meridiano 47, v.6, n.58, p.16-17, maio 2005.  Acessar publicação original [DR]