As relações internacionais contemporâneas parecem estar diante de uma profunda crise de liderança. O receio do sistema financeiro global sobre a maior economia do mundo não conseguir honrar as dívidas parecia inimaginável, até que um embate político no Congresso norte-americano, quanto ao aumento do teto da dívida, quase o concretizou. No velho continente, soou o alarme financeiro indicando a urgência de lidar com as dívidas soberanas insuportáveis de diversos países da zona do euro, tratadas consecutivamente com medidas paliativas pelas comissões europeias. A recente reunião da COP-15, na África do Sul, reforçou mais uma vez o compromisso dos países em, no futuro, lidar seriamente com as questões do aquecimento global e do crescimento sustentável. Enquanto isso, a opinião pública mundial assiste incrédula a paralisia do Conselho de Segurança da ONU ante aos frequentes massacres dos opositores do governo de Bashar-al-Assad na Síria. Em contraponto, no mundo da ficção, o cinema britânico trouxe à tona a história de Margaret Thatcher e relembra uma das maiores lideranças do século XX, em A Dama de Ferro.
A política mundial tem sido marcada com frequência por impasses políticos e pela imobilidade. A ausência de forças capazes de mobilizar recursos e gerar resultados, assim como a indisposição em assumir os custos políticos de escolhas impopulares, têm construído um cenário de crescente desilusão em relação aos governos e políticos. Em momentos de crise como os atuais, a descrença nas instituições e nas lideranças converte-se em um obstáculo adicional à construção de meios e objetivos relativamente consensuais, necessários para a superação dos desafios políticos. Simultaneamente, são momentos como esses que constituem uma oportunidade para liderar. Sob o pano de fundo de uma sensação generalizada de urgência (dos problemas) e de inação (dos estadistas), foi lançada a edição brasileira do livro “O Talento para Liderar”, de Joseph Nye Jr, ressaltando a importância de um nível de análise muitas vezes subestimado.
A constatação inicial do autor nos dois primeiros capítulos é o reconhecimento do vínculo fundamental entre liderança e poder. A partir disso, Nye aproveita os anos de investigação sobre tipos, formas e expressões de poder – fazendo uso de terminologias cunhadas por ele próprio – para desenvolver suas reflexões acerca da liderança. A tradução do título em português pode desorientar o leitor desavisado, ao não contemplar a correlação principal feita pelo autor no título original (The Power to Lead). O autor argumenta que não há liderança sem legitimidade e poder. Portanto, as noções de Hard Power e Soft Power são úteis ao esclarecer os instrumentos possíveis a serem utilizados nos diferentes contextos no exercício da liderança. Entre as duas formas de poder, não há uma melhor que a outra. Apenas diferem na maneira em que se adequam às circunstâncias. Dessa forma, são complementares, e a ausência de um enfraquece a potência do outro. A expressão ideal de poder é, segundo o autor, o Smart Power, como o equilíbrio dos instrumentos coercitivos e persuasivos. A liderança esclarecida deve se pautar pela inteligência contextual para compreender o ambiente a sua volta, explorar as tendências e ajustar seu estilo ao contexto e às necessidades dos seguidores.
A liderança não é uma condição, mas um processo. Representa uma relação continuada que se constitui por três fatores: o líder, os seguidores e o contexto. Somente pela análise da interação simultânea das três variáveis é possível compreendê-la. Quando separados, perdem significado. No terceiro capítulo, Joseph Nye discorre sobre os tipos e as habilidades dos líderes. Em relação aos tipos, o autor traça as diferenças entre os lideres que apelam aos interesses coletivos, aos ideais e aos valores morais para mobilizar os seguidores, dependendo fortemente do poder brando (lideranças transformacionais), dos líderes que buscam criar incentivos e custos aos seguidores. Estesse valem de recompensas e punições para atingir interesses próprios (lideranças transacionais). Ainda há as lideranças carismáticas, sem que o carisma seja algo que os líderes possuem por si, mas que lhes é outorgado pelos seguidores em um dado contexto.
Entre as habilidades dotadas pelos líderes, Nye lista a inteligência emocional e o poder duro. A primeira enfatiza: (a) capacidade de autocontrole, disciplina e empatia; (b) oratória, que lhe permita se comunicar com públicos amplos ou com círculos pequenos de apoiadores; (c) visão, como a habilidade de articular uma imagem que dê significado a uma ideia e inspire os outros. A segunda ressalta o uso do poder maquiavélico (ameaça ou coerção) e o controle organizacional (gerenciar estruturas, fluxos de informação e sistemas de recompensa).
Não se pode, no entanto, avaliar ou julgar uma liderança apenas pelas ações individuais dos líderes. É preciso inseri-las no contexto das circunstâncias em que foram tomadas e sob o olhar dos seguidores. Nos capítulos quatro e cinco, o autor trata da inteligência contextual e das boas e más lideranças. O público exerce um papel essencial no processo da liderança. Distancia-se da imagem por vezes traçada de massa manipulável por diferentes forças de influência que sob ela incidem. Uma relação de poder sempre comporta a força e capacidade de resistência. De acordo com o poder dos seguidores, podem impedir, reverter ou até determinar os rumos e decisões dos líderes.
Por essa razão, uma leitura equivocada da realidade pode arruinar uma liderança. A inteligência contextual, segundo Nye, consiste em compreender a cultura da sociedade em que está inserido; a distribuição dos recursos de poder; as necessidades dos seguidores; a urgência temporal; e os fluxos de informação. Caso consiga alcançar uma apreciação correta das circunstâncias, o cálculo decisório do líder o conduzirá à escolha mais adequada.
As lições do autor permitem repensar o papel das lideranças política nos problemas da atualidade. A postura conciliadora de Barack Obama nas negociações sobre o aumento do teto da dívida americana – possivelmente decorrente de um foco excessivo no poder brando – seria adequada ao contexto do empasse político e ao posicionamento dos republicanos? Quais são os impactos da cautela excessiva da chanceler alemã Angela Merkel e da impopularidade doméstica do presidente francês Nicolàs Sarkozy sobre as negociações da crise das dívidas soberanas na União Europeia? Quais os efeitos da morte de Steve Jobs sobre as expectativas do mercado quanto a Apple? Casos como esses ressaltam a importância das lideranças modernas na política e no mercado. Tais questões poderiam se beneficiar largamente das reflexões propostas no livro.
A obra de Joseph Nye tem amplo apelo a empresários, políticos, empreendedores e acadêmicos interessados em compreender as habilidades, características e influência das lideranças nas diversas dimensões sociais. Ainda que compreender o papel dos líderes no mundo contemporâneo não seja de forma alguma suficiente para entender uma variedade de fenômenos, ignorá-lo seria igualmente um equívoco.
Resenhista
Reinaldo Alencar Domingues – Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: reinaldoalencar@gmail.com
Referências desta Resenha
NYE JUNIOR, Joseph. O Talento para Liderar. Trad. Rodrigo Alva. São Paulo: Best Seller, 2011. Resenha de: DOMINGUES, Reinaldo Alencar. Meridiano 47, v.13, n.132, p.60-61, jul./ago. 2012. Acessar publicação original [DR]
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