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O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira | José de Souza Martins

O autor José de Souza Martins é escritor e sociólogo brasileiro. Professor aposentado do Departamento de Sociologia e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Em sua obra intitulada “Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano” revela a relação existente entre teoria e realidade conflituosa nas fronteiras da Amazônia brasileira, apresentando-a como um lugar privilegiado da observação sociológica e do conhecimento sobre os conflitos e dificuldades próprios da constituição do humano no encontro de sociedades que vivem no seu limite e no limiar da História. Utiliza-se do método materialismo histórico dialético.

No quarto capítulo de sua obra – O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira – revela as noções de frente pioneira e frente de expansão, cuja aproximação e confronto, encontros e desencontros dos diferentes grupos sociais revelam mais do que os conflitos aparentes, juntam e separam pedaços de vida entre a esperança e o destino trágico, que ocorreu em diversos momentos da história regional: escravização do índio, na exploração extrativista da busca pelas drogas do sertão, na coleta do látex, da castanha, etc.

A fronteira brasileira para Martins se define, principalmente, pelos conflitos sociais, sendo essencialmente o lugar de alteridade. É assim, que posseiros, garimpeiros, indígenas, missionários e colonos, se tornam protagonistas nessa ação. Os modos de ver a fronteira se diferenciam e se dividem em duas frentes. A frente pioneira se define economicamente pela presença do capital na produção, que induz a modernização, e a frente de expansão, como uma concepção que percebe a ocupação do espaço sem a mediação do capital, tomando como referência o indígena. Posteriormente essa diferença se atenua, e acaba se tornando uma só, a medida que a frente de expansão passa a ser entendida, predominantemente, como uma frente econômica.

O autor recorre às concepções utilizadas por Roberto Cardoso de Oliveira no uso das frentes de expansão, que se define pela situação de contato. Considera as contradições das lutas de classes nas relações inter étnicas, referindo-se as relações de índios e brancos, indicando a realidade dos protagonistas da fronteira. As verdadeiras estruturas sociais de referência das populações camponesas não são estabelecidas no visível, mas sim nos laços formados das práticas culturais vivenciadas, uma espécie de estrutura social migrante ou ocupação temporária, ainda que duradoura, de pontos do espaço percorrido.

O conjunto de informações históricas que hoje se tem sobre as frentes de expansão e a frente pioneira sugere que a primeira foi a forma de ocupação característica de ocupação do território durante um longo período. Começou a declinar com a chamada marcha para o Oeste, em 1943 e a intervenção direta do Estado para acelerar o deslocamento dos típicos agentes de frente pioneira sobre novos territórios. Importa destacar como grandes episódios para esse impulso, nos anos 1940, a Expedição Roncador Xingu e a Fundação Brasil Central; nos anos 1950, construção da rodovia Belém Brasília; pós anos 1960, políticas de incentivos fiscais da Ditadura Militar que promoveram a aliança entre os grandes proprietários de terra e o grande capital.

Para Martins, o Brasil é um país em que os meios de transporte e de comunicação alcançaram um padrão bastante distinto do existente na década de 1970, imprescindível para o desenvolvimento do grande capital. Mas nem tudo é aceleração. Há resíduos que permanecem de outros tempos. É o que se percebe muito claramente quando se anda pelo interior da Amazônia ou do Nordeste. Sobretudo nesse último caso, é notória a permanência do rural na constituição de aglomerados urbanos. É facilmente identificável a presença de um tempo lento que subjaz a essas realidades concretas, diferente do que se estabelece no Centro-Sul, cujos aglomerados urbanos passam, cada vez mais rapidamente, por um processo de aceleração temporal, marcado pela modernização.

O autor conclui que, as disputas pela concepção de destino na situação de fronteira se mesclam e se interpenetram pondo em contato conflitivo populações cujo antagonismos incluem o desencontro dos tempos históricos em que vivem, vestígios das práticas violentas nas relações de trabalhos, como a escravidão por dívida, próprias da história de frente de expansão. A fronteira, por outro lado, põe-se não mais com características tão bem definidas, mas sim como a coexistência de temporalidades diferenciadas, historicamente desiguais, convivendo em uma dimensão dos aspectos essenciais da multiplicidade da fronteira. A sobreposição da frente pioneira e da frente de expansão produz uma situação de contemporaneidade dessa relação de tempos distintos.

A fronteira se define como um lugar privilegiado, em que os conflitos étnicos e sociais apresentam-se a partir de suas lutas conjugadas a um sistema capitalista, sendo assim, um lugar de encontro das contradições historicamente impostas pelas diversidades, convivendo em um mesmo tempo cronológico, em uma constante destruição e resistência das singularidades nem sempre evidentes, no entanto, sempre presente nas diferentes fronteiras (demográficas, de civilização, cultural, econômica), ou seja, nos limites das relações, nos confins do humano.


Resenhista

Brena Regina Lopes Machado – Discente do curso de Licenciatura em Geografia, da Universidade do Estado do Pará (UEPA).


Referências desta Resenha

MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. In: Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. MARTINS, José de Souza. São Paulo: Editora Hucitec, 1997. Cap. IV. P. 145-203. Resenha de: MACHADO, Brena Regina Lopes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v. 06, n. 01, p. 84-86, jan./ jun. 2019. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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