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O vencedor leva tudo: a corrida chinesa por recursos e seu significado para o mundo | Dambisa F. Moyo

A economista africana Dambisa Moyo é doutora pela Universidade de Oxford e trabalhou no Banco Mundial e no banco de investimentos norte americano Goldman Sachs. Apesar de ter nascido e crescido na Zâmbia, ter tido uma formação inglesa e ter trabalhado nos Estados Unidos, a autora nos leva, nesse livro, à China, mostrando as implicações sociais e políticas da atual busca chinesa por recursos produtivos. O livro está dividido em duas partes; na primeira, a autora permite ao leitor entender melhor os motivos que levaram a China a adotar uma grande campanha para obtenção de commodities e como essa campanha coaduna-se com seus objetivos internos de desenvolvimento e externos de inserção internacional soberana; na segunda, Moyo expõe sua versão a respeito do significado desta campanha para o mundo, as repercussões e como tais ações mudam a economia política global.

Os primeiros capítulos descrevem uma realidade na qual o mundo atual encontra-se imerso, porém, sem uma compreensão sistêmica da sua complexidade e da ligação existente entre os mais diversos fenômenos e eventos. Ao interpretar a atual escassez ambiental e a constante diminuição dos recursos naturais, além de analisar dados numéricos associados a uma regressão histórica, Moyo busca atingir o leitor por intermédio da construção de cenários para um futuro próximo, estimando uma sequencia de eventos dos próximos 50 anos. Em apenas meio século, segundo dados apresentados em sua obra derivados de institutos de pesquisa nas áreas de geografia política e econômica, a população mundial explodiu, saltando de 2,5 bilhões em 1950 para 7 bilhões em 2011.

Segundo a autora, este crescimento exponencial da população somado ao desenvolvimento tecnológico e a incorporação de inovações nas atividades produtivas e cotidianas estabeleceram pressões sem precedentes na demanda por commodities de todos os tipos, desde comida, passando pela maior necessidade (e escassez) de água à energia e minerais. Estudos apresentados pela autora ao longo da obra indicam que a população global pode chegar a 10 bilhões de habitantes por volta do ano de 2050, o que faz especialistas concluírem que o desequilíbrio entre a demanda e a oferta finita de recursos (e em processo de diminuição) pode contribuir para um “estresse” demográfico e ambiental, com sérias repercussões sociais em todo o globo. Dambisa Moyo constrói, ao analisar um leque de dados e informações que associam o crescimento populacional, a oferta de recursos naturais, a dominação espacial e o apetite quase insaciável chinês, um retrato assustador que pode estar emergindo, no qual os recursos produtivos constituintes das bases industriais e, consequentemente, fonte de manutenção de um nível estável de crescimento econômico (muitos dos quais enquadrados na lista dos não-renováveis) devem perfazer uma trajetória de redução em direção ao esgotamento. O risco que paira, considerando a atual conjuntura global, a distância entre as capacidades e níveis de poder entre as nações, a crescente participação privada nos processos produtivos, logo, também decisórios, é o de que muitos países venham a ser arrastados para conflitos decorrentes de tal escassez.

