Os caminhos (da escrita) da História e os descaminhos de seu ensino: a instituição do ensino universitário de História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968) – ROIZ (RBHE)

ROIZ, Diogo da Silva. Os caminhos (da escrita) da História e os descaminhos de seu ensino: a instituição do ensino universitário de História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934-1968). Curitiba-PR: Editora Appris, 2012. Resenha de: ROIZ, Simone Toneli Oliveira. A institucionalização do ensino universitário de História no Brasil. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 1 (34), p. 281-284, jan./abr. 2014.

A história do ensino universitário brasileiro de História ainda é um tema muito pouco investigado em nossa historiografia, inclusive, a de cunho educacional. Temos procurado escrever mais a história de nossas universidades, sem, contudo, atentarmo-nos para o fato de que nossos cursos universitários não têm sido historiados com a mesma preocupação e regularidade, de modo a conhecermos como foram fundados, de que maneira ocorreu seu desenvolvimento, e que diálogos (ou não) se estabeleceriam entre eles. Ao que tudo indica, esse quadro está sendo revisto, como mostram estudos, a exemplo do que aqui está sendo resenhado.

O trabalho de Diogo Roiz, publicado em 2012, teve origem em sua dissertação de mestrado defendida em 2004. Tal como indica o autor, desde aquele período, o trabalho foi ganhando maior envergadura, sendo publicado em revistas especializadas e complementado com outras pesquisas, que o autor procedeu entre 2005 e 2008. Seu texto é precedido por um Prólogo, escrito por Teresa Maria Malatian, no qual a autora destaca os méritos do livro e da trajetória do autor; por uma Apresentação, escrita por Marieta de Moraes Ferreira, que mostra a importância do ensino de história, em contraponto com a ainda lamentável escassez de estudos no que se refere à institucionalização d ensino universitário de História no país; e por um Prefácio, escrito por Ivan Manoel, em que são estabelecidas relações interessantes entre a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Colégio Pedro II, em 1838, e a criação da Universidade de São Paulo, de sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e seu curso de Geografia e História em 1934, com vistas a apresentar como se pensou, ensinou e escreveu a história entre esses dois períodos, e como foi pensado o ofício de historiador no país.

No conjunto, esses textos introdutórios demarcam a importância de estudos como esse, que visam explorar o aparecimento do ofício de historiador no país, de modo a inquirir como foi pensado o trabalho do historiador profissional, o que seria definido como obra histórica e como se faria a pesquisa nesse campo de estudos. Além disso, alertam para a escassez de estudos e as poucas, ou remotas, relações que se procurou  estabelecer entre a história do ensino de história no Brasil e a criação dos cursos universitários de História, a partir dos anos 1930.

Note-se que, nesse período, foram criados os seguintes cursos: em 1934, o curso de Geografia e História da Universidade de São Paulo (USP); em 1935, o curso de História da Universidade do Distrito Federal (extinto no início de 1939, em função da criação da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil); em 1938, o curso de Geografia e História da Universidade do Paraná; e, em 1939, o curso de Geografia e História da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil (UB), que teria por função (no âmbito do projeto de centralização do ‘Estado Novo’) a organização e a padronização dos currículos dos cursos das Faculdades de Filosofia no país. Mas, como indica esse estudo, nem por isso teria ocorrido uma total padronização curricular nos cursos das Faculdades de Filosofia, ao comparar as mudanças curriculares do curso de Geografia e História da USP com o da UnB.

É tendo em vista questões como essa que o estudo de Diogo Roiz se propôs a demonstrar como se estabeleceu um conjunto de regras para o funcionamento dos cursos das Faculdades de Filosofia; de que maneira foram ocorrendo mudanças curriculares no curso de Geografia e História, de modo a torná-los cursos independentes em meados dos anos 1950; por fim, quais as experiências de ensino e pesquisa que se procurou colocar em prática no curso durante os anos de 1930 a meados de 1950. Com base nesse painel, o autor fez, na segunda parte de seu estudo, uma análise sobre as tentativas de escrita da história das civilizações em geral e da brasileira em particular, por meio de estudos pormenorizados das trajetórias de Alfredo Ellis Júnior (que foi professor na cadeira de História da Civilização Brasileira do curso de Geografia e História, durante o período de 1938 a 1956), de Sérgio Buarque de Holanda (que substituiu esse docente a partir daquele ano, e lá permaneceu até 1968) e de Eduardo d’Oliveira França (que foi professor na cadeira de História da Civilização Moderna e Contemporânea entre 1942 e 1968). O autor justifica esse recorte, tendo em vista o período em que durou o regime de cátedras na instituição.

