Os sentidos do impresso | Simone Antoniaci Tuzzo
Os sentidos do impresso são explorados de modo minucioso e atual neste livro, que apresenta um ângulo analítico dos jornais impressos, tensionando-os com a realidade dos meios digitais. A obra é uma evolução investigativa sobre opinião pública calçada nas lógicas do jornal impresso dentro do panorama contemporâneo, executado pela professora Dra. Simone Antoniaci Tuzzo. Trata-se ainda do quinto volume da coleção Rupturas metodológicas para uma leitura crítica da mídia, desenvolvido pelos Programas de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG e Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Dentro desse projeto, uma série de investigações foi executada no Laboratório de Leitura Crítica da Mídia, aglutinando reflexões em trabalhos apresentados e publicados, na experiência de sala de aula e no próprio intercâmbio da autora, que se mudou para Portugal durante uma etapa da pesquisa para agregar mais propriedade ao olhar subjetivo desenvolvido. A elaboração das reflexões foi, assim, fruto de quatro anos de trabalho intensivo e dedicação às etapas sugeridas pelas próprias inquietações, desencadeadas ao longo do processo metodológico. A autora esclarece, logo na apresentação, que foi a partir desse processo cumulativo e gradativo de conhecimento e das próprias assimilações adquiridas em cada etapa que as questões foram se delineando e formando a rota do trabalho que compõe o livro.
Saindo da pergunta central sobre qual o papel do jornal impresso em tempos de redes sociais e internet, o trabalho caminha por averiguações qualitativas feitas no Brasil e em Portugal, com leitores, jornalistas e editores dos dois países, buscando não só responder a questão proposta como também compreender como tem se desenrolado a relação entre o jornal impresso e a internet. Nesse teor, exploram-se em paralelo as possibilidades e versatilidades dos aparatos tecnológicos e digitais e como a tradicionalidade dos jornais impressos tem sido mantida à custa da adaptação, credibilidade e da manutenção de particularidades inerentes ao meio.
Derrick de Kerkchove (2016), discípulo indelével de Marshall McLuhan e referência mundial na abordagem tecnológica, prefacia a obra, chancelando as propostas inseridas e corroborando as diversas conceituações e conclusões do estudo realizado por Tuzzo. Segundo ele, o estudo apresentado na obra se insere no vértice de convergência das principais pesquisas feitas sobre mídia nos últimos tempos em todo o mundo, as quais são, inclusive, mencionadas e relacionadas ao conteúdo proposto no livro. Além disso, o pensador canadense grifa a validade da teoria inovadora que emerge das ideias de Tuzzo, denominado-a de impacto físico-sensorial.
Para direcionar as pesquisas empíricas, os dois capítulos iniciais trazem uma extensa e completa revisão bibliográfica sobre os fundamentos teóricos contemplados no livro, incluindo opinião pública, líderes de opinião, jornalismo, comunicação, veículos impressos, cidadania etc. Ademais, a inclusão de toda rota histórica dos meios de comunicação, bem como a exibição da trajetória acadêmica das tantas teorias que envolvem a compreensão do jornalismo caracterizam a parte inicial da obra como uma autêntica enciclopédia de conteúdos bibliográficos jornalísticos.
Na parte teórica, é possível compreender o percurso acadêmico de autores reverenciados por Tuzzo, que apresenta aos leitores as bases conceituais para que possam acompanhar sua linha de raciocínio, indagações e proposições. O modo honesto de dividir com o leitor os preâmbulos de pensamento da autora na obra não apenas orienta quem está lendo, como permite uma revisitação de autores importantes da Comunicação e de suas contribuições.
A escrita clara e direta, característica forte de Os sentidos do impresso, é uma forma de traduzir a complexidade e uma possibilidade de integrar as teorias e formulações já estudadas na área. Dentro disso, torna-se nítido que a complexidade dos objetos pesquisados, anunciada no livro por meio do próprio Paradigma da complexidade (MORIN, 2005), restringe-se à temática do livro, não alcançando a linguagem absolutamente inteligível e didática adotada pela autora.
Entre as importantes considerações, merece ênfase dentro dessa composição bibliográfica a relação traçada pela autora para interligar os meios de comunicação impresso com os digitais. As galáxias de Gutenberg e Marconi são vinculadas ao bios midiático trabalhado por Sodré (2012) e a proeminência de Bill Gates, em que, por meio do trocadilho (Bill e bios) se perscruta sobre a extensão dos bios que conduzem a comunicação em seu âmago evolutivo.