O que a percepção construída por Moyo sugere é que a China entrou no jogo de forma categórica, sustentada em medidas assertivas com o fito de garantir seus fornecimento de insumos de maneira “sustentável” e deliberadamente construtiva diante de uma eventual crise, estabelecendo “amizades”, parcerias, sistema de cooperação, produção em rede, investimentos em nações onde há riqueza de tais recursos, especialmente naqueles onde é possível realizar investimentos em todo o complexo de commodities. No verão de 2007, uma empresa chinesa comprou uma montanha considerada como grande reserva de cobre no Peru; em junho de 2009, outra empresa chinesa adquiriu a Addax Petroleum, que dispõe de recursos consideráveis no Iraque e na Nigéria; em outubro de 2010, esta mesma empresa adquiriu 40% da Repsol, uma empresa energética espanhola, apenas para citar alguns exemplos citados na obra. A autora tenta mostrar que em apenas uma década, a China passou de uma posição relativamente insignificante ao posto de principal signatária em um grande número de transações para obtenção de recursos pelo mundo todo. Na verdade, tanto países ricos quanto pobres não esperam que a China venha a bater na porta, eles ativamente cortejam e procuram os investimentos chineses. O que é no mínimo digno de observação é que não há insuficiência de capital disponível, mas há pouco recurso financeiro que se converte em capital produtivo. Países, como o Peru, tem hipotecado ou vender seus recursos naturais e fontes de insumos, uma vez que necessitam desesperadamente de capital para financiar o desenvolvimento do seu país, reforçando a afirmação feita acima. Em um mundo onde o capital é valorizado e comanda processos decisórios, a vasta disponibilidade de reservas financeiras existente na China (mais de 3 trilhões de dólares em reservas de moeda estrangeira a dados de 2012) associado a sua disciplina econômica e política lhe propiciam a capacidade de fazer o que outros países não reúnem condições e, sobretudo, atuar em situações onde outros países no curto prazo e, principalmente, diante dos efeitos de uma crise financeira que foi disseminada nos países do ocidente, não são capazes de atuar momentaneamente. Os sinófilos já concluíram: o governo chinês é onipresente e onipotente. Fica a dúvida para um futuro próximo.

O fato de que haverá mais pessoas no planeta não é o único fator descrito no livro como causador de danos no equilíbrio entre a oferta e a demanda no complexo de commodities. A população global está ficando mais rica, e mais crescimento econômico significa mais demanda: população mais rica exigirá melhores gêneros alimentícios, bens e serviços, os quais requerem mais recursos. No caso da China, 300 milhões de chineses saíram da pobreza em menos de 50 anos; a Índia também obteve conquistas na melhoria do padrão de vida dos seus cidadãos. Esses incrementos maciços de riqueza e poder econômico acarretam, em suma, aumentos na demanda.

Moyo faz questão de detalhar, nos capítulos seguintes da obra, o que a China está fazendo para se antecipar na corrida por recursos. É fato que explorar riquezas exige disponibilidade de capital e, nesse aspecto, os indicadores financeiros da China nos permite constatar uma grande vantagem. Porém, o que a China faz com este capital disponível é muito mais determinante. O país usa três estratégias para entrar nos mercados internacionais de commodities, a saber: (i) através de transferências financeiras; (ii) através do comércio e; (iii) por meio de investimentos. Em relação às transferências financeiras, a China empresta a países ricos (emprestou aos Estados Unidos, por exemplo, por meio da compra de títulos) e a países pobres (ajudando países africanos e sul-americanos). Dessa forma, a China obtém “favores” em troca, podendo realizar, mais facilmente, negócios pelo mundo. No que concerne ao comércio, os bens manufaturados chineses são vendidos a preços menores que o praticado no mercado internacional e internamente às economias nacionais o que permite além da entrada, um maior acesso e o efeito positivo da concorrência nos preços internos. Moyo então questiona qual o ganho da China e argumenta: ser um dos principais e maiores exportadores do mundo, além de gerar entrada de divisas para o país, ajuda a melhorar o padrão de vida de milhões de chineses, pois fornece emprego a seus trabalhadores, qualificados e não qualificados. Ainda no âmbito do comércio, a China tem atuado (intensivamente) como emprestador para mercados externos que consomem os produtos chineses. Ou seja, ela financia, indiretamente, a compra dos seus próprios produtos, afirma Moyo. Decorrente de tal ação, questiona-se no cenário internacional se tal atitude é justa ou se constituí em forma de controle do mercado. Entretanto, justa ou não, é uma atitude que faz parte de uma estratégia comercial que tem funcionado. Essas relações comerciais entre a China e os diversos países parceiros e compradores de produtos chineses terminam por facilitar a entrada e a permanência da China no complexo de commodities. Para a autora, só a assistência da China (suas transações financeiras) e sua estratégia comercial a tornam uma poderosa presença internacional.

