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O retorno a Aby Warburg no discurso historiográfico artístico contemporâneo | MODOS. Revista de História da Arte | 2020

Com as palavras “Um, dois, três, mas, a propósito, caro Timeu, onde está o quarto (…)?” (17a) começa o Timeu de Platão, recordava há pouco um músico pitagórico dessas terras. O eco dessas vozes não nos chega por acaso, pois trata-se, aqui também, de sintetizar uma experiência protagonizada por quatro atores, sob a queixa da evanescência, precisamente, do quarto. Igualmente, em chave geométrica ou musical: Aby Warburg, a Kulturwissenschaftliche Bibliothek Warburg – KBW, o Warburg Institute e o warburguiano em todos os lugares, como quatro estratos de um todo, podem ser representados, espacialmente, como um ponto e três círculos concêntricos cada vez mais amplos, ou, musicalmente, como um gongo, cuja vibração empurra o ar em um processo ondulatório de expansão. Pareceria, em princípio, que as obsessões emanadas do ponto, assimilável à hénada1 plotiniana, assentado apenas em um ser humano, o pequeno Aby Warburg, grande estudioso das culturas da Antiguidade e do Renascimento, fluíram, por superabundância, primeiro à biblioteca alemã, depois à inglesa2, e finalmente, à transdisciplinar república universal das letras.

Essa irrupção inovadora, a febril busca de Warburg – um profundo acontecimento –, operou como uma límpida gota ao cair sobre uma superfície serena, fazendo com que ondas que avançam para o exterior emerjam ou submerjam até onde alcançarem, submetidas à sua potente matriz expansiva. Assim como no tradicional esquema metafísico, o Um complica a totalidade do que se encontra fora de si, todas as produções da traditio warburgiana se encontram em germe na tensa conceptualização de Warburg, na qual uma dialética profunda reverbera nas três direções espaciais (acima-abaixo, direita-esquerda, frente-atrás) e na temporal (antes-depois). Seguindo com a imagem da emanação neoplatônica tão cara a Warburg, cabe lembrar que o Um, o Hén, permanece sempre idêntico a si mesmo, sempre inacessível, inatingível, incognoscível, impensável etc., ainda que suas manifestações ulteriores, Noûs, Psyché e Sôma, o expressem mediante contrações. Ao mesmo tempo, tais manifestações do Um – o Intelecto, a Alma e o Corpo –, que se afastam da unidade inicial graças à mescla de luzes e sombras em suas configurações, aspiram sempre ao redditus, um processo de retorno mediante o qual alcançam a plena compreensão de si. As duas instâncias intermediárias de Warburg e do warburguiano em todos os lugares – disperso mesmo em longínquos círculos intelectuais de regiões em voluntário e justificado processo de deseuropeização –, operam analogamente ao Intelecto e à Alma no esquema neoplatônico.

Para começar, ambos definiram sua identidade sob a contemplação do estrato superior: a KBW, alcançada com seu numen Warburg, fez peregrinar suas mais nobres luzes até Kreutzlingen3 em busca da palavra do mestre; o Instituto Warburg vive, ainda hoje, escorçado até Hamburgo, ao se constatar, ao cair da tarde de verão, nos apontamentos, nos livros escolhidos etc. sobre as mesas do persistente estúdio da Woburn Square, um olho posto na questão atual e outro nas intuições primordiais da marginal e mítica comunidade do Kulturwissenschaftler hamburguês. Do mesmo modo, não sem tensões, viveu-se a descida do Um ao Múltiplo ao longo da história do warburguianismo, pois enquanto os antigos segredos da KBW se abriam a uma comunidade mais ampla no German-friendly Warburg Institute de Londres várias vozes se elevaram, algumas estridentes, como a de Edgar Wind, para assinalar que ali já não falava o “verdadeiro Warburg” (Thomas, 2015: 124). Tal atitude se replicou entre os círculos terceiro e quarto, pois com outras nuances e ecos observou-se, mais de uma vez, como a comunidade de scholars de Bloomsbury forjou outra vez uma nova definição do autenticamente warburguiano que, a priori, deixava fora as formas bastardas do American Warburg, sempre lembrando na intimidade que a britanização da biblioteca, instância na qual ela alcançou a plenitude, esteve certa vez seriamente ameaçada, quando proeminentes membros da família Warburg ofereceram para transferi-la para os Estados Unidos.

O presente dossiê acolhe experiências de estudo que ascendem e descendem os degraus plotinianos que separam o ponto e os três círculos assinalados, nos quais se adverte ainda um fervilhamento da unidade original na alteridade, como assinalou Nicolau de Cusa no De coniecturis (1441). Trata-se, justamente, da presença da unidade na multiplicidade, que sustenta no ser aquilo que, embora distante da origem e emanando dela, não consegue compreender-se nem se sustentar no ser sem aquela instância fundante. São trabalhos ricos e complexos emanando de comunidades de estudo já pluritradicionais, nas quais a obra de Warburg e dos warburguianos opera, em geral, como um nutriente que, embora possa dominar o crescimento e o desenvolvimento de uma investigação, não se encontra suficientemente próxima como para constituir-se em padrão absoluto.

