A aproximação entre a arquivologia e a ciência da informação, observada nos últimos anos, deve-se principalmente ao aumento da busca de informação e da construção de conhecimento pelos sujeitos. A partir de teorias e práticas arquivísticas para organizar e tratar documentos, é possível apontar as interações com a ciência da informação, entre elas a identificação de conceitos comuns às duas disciplinas, como indexação, análise de assunto e classificação, embora com suas respectivas especificidades.
A arquivologia é uma disciplina com fundamentos teóricos e práticos consolidados, que apresenta métodos e instrumentos para a organização da informação registrada. Considerando a organização do conhecimento (OC) como uma área que contribui para o desenvolvimento de princípios metodológicos para a representação, a construção de instrumentos e o acesso à informação, a interlocução entre as disciplinas é possível, levadas em conta as particularidades de cada uma, como no caso da organização do conhecimento em arquivos, a obediência aos princípios da proveniência, da ordem original e do ciclo documental.
Em uma concepção abrangente, OC é a disciplina que estuda e desenvolve princípios teóricos relacionados ao planejamento, à construção e à gestão de sistemas de organização do conhecimento, como também às atividades de descrição, indexação, classificação e armazenamento de itens informacionais que conservam e transmitem seu conteúdo aos sujeitos. O dossiê “Organização do conhecimento em arquivos” reúne artigos em que o diálogo inter e transdisciplinar se fez presente, tendo a OC como principal foco, em articulação com a arquivologia e a ciência da informação.
Em entrevista dada por David Giaretta a Daniel Flores, podemos conhecer as recomendações do entrevistado sobre a implementação do modelo OAIS e a organização do conhecimento em arquivos em ambientes digitais. Giaretta também comenta a discussão sobre as Propriedades Significativas (PSs), e como foi realizada a incorporação do conceito de “propriedade de informação transformacional”, atribuída às entidades de OAIS. Segundo ele, tal conceito permite uma abordagem tão ampla quanto possível na análise do problema, considerando seus aspectos antes de decidir as ações disponíveis. O autor finaliza apontando orientações para a adoção do modelo OAIS na organização do conhecimento em arquivos e na formação do arquivista.
A aproximação entre arquivologia e OC é foco do artigo de Amanda Marissa Soares da Silva e Natália Tognoli, tendo como base a literatura produzida no âmbito dos eventos da ISKO (International Society for Knowledge Organization). As autoras discutem a relação estabelecida entre as disciplinas, destacando a mudança de papel dos arquivos, ora considerados como sistemas de informação, com o propósito de organizar um conhecimento produzido e registrado pela sociedade. Concluem que há a emergência de uma comunidade discursiva brasileira que advoga uma relação entre o conhecimento arquivístico e a OC.
Situando seu artigo no âmbito da representação e organização arquivísticas, Renato Tarciso Barbosa de Sousa nos instiga à reflexão ao questionar se a classificação funcional de documentos é uma abstração intelectual ou um instrumento prático. Tal questionamento revela a dialogicidade entre teoria e prática na área arquivística, mais precisamente na identificação de possíveis problemas no uso de instrumentos de classificação funcional. O artigo apresenta breve histórico da classificação de documentos de arquivo para, depois, discutir a classificação funcional na literatura arquivística a partir da década de 1990. O autor aponta três críticas referentes à classificação funcional: a existência de diferentes definições para o conceito de função e seus desdobramentos na literatura arquivística; a ausência de metodologias para a elaboração de planos de classificação funcional; e as diferentes percepções dos usuários sobre esses instrumentos.
Carlos Guardado da Silva e Luís Corujo analisam os anais da ISKO Internacional, ISKO Brasil e ISKO Ibérico dos últimos cinco anos em busca do alinhamento entre OC e arquivística, encontrando a contribuição de pesquisadores brasileiros e destacando a discussão tanto sobre proveniência como sobre classificação. Os autores concluem, por um lado, que a perspectiva da OC enriquece os processos da arquivística e, por outro, que a relação entre a OC e a arquivística, e entre sua teoria e sua prática, ainda está a tentar encontrar seus percursos e soluções.
