A coletânea Os pensadores do Espírito Santo é fruto do trabalho dos historiadores Bruno César Nascimento e Uéber José de Oliveira, sendo constituída em três volumes. Os artigos compilados ilustram o pensamento político de personalidades que influenciaram os caminhos do Espírito Santo. Nota-se uma problematização acerca da trajetória de indivíduos que projetaram e empenharam-se em compreender a dinâmica capixaba.
Neste sentido, a obra evidencia a profusão de trabalhos relativos à História do Espírito Santo e constitui-se como importante ferramenta para aqueles que pretendem explorar a historiografia capixaba. A contribuição dos autores também reside em trazer luz à realidade regional, contrapondo uma direção comumente assumida pela historiografia nacional, a de enfocar narrativa geral do Brasil, com epicentro no Rio de Janeiro.
O primeiro volume, analisado neste trabalho, evidencia o ideário de personagens que vivenciaram o contexto colonial e imperial brasileiro. Os autores identificam os destacamentos dos personagens no âmbito público capixaba e a influência de suas ideias no território espírito-santense e brasileiro em geral.
O primeiro capítulo destaca o discurso de José de Anchieta, sendo de autoria de Davis Moreira Alvim e Izabel Rizzi Mação. O referido padre nascera na Espanha, formara-se jesuíta e fora enviado para a colônia lusitana após ser acometido por grave moléstia. Nos anos que residiu no Brasil, realizou inúmeras visitas à capitania do Espírito Santo, onde, posteriormente, logrou os anos finais de sua existência.
Os autores apontam os escritos do padre Anchieta como permeados pelo objetivo de promover a expansão da fé católica através da guerra. Neste sentido, enquanto os colonos utilizavam as armas e a força contra os chamados infiéis, os religiosos convertiam pela palavra e pelo argumento. Considerando a atuação do jesuíta no território capixaba, notamos a contribuição destas concepções para o processo de colonização do Espírito Santo.
Adriana Pereira Campos e Thiara Bernardo Dutra abordam as perspectivas do primeiro governador da capitania do Espírito Santo, Antônio Pires da Silva Pontes. O político nascera no Brasil, formara-se matemático em Coimbra, e retornara à colônia na América, ao lado de outros doutores em ciências, para reconhecer as potencialidades naturais das possessões lusas.
As autoras destacam o protagonismo de Silva Pontes no processo de constituição da autonomia do Espírito Santo, que se encontrava subordinada às capitanias vizinhas. Nesta perspectiva, o matemático iniciou o governo em 1800, dando ênfase ao desenvolvimento do rio Doce e à demarcação de fronteiras entre Minas Gerais e a capitania capixaba.
Na visão das autoras, o projeto do astrônomo para a capitania pautava-se na civilização dos indígenas que ocupavam as proximidades da bacia do rio Doce, bem como o povoamento da área. Em consonância com suas expedições pelo Brasil, Silva Pontes identificou as riquezas naturais capixabas, diversificou a produção agrícola e organizou o sistema burocrático-administrativo da região. Deste modo, o Espírito Santo se inscreve nos rumos da modernidade a partir das mudanças inauguradas pelo matemático.
Patrícia Merlo e Livia Scheiner problematizam a trajetória e o pensamento político de outro governador da capitania espírito-santense, Francisco Alberto Rubim. O referido personagem provinha da carreira naval, na qual ascendeu pelas próprias vias. A nomeação ao cargo ligava-se, segundo as autoras, às aptidões militares de Rubim, que favoreceriam a liderança em embates contra indígenas, demarcação de fronteiras, ocupação e proteção de territórios.
O mandato de Rubim realizou-se entre os anos de 1812 e 1819, solidificando a organização burocrático-administrativa da capitania do Espírito Santo e avançando na ocupação do interior. O triunfo nas terras capixabas garantiu, ao militar, nova nomeação ao cargo de governador, contudo, para a capitania do Ceará.
No capítulo posterior, utilizando como aporte teórico a micro-história, Juliana Sabino Simonato analisa a elite política no Espírito Santo oitocentista, identificando a singularidade de Manoel Pinto Ribeiro de Sampaio. A autora explora a origem fidalga da família do personagem, que constituiu a elite política coimbrã. Ribeiro de Sampaio nascera no Espírito Santo e graduara-se em Direito na Universidade de Coimbra.
Consoante à Simonato, o intelectual ilustrado fora nomeado para atuar em diversas áreas do território lusitano, inclusive no continente africano. Sendo assim, Manoel Pinto Ribeiro de Sampaio conviveu com extrema fluidez cultural, podendo ser reconhecido como um mediador cultural, tendo em vista sua capacidade de coexistir, estabelecer comunicações e disseminar a diversidade. Ao retornar ao Brasil, ocupou cargos destacados, sendo o único espírito-santense a atuar como presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Em seguida, Arthur Ferreira Reis discorre acerca de outro membro da elite intelectual coimbrã, José Bernardino Baptista Pereira de Almeida. Entretanto, este personagem atuara na dinâmica política pós Independência. Nascido em Campos dos Goytacazes, que até 1832 compunha a província do Espírito Santo, Bernardino atuou como representante capixaba na Câmara dos Deputados por duas legislaturas.
Reis relaciona os escritos de Bernardino e seu desempenho no legislativo, apontando seu ímpeto ao protecionismo econômico, a valorização da agricultura e ao investimento em educação. Visivelmente interessado no progresso de Campos, o político sinaliza ainda a necessidade da organização do código de leis, que deveria considerar o Brasil como um todo desigual.