Ao lado desse problema, percebe-se uma nítida tentativa de verificar como foram estabelecidas certas relações de gênero na instituição e no interior do curso nesse período. Para tanto, ao destacar como ocorreu o processo de institucionalização do curso de Geografia e História, fundamentando-se no modelo de legislação que foi posto em prática no período, o autor evidencia as disputas que se firmavam em torno dos concursos para as cátedras do curso, nas quais as mulheres eram preteridas, em função de uma corporação masculina que se implantou no curso, desde o início de seu funcionamento nos anos 1930. Nesse aspecto, a leitura desse primeiro capítulo se enriquece, ao ser feita junto com o apêndice número um do livro, onde o autor faz um exaustivo levantamento dos alunos matriculados e formados nos vários cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paul entre 1930 e 1950, para mostrar que o número médio de mulheres formadas era sempre maior que o de homens. Ao adentrar o curso de Geografia e História no primeiro capítulo, ele mostra que, nas defesas das teses, os números não eram muito diferentes. O grande fosso estava justamente na disputa pelas cátedras. Ao se referir a elas, o autor dá o exemplo da disputa que se abateu em relação à cadeira de História da Civilização Americana, pela qual disputaram o concurso dois homens e uma mulher (Alice Canabrava). Mesmo tendo ela tirado as médias maiores, foi preterida no concurso e a vaga ocupada pelo professor interino da cadeira cujas notas foram menores que as dela.

Foi a partir desses pontos que o autor se propôs a estudar as mudanças curriculares do curso entre os anos de 1930 e meados de 1950, quando estes viriam a se tornar independentes, em função da aprovação de lei federal em 1955. No capítulo, o autor destaca as mudanças curriculares de 1938, 1942, 1946 e de 1956 no curso de Geografia e História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Sua chave interpretativa está em destacar e comparar o período anterior e o posterior a 1939, quando então se estabelece a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras, com seu curso de Geografia e História, de modo a verificar como se deu o processo de centralização curricular no período. Para além dessa problemática, o capítulo ainda dá indícios de como a pesquisa era colocada em prática no período, tema que recupera e desenvolve no terceiro capítulo, para mostrar que as mulheres se não eram preteridas durante esse processo inicial, em que eram assistentes das cadeiras, o eram quando tentavam disputar as cátedras nos concursos.

Com esse contexto traçado, o autor procurou inventariar as obras e as tentativas de escrita da história que ocorreram com Alfredo Ellis Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e Eduardo d’Oliveira França, quando foram catedráticos no curso de Geografia e História. Mesmo nesse ponto, o autor não deixa de lado a referência às disputas e as relações de gênero, inquirindo e demonstrando como esses docentes viam as mulheres e sua participação nas disciplinas e nas cadeiras do curso.

Portanto, ao destacar como ocorreu o processo de institucionalização do ensino universitário de História, esse estudo contribui para que possamos conhecer melhor a história de nossos cursos universitários, sugerindo caminhos teóricos e metodológicos para a investigação da história de um curso universitário, além de contar um pouco da história dos cursos de Geografia e História no país.

Simone Toneli Oliveira Roiz – Professora do curso de Pedagogia na FIAMA, unidade de Amambai/MS. Mestre em Educação pela PUC/PR. Participa dos grupos de pesquisa: Cultura e Instituições educacionais (Unesp) e Teoria, metodologia e interpretações na história da historiografia no Brasil. E-mail: simoneoliveir@yahoo.com.br

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