O texto de Thiago Henrique Bragato Barros, Carine Melo Cogo Bastos e Adriana Carla Ribeiro dos Santos parte da compreensão de que os estudos que relacionam arquivologia e OC retratam aspectos de representação, classificação, descrição e indexação. Dessa forma, os autores discutem a aplicação de tesauros, ontologias e taxonomias no contexto dos arquivos, buscando tanto suas características como limites.
Georgete Medleg Rodrigues traça um panorama de como as informações registradas podem ser situadas em uma espécie de “pré-história” dos arquivos, e demonstra como a escrita e os arquivos estão indissociavelmente ligados. Consequentemente, ações de OC passam logo a se tornar necessidades imperativas no âmbito arquivístico. A autora destaca a descrição arquivística e o papel do Conselho Internacional de Arquivos (ICA) e da ISAD(G), assim como do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq).
Tatiana de Almeida e Rosana Portugal Tavares de Moraes apresentam os instrumentos e princípios da OC e sua aplicação no contexto arquivístico, tendo como base a classificação CSKOL, desenvolvida por Ingetraut Dahlberg. O resultado aponta um aumento de estudos nos últimos anos, uma aproximação prática e teórica da OC e da arquivologia, demonstrando o aspecto interdisciplinar de ambas as áreas.
Ismaelly Batista dos Santos Silva e Hildenise Ferreira Novo fazem uma análise de perspectiva simbólica e em múltiplas dimensões sobre o processo de organização do conhecimento em arquivos. Para tanto, apresentam um artigo fundamentado na epistemologia social, com influência do regime filosófico das formas simbólicas de filologia cassireriana, na literatura brasileira em arquivologia e na ciência da informação.
O suporte do documento arquivístico digital é o tema do artigo de Linair Maria Campos, Rosely Curi Rondinelli e Maria Luiza de Almeida Campos. Apoiadas na teoria do conceito de Dalhberg e nas teorias da ontologia formal, as autoras discutem o conceito do documento arquivístico digital à luz da arquivologia e da diplomática.
Uma breve análise bibliométrica do conjunto de artigos mostra que o dossiê contou, além da entrevista, com oito artigos escritos por 16 autores. Esses textos mencionaram 341 citações, principalmente a periódicos, com destaque para Knowledge Organization, Informação & Informação, Archival Science e Ciência da Informação e a trabalhos em eventos como ISKO Brasil, ISKO Internacional e ISKO Ibérico. As citações foram principalmente para textos em português (47%) e em inglês (43%). Por fim, sete autores receberam o maior número de citações: Thiago Barros (23), Natália Tognoli (20), José Augusto Guimarães (17), Renato Tarciso de Sousa (12), Ingetraut Dahlberg (11), Luciana Duranti (11), e Maria Luiza de Almeida Campos (10); além de outros 275 pesquisadores citados. Isso revela como a temática é cara aos brasileiros e como as bases tanto da OC como da arquivologia foram representadas.
Os autores dos artigos são originários de diferentes universidades e regiões do Brasil, sem esquecer a contribuição de nossos colegas portugueses. Acreditamos que essa diversidade se reflete nos estudos, que nos oferecem variadas perspectivas e possíveis interseções entre arquivologia e OC. Na expectativa de incentivar e inspirar novas reflexões e ações aos pesquisadores, desejamos a vocês uma ótima leitura!
Organizadores
Joice Cleide Cardoso Ennes de Souza – UFF.
Michely Jabala Mamede Vogel – UFF.
Referências desta apresentação
SOUZA, Joice Cleide Cardoso Ennes de; VOGEL, Michely Jabala Mamede. Apresentação. Acervo. Rio de Janeiro, v. 35, n. 2, p. 1-3, maio/ago. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]
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