Os fluxos de investimentos externos da China fazem total sentido no atual cenário econômico global; já que há sobra de capital e que sua própria oferta de recursos não supre sua demanda, investir em outras nações que remuneram o capital e ainda criam laços de interdependência é simultaneamente uma decisão estratégica política e econômica influenciando diretamente seu abastecimento de commodities. A China tem oferecido grandes quantias monetárias por terra, água, fontes energéticas e minerais, ato que desbanca a concorrência e garante a manutenção da oferta desses recursos.

Nos capítulos seguintes do livro, Moyo mostra ao leitor que algumas “jogadas” chinesas desafiam a razão. Em setembro de 2010, a China fechou negócio com a Federação Russa, emprestando 6 bilhões de dólares aos Russos em troca de um suprimento constante de carvão por 25 anos. A autora levanta uma questão: por que a China, que possui uma vasta e, aparentemente barata, reserva de carvão em seu próprio território, gasta tanto para importar o mesmo produto de outra nação? A resposta segue a lógica política oriental, principalmente os códigos chineses de decisão de política econômica (e externa) e sua estratégia de desenvolvimento. Deriva dessa estratégia a questão da manutenção da estabilidade política do PCCh e as relações entre as nações criando uma grande teia de interdependência. O interessante é que Dambisa Moyo não consegue vislumbrar essa relação estratégica global. Pode-se constar isso no momento na obra em que ela questiona qual o grande plano por trás disso tudo?

Como não se pode (nem deve-se) afirmar ao certo por quanto tempo a China continuará no patamar em que se encontra nos dias de hoje, cabe analisar sua história, cultura e seu projeto econômico de longo prazo. Contudo, pode-se constatar que no curto prazo não será por falta de capital e recursos que seu ímpeto diminuirá. Fato é que enquanto a China toma providências para se posicionar e prosperar nos anos que estão porvir, a comunidade internacional sequer prioriza, ainda, e muito menos implementa, a busca por fatores atenuantes capazes de oferecer uma saída, uma alternativa, um adiamento de um “cenário apocalíptico de guerras por commodities (Moyo, 2013: 215). A obra de Moyo não tem o intuito de disseminar um alerta de um caos inevitável , pois embora o desequilíbrio entre demanda e oferta de recursos apresente uma trajetória dispare, a autora apresenta algumas ações que poderiam minorar os efeitos negativos tais como a evolução tecnológica, a maior conscientização a respeito da prioridade da discussão ambiental, um modelo de consumo mais consciente, entre outras. Claro que por traz dessas possibilidades existe uma nova forma de constituição social e uma redução da primazia dos interesses individuais em prol dos interesses gerais da humanidade, de cunho mais harmonioso. O Vencedor Leva Tudo não é uma leitura pesada, ainda que estampe um problema de escala mundial. Fazendo uso de linguagem acessível e a apresentação de dados, o livro aborda um assunto transversal às mais diversas áreas do conhecimento, passando pela economia, geografia política, relações internacionais entre outras. Há bom desenvolvimento dos argumentos e os mesmos estão sustentados em dados e informações de fontes qualificadas e pode ser uma boa base para pesquisadores, estudantes e profissionais das áreas de interesse compreender como a China atingiu tal posto na economia internacional e como sua ascensão pode influenciar a economia e a política mundial nos períodos vindouros.


Resenhistas

Alexandre César Cunha Leite – Professor Adjunto do Curso de Relações Internacionais da UEPB Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. E-mail: alexccleite@gmail.com

Aline da Fonseca Cavalcanti – Graduanda em Relações Internacionais pela UEPB. E-mail: alinedfcavalcanti@gmail.com


Referências desta Resenha

MOYO, Dambisa F. O vencedor leva tudo: a corrida chinesa por recursos e seu significado para o mundo. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. Resenha de: LEITE, Alexandre César Cunha; CAVALCANTI, Aline da Fonseca.  Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD. Dourados, v.3, n.5, p.161-166, jan./jun. 2014. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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