A questão dos sentidos, mais marcante em todo o livro (por isso intitulado a rigor), também perpassa a contextualização e o procedimento relacional sobressalente na obra. Tuzzo compara o hábito de ler o jornal impresso com a degustação de um vinho, que, como rezam os relatos romanos, eram tidos como bebida dos deuses desde sua origem, devido à aptidão de aguçar os cinco sentidos humanos. Segundo conta a autora, nos costumes de Roma, a bebida atingia o paladar, ao se provar o sabor; a visão, ao se reparar o bordô da bebida; o tato, ao se tocar a taça; e o olfato, ao se sentir sua essência. Para que se completassem os cinco sentidos, o hábito de tilintar taças foi incorporado, para que a audição se fizesse presente, garantindo, assim, o status autêntico de bebida celestial.
Nessa vertente, ao estudar o jornal impresso, a autora percebeu, primeiramente no Brasil e posteriormente reforçado nas pesquisas em Portugal, que a questão dos sentidos aflorou diante dos leitores que justificavam o hábito fiel de ler o veículo aos sentidos encontrados. Muitos relatavam sentir prazer no toque do papel (tato), gostavam da formatação gráfica (visão), do folhear das páginas (audição), do cheiro do jornal (olfato) e para completar os cinco sentidos, apreciavam a associação entre a leitura do jornal e a degustação de uma xícara de café (paladar). Dentro dessa lógica, Tuzzo observa que o elo estabelecido entre leitores com o jornal firma-se muito mais na relação sensorial e na forma com que o veículo se apresenta do que meramente por conteúdos. Nesse sentido, ainda que as notícias sejam disponibilizadas gratuitamente nas redes sociais, o laço cativo com o impresso se mantém e atravessa gerações.
No território lusitano, além da sensorialidade, também aflorou o papel social do jornal impresso que compõe o cotidiano dos portugueses. Majoritária parte dos pesquisados relataram que o leem durante o café da manhã em cafeterias e esplanadas e, a partir do conteúdo lido nos impressos, tecem conversas e interações, utilizando, dessa forma, o veículo como fonte de assuntos para os debates coletivos. O português, ao que transpareceu na pesquisa, não só escolhe os meios impressos devido à preferência sensorial que despertam, mas o faz porque aprecia conversar sobre aquilo que lê. Para a autora, inclusive, ler jornal é um ato coletivo, mesmo quando feito de forma individual.
Apesar de findada a pesquisa, o livro termina sem propor uma conclusão, um desfecho e um “fim”. As ricas ponderações da pesquisadora dimensionam o questionamento sobre o verdadeiro rumo do jornalismo impresso, seu potencial como formador de opinião pública e a convivência com as novas mídias aventadas. Longe de fazer previsões sobre o futuro e para além da credibilidade já reconhecida e apontada em trabalhos anteriores, o livro pontua sobre a permanência dos veículos impressos por uma ótica mais crítica, em que se esmiúça o impacto efetivo causado pelas transformações no jornalismo e se mostra, por fim, a continuidade da teoria de McLuhan de que o meio, com todas as suas características, é mesmo a mensagem.
Referências
KERCKHOVE, Derrick de. Prefácio. In: TUZZO, Simone Antoniaci. Os sentidos do impresso. Coleção Rupturas metodológicas para uma leitura crítica da mídia, v. 5. Goiânia: Gráfica UFG, 2016, p. 25-46.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
Resenhista
Priscilla Guerra Guimarães Bernardes – Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG – Brasil. Especialista em Marketing e Comunicação Digital pela Faculdade Cambury (2014). Formada em Jornalismo, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO (2011). Aluna integrante do Projeto de Pesquisa Rupturas Metodológicas para uma Leitura Crítica da Mídia, dos Programas de Pós-Graduação da UFG e UFRJ e que integra a ação transversal nº 06/2011 – Casadinho/Procad. E-mail: priscillaguerra@hotmail.com
Referências desta Resenha
TUZZO, Simone Antoniaci. Os sentidos do impresso. Prefácio de Derrick de Kerckhove. Goiânia. UFG; FIC, 2016. Resenha de: BERNARDES, Priscilla Guerra Guimarães. A resistência do impresso na era da virtualidade. Revista Brasileira de História da Mídia. São Paulo, v.5, n.2, p.217-220, jul./dez. 2016. Acessar publicação original [DR]