Ademais, Arthur Ferreira Reis adverte a respeito de uma carência de estudos que contemplem a História do Espírito Santo. Todavia, questionamos tal fato, já que identificamos uma profusão de trabalhos relativos ao assunto, provenientes, principalmente, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo.
Ainda em se tratando de elites políticas, Karulliny Silverol Siqueira analisa a trajetória de consolidação dos partidos políticos, e da imprensa na província do Espírito Santo como fatores interligados. Neste sentido, utiliza a metodologia das linguagens políticas e o conceito de cultura política para traçar a trajetória de José Francisco Monjardim. Deste modo, considera que o personagem fora proponente de um vocabulário que valorizava a ordem e a monarquia, promovendo a consolidação da província capixaba e do Império como um todo.
De acordo com as indicações de Siqueira, o Coronel Monjardim recebera inúmeras condecorações e ocupara os cargos de deputado provincial e presidente de província por diversas vezes. Monjardim destacara-se por seu caráter conciliador nos momentos de conturbação política no Espírito Santo, além da pretensão do progresso para a localidade. Sendo assim, a historiadora orienta que a trajetória do Coronel confunde-se com a trajetória política da província capixaba.
Outro membro da elite capixaba que assume destaque na obra é Marcelino Pinto Ribeiro Duarte. Adriana Pereira Campos, Fernanda Cláudia Pandolfi e Marcelo Basile explicitam a vida na corte e a trajetória do padre Marcelino na imprensa, destacando a audácia de suas publicações durante o período regencial, e o ataque às autoridades do Espírito Santo. Neste sentido, as publicações que questionavam a ordem e a participação em revoltas garantiram que o padre fosse conduzido à prisão, por curtos períodos.
Conforme apontam Campos, Pandolfi e Basile, Marcelino identificava-se com o grupo político dos exaltados, rejeitava o governo regencial e defendia o ideal da federação, argumentando que a centralização prejudicava o avanço de sua província natal. Deste modo, concorrera a cargos políticos em inúmeros momentos. Entretanto, só alcançou a posição de deputado pelo Espírito Santo quando passou a residir em Niterói, onde alcançou prestígio na elite local.
No último artigo da obra, Adriana Pereira Campos e Kátia Sausen Da Motta problematizam a trajetória de um membro da elite intelectual capixaba que não conseguira alcançar as cadeiras da Universidade de Coimbra. José Marcelino Pereira de Vasconcellos formou-se advogado por esforço autodidático. Ademais, iniciou a carreira pública em Vitória em 1840, alcançando, oito anos depois, duas legislaturas como deputado provincial. Posteriormente, atingiu também a posição de deputado geral pelo Espírito Santo.
As autoras assinalam que, além da carreira no serviço público, o capixaba também atuou na imprensa e na publicação de obras instrutivas acerca da práxis jurídica. Sendo assim, o autodidata definira o caráter de utilidade pública de seus escritos e reconhecera que destinava-se a leigos, que porventura viessem a ocupar postos na administração judiciária. Neste sentido, as autoras reconhecem que, por meio de sua produção intelectual relativa ao Direito, José Marcelino Pereira de Vasconcellos alcançou notoriedade em âmbito nacional.
Sendo assim, ao examinar a obra, constatamos sua importante contribuição para a historiografia nacional. Visto que, não constitui apenas análise sobre o Espírito Santo, mas converge para uma exploração mais profunda do contexto geral brasileiro. Nesta perspectiva, ao investigarem as dinâmicas político- culturais em que se inscreveram as personalidades evidenciadas, os autores fomentam uma história que contempla episódios transcorridos distantes do centro de poder, abrangendo os problemas em toda a sua complexidade.
Identificamos que a publicação não incorre nos equívocos de completar uma narrativa principal nacional ou de designar o Espírito Santo com uma lógica autônoma. Ao contrário, assim como orienta o estudo de André Roberto de Arruda Machado (2017), os artigos conduzem trajetórias particulares ou do âmbito capixaba à integração a conjunturas mais amplas. Nesta perspectiva, a publicação não se constitui em esforço memorialístico, ou em uma narrativa que enfoca grandes homens. Tais deslizes são apontados por André Machado como recorrentes neste tipo de abordagem regional. Em contrapartida, a obra responde à necessidade de consubstanciar a história capixaba à historiografia nacional, garantindo maior profundidade aos debates. O referido feito, já fora alcançado pela historiografia carioca, mineira e paulista. Portanto, assinalamos o incentivo da obra para que outras regiões periféricas também incorporem a narrativa nacional.
Referências
MACHADO, A. R. de A. Entre o nacional e o regional: Uma reflexão sobre a importância dos recortes espaciais na pesquisa e no ensino da História. Anos 90, Porto Alegre, v. 24, n.45, p.293-319, 2017.
NASCIMENTO, Bruno César; OLIVEIRA, Ueber José de (Org.). Os pensadores do Espírito Santo: de Anchieta a José Marcelino Pereira de Vasconcellos. Vitória: Editora Milfontes, 2019.
Resenhista
Cibele Camargos Pereira – Graduada em História pela Faculdade Saberes. Aluna Especial de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: cibelecamargospp@gmail.com
Referências desta Resenha
NASCIMENTO, Bruno César; OLIVEIRA, Ueber José de (Orgs.). Os pensadores do Espírito Santo: de Anchieta a José Marcelino Pereira de Vasconcellos. Vitória: Editora Milfontes, 2019. Resenha de: PEREIRA, Cibele Camargos. Entre o singular e o profundo: a trajetória dos pensadores do Espírito Santo inscrita na abordagem nacional. Revista Ágora. Vitória, v. 31, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]
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