Os donos de Portugal. Cem anos de poder econômico (1919-2010) | Jorge Costa
Um texto fluído e agradável que prende a atenção do leitor ao longo das suas quase 450 páginas. O levantamento foi primoroso e nos mostra a evolução da elite econômica portuguesa ao longo do século XX, seja no período da ditadura salazarista, caetanista, seja no período da Revolução dos Cravos, suas viradas à esquerda e o período pós adesão à Comunidade Econômica Europeia.
Escrita a cinco mãos, a obra é o trabalho conjunto de historiadores e economistas, professores da Universidade Nova de Lisboa, alguns deles deputados da Assembleia da República. O grupo é liderado por Jorge Costa, jornalista e estudioso de História Econômica do país, que exerce a direção do Bloco de Esquerda, um partido político formado em 1998, a partir da fusão da União Democrática Popular (de orientação marxista), do Partido Socialista Revolucionário (com ideologia trotskista) e da Política XXI, união de ex-militantes do Partido Comunista Português, e pensadores independentes.
O texto busca as origens das maiores fortunas portuguesas recuando até ao Regime Monárquico do país para tal e acompanhando o desenrolar dos caminhos de cada uma das famílias detentoras dessa classificação. Assim, pode-se perceber a relação da elite com o Estado ao longo do século XX, uma relação que nem sempre foi harmônica ou pacífica porém próxima e interligada de forma inegável.
As pesquisas efetuadas pelos autores das famílias protagonistas do livro e a quem o título se refere, levam à constatação de sua endogamia, o que as torna “na verdade, uma única família”, conclusão apresentada logo no início da obra que apresenta um estudo da evolução dos grupos por setor econômico, bem como, por grupo familiar particularizando cada um em seu relacionamento com as diferentes instancias e instituições governamentais.
Há também uma discussão adicional sobre as diferentes leituras das causas do atraso econômico português, com análise das diversas vertentes teóricas e seus argumentos a respeito do que teria provocado o subdesenvolvimento econômico do país e o teriam levado a uma posição decadente e dependente das demais economias do bloco que integra. Assim, os autores contrapõem as visões dos historiadores e teóricos sobre o assunto.
Um outro bônus extra que podemos atribuir aos Donos de Portugal, é uma análise crítica detalhada da interpretação histórica feita por António Sérgio – nascido em 1883, e falecido 1969, foi um importante intelectual e pensador português com influências presentes até hoje no país. Em adição, analisa-se a trajetória das correntes de pensamento português sobre as questões levantadas por Sérgio e sua reformulação elaborada por Álvaro Cunhal, ainda sob a ditadura salazarista, em 1964.
À parte de um exaustivo processo de pesquisa que resultou nas linhas que recheiam o livro de fatos e dados, há que se destacar, também, a apresentação dos processos de continuidade e rupturas ocorridas na história do país ao longo do período analisado, um cenário para o estudo das interligações, vitórias e derrotas das famílias estudadas, atores sempre ativos e presentes no drama relatado por Costa e seu grupo, ainda que em certos momentos, o cenário se alargue já que os seus atores principais se deslocaram para o Brasil e outros países, em exílio perante o regime pósrevolução de 1974. Um exílio que apenas permitiu um reagrupar de forças e uma maior acumulação e expansão de negócios e áreas de atuação, sempre com a ajuda de importantes figuras políticas portuguesas, brasileiras, e europeias.
Por fim, Os donos de Portugal no brinda com um anexo contendo a relação cronológica de 115 figuras importantes e atuantes nas esferas governamentais do período 1974-2010, com os cargos ocupados por elas mesmas nas empresas das “famílias” ou principais grupos econômicos de Portugal. A pesquisa comprova a relação íntima entre o poder político do país e os quadros das empresas dos grupos, seja na composição do Conselho Administrativo, Fiscal ou na Assembleia das mesmas empresas.
Pode-se dizer do sucesso dos autores em cumprir seu objetivo de conhecer como se deu a formação de capital e os processos de acumulação ao longo do século passado, como se formou e evoluiu a burguesia portuguesa, como sobreviveu e reagiu às crises e mudanças internas, como se relacionava interna e externamente.
Resenhista
Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli – Mestranda em História Econômica pela FFLCH-USP Pesquisadora do GEEPHE.
Referências desta Resenha
COSTA, Jorge et alli. Os donos de Portugal. Cem anos de poder econômico (1919-2010). Coimbra: Edições Afrontamento, 2010. Resenha de: PREVIDELLI, Maria de Fátima Silva do Carmo. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 08, n. 24, p. 175-177, janeiro, 2011. Acessar publicação original [DR]