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Os investimentos estrangeiros em serviços públicos: América Latina e Espanha (século XIX e XX) / História Unisinos / 2020

O Dossiê que apresentamos para a apreciação dos leitores reuniu um conjunto de textos que contempla, a partir de diferentes perspectivas de análise, a historicidade dos investimentos estrangeiros na América Latina e na Espanha, dentro do marco cronológico dos séculos XIX e XX.

As pesquisas que originaram os artigos, apesar de procedentes de tradições historiográficas distintas – a europeia e a latino-americana – buscam explorar duas questões relevantes para a História Econômica. São elas: (1) Quais as relações existentes entre conjunturas nacionais / regionais e o fluxo de capitais estrangeiros para um determinado país? (2) Como as instituições políticas nacionais / regionais conduziram as tensões geradas entre os adeptos da captação de investimentos estrangeiros e os adeptos da valorização de capitais internos?

As questões supracitadas advertem para a necessidade de refutarmos uma leitura homogênea sobre os fatores que determinam o fluxo de capitais externos na direção da América Latina ou da Espanha. Neste sentido, para além da intencionalidade do lucro sempre presente na transferência de capitais de um país para outro, fatores como cooperação tecnológica, avaliação de riscos, previsão de demanda e os atrativos oferecidos pelo poder público são aspectos importantes para a compreensão da dinâmica dos investimentos externos. Igualmente importante é a percepção de que determinados setores da economia receberam maior afluxo de capitais externos em determinadas conjunturas históricas. E, no caso específico deste Dossiê, os setores contemplados foram o transporte ferroviário; o serviço de abastecimento de água; a indústria de gás e a geração / transmissão de energia elétrica.

No primeiro texto, Miguel Muñoz Rubio e Pedro Pablo Ortúñez revisam a discussão historiográfica sobre o impacto que a importação das primeiras locomotivas provocou na economia espanhola. Concentrando a abordagem no período entre 1848-1855, os autores constataram que a importação de locomotivas possibilitou uma transferência de tecnologias que foi fundamental para impulsionar a organização do sistema de transporte ferroviário da Espanha.

A gradual expansão do sistema de transporte ferroviário, primeiro da Inglaterra para a Europa continental e, posteriormente, da Europa para os outros continentes, pode ser considerada um dos capítulos mais interessantes na História Econômica mundial. Financiado na sua maior parte com capitais europeus, o novo sistema de transporte alcançou a América Latina, onde se tornou símbolo de modernização econômica, e, ao mesmo tempo, provocou tensões entre os investidores externos e as autoridades políticas locais. O artigo de Gunter Axt aborda este tipo de tensão. O autor pesquisou o embate entre o poder público e as empresas estrangeiras que atuavam no transporte ferroviário no Rio Grande do Sul da Primeira República. O desfecho do embate foi a encampação das empresas e a ampliação da intervenção do poder público na economia sul-rio-grandense.

Na mesma época em que as ferrovias facilitavam a circulação de passageiros e mercadorias e participavam da consolidação do chamado “sistema-mundo”, o fenômeno da urbanização se intensificava. Inseridas nas rotas de um comércio internacional que estava em expansão no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, algumas cidades portuárias atraíram grandes contingentes populacionais e se defrontaram com a urgente necessidade de ampliar a oferta de água potável. Este foi o caso da cidade chilena de Iquique – objeto de estudo do artigo escrito por Inmaculada Simón Ruiz e Luis Castro Castro. Localizada no extremo norte do Chile, numa região de clima árido, no final do século XIX, durante o ciclo de extração / exportação do salitre, a cidade portuária de Iquique se expandiu convivendo com o problema da disparidade entre a demanda por água potável e a escassez de recursos hídricos. A pesquisa de Ruiz e Castro constatou que a redução parcial da disparidade foi financiada com capitais externos que priorizaram o lucro dos investimentos e prolongaram a situação precária do abastecimento de água em Iquique – situação que só foi revertida a partir de intervenção do poder público no serviço.

A relação entre aumento na demanda por água e o desenvolvimento de um serviço de abastecimento controlado pelo capital privado e externo também está presente no texto de Alberte Martínez López, que escreveu sobre os investimentos da empresa britânica Algeciras Water Works Company Limited na cidade de Algeciras, Espanha. O estudo realizado pelo autor abrange o período entre 1912, ano de fundação da empresa, e 1952, ano da sua dissolução. Dentro deste recorte cronológico a atuação da Algeciras Water Works foi afetada pela Primeira Guerra Mundial, pela crise econômica dos anos 30 e por mudanças na política cambial praticada pela Espanha. Diante destas adversidades e de uma crescente demanda por ampliação na oferta de água, a empresa se endividou e não foi capaz de atender de forma satisfatória os compromissos assumidos no contrato de concessão.

O fracasso de empresas estrangeiras é uma parte da história do fluxo de capitais internacionais. Outra parte desta história diz respeito aos padrões de investimentos estrangeiros observados em determinados locais e conjunturas históricas. Identificar estes padrões a partir da realidade da Espanha na segunda metade do século XIX e nos primeiros decênios do século XX é o propósito do artigo de Juan Manuel Matés Barco e Mariano Castro Valdivia. Os autores analisaram os investimentos estrangeiros nos setores de abastecimento de gás e água – ambos organizados a partir de indústrias de rede –, e concederam uma especial atenção para o fenômeno de retração dos investimentos estrangeiros na Espanha a partir de 1914 – um fenômeno ligado ao contexto da Primeira Guerra Mundial e às estratégias adotadas pelo governo para fortalecer a economia espanhola.

No sexto artigo do Dossiê, Alexandre Machione Saes aborda as mudanças ocorridas na política norte-americana de financiamento para o setor de energia elétrica no Brasil no período entre 1945-1954. O estudo de Saes ressalta a importância da pesquisa em fontes documentais diplomáticas no âmbito da História Econômica e oferece elementos para a compreensão das estratégias adotadas pelo Brasil e pelos Estados Unidos no fomento de um setor que ambos consideravam relevante.

Dentro do habitus da escrita acadêmica, a função do texto de Apresentação de um Dossiê é oferecer ao leitor pistas sobre um conjunto de artigos que pode ser lido em partes ou na sua totalidade. Acreditamos que nossa Apresentação, apesar de sucinta, atende esta função. No entanto, na condição de organizadores, consideramos pertinente registrar a constatação de que os seis textos reunidos tratam de investimentos estrangeiros diretos (IED), e, consequentemente, os investimentos estrangeiros em carteira (IEC) não foram contemplados. Apontando a ausência de estudos sobre a história dos investimentos estrangeiros em carteira neste Dossiê, sinalizamos para os leitores uma tendência no âmbito da História Econômica – a tendência de conceder maior atenção para pesquisas que abordam os investimentos estrangeiros diretos.

Diante do que foi exposto, finalizamos a nossa Apresentação agradecendo aos pesquisadores que participaram deste Dossiê como autores ou como avaliadores. E, da mesma forma, estendemos nosso sincero agradecimento para a Equipe Editorial da revista História Unisinos.

Fabiano Quadros Rückert

Guillermo Banzato

Os Organizadores

Corumbá / Buenos Aires, maio de 2020.


RÜCKERT, Fabiano Quadros; BANZATO, Guillermo. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.24, n.2., maio / agosto, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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