O livro de Fernando de Mello Barreto cumpre de maneira satisfatória o papel de informação geral sobre os eventos e processos que marcam as relações exteriores do Brasil desde a morte do Barão do Rio Branco até o advento da república dos generais. Mello Barreto adota um esquema cronológico, organizando seu racconto storico de meio século de vida diplomática republicana de acordo com as gestões dos chanceleres que, desde Lauro Muller até Araújo Castro, sucederam-se na cadeira do Barão. Os principais lances da política externa brasileira de 1912 a 1964 são seguidos ano a ano, em re-compilação exaustiva dos eventos, apresentados em cinco partes: a República velha, a era Vargas, a Guerra Fria, JK e a Operação Pan-Americana e a Política Externa Independente.
O livro confirma as qualidades da história factual e seu caráter indispensável ao pesquisador que pretenda realizar a inserção desses fatos na trama mais ampla das relações internacionais do Brasil, sobretudo em sua vertente econômica externa. Cabe, com efeito, destacar que, ao início de cada seção, Fernando de Mello Barreto apresenta informações objetivas, tabelas estatísticas, gráficos seriais ou quadros analíticos apresentando a situação econômica do país naquela conjuntura (comércio exterior, dívida, reservas, investimentos estrangeiros etc.).
O livro pertence à categoria das obras gerais, constituindo um grande esforço de síntese em relação a uma soma apreciável de fatos, eventos e episódios que marcaram nossa história política e nossa inserção internacional no meio século por ele coberto. Para cumprir tais objetivos, o autor exibe precisão, concisão, objetividade. Mello Barreto faz uma síntese expositiva das grandes linhas da política externa brasileira, avançando pouco no terreno da pesquisa arquivística, da discussão conceitual ou da elucidação de problemas complexos de nossa inserção internacional no período.
O autor constata o reduzido número de países que mobilizou a atenção do Itamaraty nesse meio século: “em primeiro plano, os Estados Unidos (aproximação), Argentina (rivalidade) e Alemanha (confronto). Em categoria menos proeminente, ocuparam a reflexão do Itamaraty outros países europeus, tais como a Inglaterra (atritos diplomáticos em decorrência dos bloqueios marítimos das duas guerras mundiais), França (solidariedade na Primeira Guerra e envio de médicos), Itália (único país em que tropas brasileiras tiveram atuação militar) e Portugal (política de apoio ao colonialismo até a década de 1960), além de vizinhos sul-americanos, em especial o Paraguai (Guerra do Chaco) e a Bolívia (petróleo, estrada de ferro)” (p. 275).
Outra observação refere-se ao gradual afastamento do cenário europeu e ao “contínuo acercamento dos Estados Unidos”, triângulo em função do qual a política externa brasileira buscava as melhores condições para o “atendimento de seus interesses” (p. 276). Como explica ele, “Havia fortes razões econômicas para esse acercamento político de Washington”, o que se traduzia praticamente num único grande produto de exportação: café. Mais recentemente esse movimento pendular teve outros vetores, como no caso dos acordos nucleares com a Alemanha ou, através do Mercosul, a tentativa atual de contrabalançar as negociações em torno de uma área hemisférica de livre comércio (Alca) com processo equivalente em direção da União Européia.
O epílogo traz lúcidas análises sobre a orientação e o caráter geral de cada um dos subperíodos enfocados, com apreciações das políticas desenvolvidas pelos presidentes ou chanceleres envolvidos nos principais episódios enfocados. Cada um dos 21 ministros que sucederam ao Barão, geralmente políticos ativos em seus respectivos partidos, merece uma epígrafe resumindo o essencial das ações desenvolvidas sob sua gestão, o que, por outro lado, serve para confirmar que “o Itamaraty tem gozado de relativa autonomia na condução da política externa. Com exceção de alguns governos em que o presidente exerceu sua influência direta, mas mesmo assim esporádica (Epitácio Pessoa, Arthur Bernardes, Getúlio Vargas), verifica-se que, freqüentemente, a Casa do Barão tomava decisões sem interferência de outros ministérios, mesmo os militares (salvo, talvez, no episódio da não participação do conflito coreano) ou do Congresso” (p. 285). O abandono do neutralismo nas duas guerras mundiais é visto por Mello Barreto como positivo para a inserção internacional do país: “Tivesse a política externa brasileira sucumbido a pressões para manter a neutralidade, como fez Buenos Aires, talvez não tivesse atingido os objetivos que pretendia na época, fossem estes de industrialização ou de reequipamento militar. Não teria feito parte, desde sua criação, dos órgãos internacionais criados, como Nações Unidas, Banco Mundial, FMI e GATT. Difícil ter precisão sobre essas conseqüências, mas certamente pode-se imaginar que outra teria sido a aceitação brasileira no seio do mundo pós-guerra” (pp. 285-86). Os episódios de frustrações diplomáticas nesse período como o da Liga das Nações, em 1926 foram poucos, o que habilita Mello Barreto a terminar sua avaliação global afirmando que “essas instâncias [de desacerto] foram menos numerosas do que as de acerto e o balanço geral foi positivo” (p. 286).
Diversas fotos e ilustrações, ao lado dos gráficos e tabelas compõem o aparato não textual deste livro, cuja bela capa traz uma foto do velho palácio Itamaraty do Rio de Janeiro, à qual se sobrepõe um busto do próprio Barão, uma das raras unanimidades nacionais no panteão algo rarefeito dos heróis da pátria. Nenhum dos seus sucessores, com exceção talvez de Nilo Peçanha (que já tinha sido presidente), de Oswaldo Aranha e de San Tiago Dantas, alcançou especial notoriedade ou relevo político especial. O levantamento da ação dos 21 chanceleres permite uma visão abrangente dos problemas internacionais enfrentados pelos titulares da Casa de Rio Branco ao tentar inserir o Brasil no mundo. A tradição continua a ser seguida pelos 13 outros “sucessores” (contando o próprio Celso Lafer) do período pós-1964, objeto de um segundo volume que Mello Barreto está convocado a terminar e publicar o quanto antes. A dedicação à história diplomática pode ser, aliás, um trunfo nos meandros político-burocráticos da carreira, e o próprio Barão deveu grande parte de sua notoriedade original ao fato de que ele tinha se dedicado por longos anos à pesquisa em velhos documentos, a uma compulsiva curiosidade livresca e ao exercício da pena.
Resenhista
Paulo Roberto de Almeida
Referências desta Resenha
BARRETO, Fernando P. de Mello. Os sucessores do Barão: relações exteriores do Brasil, 1912-1964. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001. Resenha de: ALMEIDA, Paulo Roberto de. Revista Brasileira de Política Internacional, v.44, n.2, 2001. Acessar publicação original [DR]
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