Thiago Moratelli, natural de Bauru, quilômetro zero da Noroeste do Brasil (NOB), graduou-se em História pela Universidade do Sagrado Coração e é mestre em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas, onde defendeu sua dissertação em 2009, que resultou neste brilhante livro sobre os trabalhadores da construção da NOB.
Durante a graduação, Moratelli estagiou no Museu Ferroviário de Bauru e passou a visitar o Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias de Bauru, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, para consultar fontes sobre os sindicatos de ferroviários, objeto de seu trabalho de graduação, em um contexto ainda impactado pelo processo avassalador de privatização da Rede Ferroviária Federal que provocou demissões em massa na NOB.
A curiosidade gerada na graduação teve desdobramentos para uma pesquisa de fôlego no mestrado. Mas na obra aqui apresentada o foco privilegiado não são os trabalhadores da operação da Ferrovia, os ferroviários, ou mesmo o “sucateamento” da Ferrovia e a privatização. Interessa ao autor o sistema de empreita, as formas de arregimentação e as relações de trabalho durante a construção da Ferrovia, de 1905 a 1914.
Na introdução do livro, Moratelli apresenta uma crítica bibliográfica e constata que os diversos autores que abordaram temas voltados para a NOB, como economia, construção, conflitos contra indígenas, desenvolvimento da cafeicultura e as relações de poder, envolvendo empresa e governo, não se dedicaram ao estudo dos trabalhadores da construção da Estrada.
A obra está organizada em cinco capítulos intitulados “Construção ferroviária e trabalho de empreitada”, “Recrutamento dos trabalhadores”, “Condições de vida e trabalho”, “Movimento operário” e “Crime e cotidiano”. Pela ordem dos capítulos podemos perceber que a pretensão de Moratelli é apresentar as singularidades que cercam o empreendimento da construção da NOB no início do século XX, tendo o trabalho de empreitada como condição basilar; o trajeto percorrido pelos trabalhadores, da arregimentação por meio do sistema de empreitadas e os chamados que os aliciadores faziam para seduzir os mais diversos sujeitos com as promessas de ganhos e subsídios oferecidos em troca do trabalho; as condições de vida e trabalho no enfrentamento das adversidades do sertão; as lutas dos trabalhadores contra as péssimas condições de trabalho e os constantes atrasos de salários, para concluir em um capítulo magistral que apresenta o cotidiano dos trabalhadores em um ambiente predominantemente masculino e violento.
A partir do pontapé inicial, que é o sistema de empreitadas, não é possível deixar a obra sem concluir sua leitura, pois a narrativa dinâmica atrai a atenção do leitor, principalmente aquele que se interessa pelo universo dos trabalhadores. Para entender o trabalhador neste universo, todavia, Moratelli não se descuida do que poderíamos denominar de “história de empresas”, neste caso da empresa de construção ferroviária que adota o sistema de empreitadas. Como as empresas não se fazem sem as complacências do Estado, especialmente no Brasil da Primeira República, importa também a Moratelli, neste primeiro capítulo, apresentar as relações do Estado brasileiro via facilidades contratuais com a empresa. O sistema de empreitadas que viabiliza a consecução da obra de implementação dos trilhos também norteia a administração do trabalho em condições insalubres. A história do empreendimento, na narrativa de Moratelli, desvenda as condições dos trabalhadores nas frentes de serviços que enfrentavam os indígenas; as dificuldades em meio ao pantanal do sul de Mato Grosso; o trabalho árduo e as atrocidades dos encarregados.
No segundo capítulo o autor aprofunda a análise dos meios de contratações, descrevendo as formas de recrutamento com os chamados aliciadores e a divulgação por meio da imprensa que não se preocupava em noticiar as condições de vida dos trabalhadores. No estudo das relações do Estado com as empresas de empreitadas, Moratelli menciona a deportação, para as frentes de construção da ferrovia, dos considerados vadios e vagabundos que “perturbavam a ordem” em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
No capítulo sobre as condições de vida e de trabalho dos operários, Moratelli apresenta as adversidades que cercavam os homens que se embrenhavam nos sertões e combatiam os indígenas para implementar o símbolo da modernidade: os trilhos. Os principais problemas enfrentados pelos trabalhadores eram as doenças endêmicas e a falta de assistência médica e de hospitais ao longo do trajeto. Abandonar o trabalho e fazer o caminho de volta era o desejo de muitos, impossibilitados pela vigilância e pelo isolamento. Nessas condições, práticas de resistência foram se disseminando entre os trabalhadores.
Interessante destacar a forma com que o autor faz uso dos jornais como fonte histórica e sua intensidade dentro do texto para a reconstrução do cenário. No quarto capítulo esse uso se intensifica na menção ao jornal La Battaglia, escrito em italiano, traduzido por anarquistas e divulgado na cidade de São Paulo. Esse jornal foi crucial para a divulgação das atrocidades que aconteciam na construção da NOB. Em contrapartida, capítulos anteriores trazem recortes de outros jornais, como O Estado de S. Paulo, que publicavam matérias a fim de “amenizar” as denúncias das péssimas condições vivenciadas pelos trabalhadores, os enfrentamentos, as greves, o abandono dos locais de trabalho devido à miséria gerada pelos constantes atrasos de pagamentos.
No último capítulo o autor se utiliza de processos crimes para apresentar a vivência dos trabalhadores e os conflitos internos à classe operária. Interessa ao autor questionar a visão construída pela elite mato-grossense de que entre os trabalhadores imperava o ímpeto da violência e da criminalidade. Na perspectiva de uma história da cultura de classes, o autor afirma que os “crimes” eram conflitos próprios de um ambiente predominantemente masculino permeado pelo consumo excessivo de álcool, a diversidade cultural, religiosa e de nacionalidades.
Thiago Moratelli conseguiu preencher uma importante brecha na história da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, ao dar lugar na história para indivíduos que, em suas particularidades, fizeram da construção da linha férrea “uma atividade econômica própria” e constituíram o movimento operário em uma região distante dos centros urbanos do país.
Caio Vinicius dos Santos – Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET História Conexões de Saberes. Graduando do 3º período em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas – UFMS/CPTL – Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6139633799113755
MORATELLI, Thiago. Operários da empreitada: os trabalhadores da construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil (São Paulo e Mato Grosso, 1905-1914). Campinas: Editora UNICAMP, 2013. Resenha de: SANTOS, Caio Vinicius dos. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, n.6, p. 202-204, jan./jun. 2014. Acessar publicação original [DR]
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