O Século XX em Goiás: O advento da modernização | Cristiano A. Arrais, Eliéser Oliveira, Tadeu A. Arrais

A história explica o passado, ajuda a entender quem somos hoje e, para os leitores mais atentos, pode dar pistas importantes sobre caminhos a seguir. O livro O Século XX em Goiás: O advento da modernização apresenta, de forma sóbria e objetiva, o processo histórico de formação do estado goiano e sua modernização recente. Fatos cruciais nessa trajetória são apresentados com base em documentos, mapas e imagens escrutinados pelos autores Cristiano Arrais, Eliéser Oliveira e Tadeu Arrais. A modernização de Goiás é contextualizada a partir do estudo da infraestrutura construída, das transformações em setores dinamizadores da economia e das mudanças sociais e populacionais ocorridas no último século.

O primeiro capítulo, Circulação, detalha o desenvolvimento do sistema de transporte em Goiás e sua influência na configuração atual do espaço. O capítulo seguinte, Economia, retrata o desenvolvimento econômico do estado, ressaltando o desenvolvimento da agropecuária moderna e o recente progresso industrial. O capítulo Sociedade descreve o desenvolvimento dos sistemas de saúde e educação e o capítulo Urbanização analisa a expansão urbana recente. Essa evolução histórica resultou em avanços importantes para a modernização inicial do estado.

Especificamente o capítulo intitulado Política, entretanto, revela que, neste aspecto, o estado parece permanecer em tempos passados, muitas vezes refém de um sistema político de origem coronelista com claros limites para a renovação. Neste capítulo, fatos fundamentais para a configuração do estado atual são reportados, incluindo a perda parcial de poder político da família Caiado, o apoio do Governo do Estado de Goiás ao Golpe de 1964, os avanços no período de transição democrática com a campanha das Diretas Já e a divisão do Estado, com a consequente criação do Estado do Tocantins. Entre avanços e continuidades, a política goiana revela a ambiguidade da modernização do estado.

Mesmo sendo os historiadores formados para se concentrar sua atenção no passado, os leitores poderão se valer desse conhecimento para entender o presente. Nesse sentido, é possível que a disposição para o trabalho manual incansável que caracteriza o povo goiano tenha relação com a “migração motivada pelo trabalho” retratada no primeiro e no segundo capítulos do livro. Por outro lado, como explicar um povo tão apático politicamente e com tanta descrença em qualquer possibilidade de melhoria do cenário político atual? O capítulo sobre política dá indicações claras para a compreensão desse fenômeno: a acomodação política das classes menos favorecidas possivelmente guarda traços do passado coronelista que sustentou a formação das oligarquias tradicionais que concentram o poder no estado. Por fim, como lidar com o estereótipo de caipira, provinciano, conservador e de baixa sofisticação cultural manifestada em aspectos tão marcantes como a culinária, a comunicação oral e escrita e o gosto musical do goiano? O livro também oferece pistas importantes ao revelar a origem pobre e rural de um estado historicamente marginal na economia do país que, apenas recentemente, começou apresentar traços de maior crescimento econômico, urbanização e modernização.

Mas definitivamente, particularmente para o leitor jovem, a maior contribuição do livro está na análise final feita sobre o processo de modernização incompleta e seletiva do estado. Este aspecto é fundamental pois, segundo os autores, os tempos novos (o Goiás moderno) estão sendo construídos a partir das mesmas premissas dos tempos velhos (o Goiás oligárquico). Ao se transformar apenas superficialmente, sem modernizar a cultura política, Goiás corre o risco de não se modernizar jamais de fato. O livro mostra, por exemplo, o avanço dos números da educação formal, que não foram acompanhados da melhoria equivalente em qualidade para a maior parte da população. A implicação da modernização seletiva é a dinamização econômica, muitas vezes promovida por investidores externos, com benefícios para as elites locais consolidadas, mas sem poder de inclusão da maior parte da sociedade, que não se beneficia senão de forma marginal. O estabelecimento de relações simbióticas entre investidores externos que aportam capital e as elites tradicionais goianas que facilitam sua entrada em troca de benefícios pessoais pode condenar as novas gerações goianas à marginalização social e econômica em médio e longo prazos.

Ao abrir a discussão sobe a modernização seletiva, os autores deixam os leitores à espera de um próximo passo que trate das transformações mais recentes, ocorridas após 1988, e aprofunde a análise sobre aspectos onde houve modernização e aqueles onde os tempos novos são apenas uma camada fina construída sobre sistemas oligárquicos tradicionais. É importante conhecer melhor os setores da sociedade que se modernizaram, seus potenciais e seus desafios. Quais setores da economia adotaram relações mais produtivas, inclusivas e sustentáveis e, portanto, devem ser promovidos? Em quais setores dos poderes executivo, legislativo ou judiciário houve transformações em favor de sistemas modernos de administração pública de caráter impessoal, imparcial e moral que merecem votos de confiança? Seguramente os segundo e terceiro volumes da trilogia iniciada com este primeiro livro possibilitarão inferências importantes sobre o futuro de Goiás.


Resenhista

Gabriel Medina – Doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Freiburg (Alemanha) (2008), revalidado como Doutor em Ciências Agrárias. Pós-doutor em Política Ambiental pelo Imperial College London (2014). Pesquisador visitante da Iowa State University, EUA (2017). É coordenador do Programa de Pós-graduação em Agronegócio da Escola de Agronomia da UFG. E-mail: gabriel.silva.medina@gmail.com


Referências desta Resenha

ARRAIS, C. A.; OLIVEIRA, E.; ARRAIS, T. A. O Século XX em Goiás: O advento da modernização. Goiânia: Cânone, 2016. Trilogia Goiana, vol. 1. Resenha de: MEDINA, Gabriel. História Revista. Goiânia, v.22, n.3, p.219-221, set/dez. 2017. Acessar publicação original [DR]

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