Assim como entre os intérpretes do neoplatonismo estão aqueles que vivem com nostalgia a saída da Unidade e enfatizam a degradação própria da queda, há também os que celebram a plenitude da multiplicidade. Analogamente, observa-se na traditio warburgiana uma dupla pulsão: por um lado o zelo que tende à reclusão e, por outro, a abertura que se nutre do diálogo com o diferente. Assim, enquanto alguns discutem o valor desta recente proliferação warburguiana, aqui entendida como constituinte do retorno a Warburg, que alcança cada vez mais formas e vínculos impensados – e mesmo diante do olhar de alguns juízes severos que censuram o exótico ameaçador, o autêntico warburguiano –, o saber que compreende pólemos como força inextinguível que pode fazer conosco o que quer, antes de que consigamos compreendê-lo. Mesmo a paralisante pandemia, que a escrita dos artigos e a preparação do Dossiê testemunharam desde os primeiros meses de 2020, suscitou aqui e ali novas associações, e as estudiosas e estudiosos persistiram na pesquisa até entregar, belamente cinzeladas, novas cidadelas ao pensamento.

Para além da questão da pureza ou impureza do warburguiano em todos os lugares emerge a questão verdadeiramente relevante. E é precisamente a capacidade humana de compreender a história que o nutre e seu lugar diante dela, e de ser livre frente à inércia de suas forças – algo que Warburg alcançou em menor medida do que havia desejado. Diante desse desafio, enaltecer o warburguiano em sua trascendentalidade mediante o contato com a alteridade, volta a tarefa do historiador da arte a abeberar-se no mandato socrático, sendo o gnosce te ipsum [conhece-te a ti mesmo] um desejo igualmente orientador para quaisquer das quatro unidades. Aberta, de todo modo, às nuances, a comunidade warburguiana seguirá, vária. Alguns, rejeitando os esforços de muitos estudiosos do presente a partir da realização da distância entre as preocupações iniciais de Warburg, assumindo, em chave platônica, um abismo entre a essência e a cópia, embora nem sempre dispostos a descer com convicção à caverna para resgatar os prisioneiros. Outros, reivindicando o ruído que chega com o estrangeiro, atitude especialmente baseada naqueles que celebram os novos mandatos intelectuais que tendem a desconstruir, problematizando o próprio enquadramento da chave neoplatônica. Cada um, a seu modo, acredita nas dobras, fraturas, atravessamentos protagonizados pela “ampliação metodológica das fronteiras temáticas e geográficas” (Warburg, 2013: 475) preconizadas pelo próprio Warburg e sua denúncia, em 1912, contra a compartimentação do conhecimento em história da arte, sem jamais perder o vínculo da singularidade formal, mas também antropológica, da imagem em sua inserção histórica. Ambos os lados não ignoram a complexidade temporal de sua obra e não traem a atenção ao detalhe e o rigor teórico, filológico e crítico ensinado pelo mestre, sem ceder à fácil tentação do uso superficial do léxico ou da redução subserviente de um método a ser aplicado.

Tensão, idealização, recriação, renovação, transformação, conceitos todos que exalam movimento, revelam aspectos do Renascimento bem assinalados por Warburg em seu próprio retorno ao antigo.

Com essa consciência e seguindo o esquema neoplatônico proposto para a série Warburg, a primeira Biblioteca, o Instituto de Londres e a atual presença atomizada e universal, ou rizomática, de Warburg como farol na investigação da história da arte e da cultura, acreditamos que o verdadeiro legado de uma obra não pode ser senão o vivo, de modo que as instâncias mais afastadas do centro geométrico encontram-se intensamente ativas e efetivas, policêntricas, dialeticamente enriquecidas por esse inominável que Warburg entreviu, indicou, abriu para o futuro.

É claro que esse esquema, que recorda a unidade e a diversidade, não resolve o problema de saber o que é o warburguiano ou o signo de sua presença. E não se trata da apropriação de uma marca, nem da garantia de qualidade de certo approach ou da rapina por um nome que, em si, nada necessita para seu sustento daqueles que a abrem como trampolim ao intelecto. Trata-se, ao contrário, de compreender porque uma trama de ideias e sobretudo de problemas constituiu-se em árbitro legítimo mediante o qual um período, o Renascimento, de grande complexidade e obscuridade, seja iluminado e expresso, conseguindo, tal como na boa terapia psicanalítica, que o que não pode dizer-se seja dito.

Neste dossiê sobejam as manifestações do warburguianismo próprias do terceiro círculo, o mais distante, aberto e multifacetado em relação à origem, que permanece em processo de franca expansão, no qual a criatividade e o diálogo com outras discursividades permite que as intuições e métodos de Warburg iluminem objetos que teriam sido exóticos para ele. Outros trabalhos retomam interesses perenes, que podemos situar, seguindo a metáfora plotiniana, no segundo círculo, donde a história das imagens e as representações na cultura europeia adquiriram forma sistemática, científica, como atesta a fototeca do Instituto Warburg, esse oráculo maravilhoso que, como um buraco negro, sorve com sua descomunal gravidade todo aquele que se atreva a desdobrar e percorrer as fotografias reunidas em uma de suas pastas temáticas. Além deles, outros mergulham nas obsessões mais típicas do primeiro círculo, como a paixão por Édouard Manet ou a convicção sobre a profunda esquizofrenia vigente na esfera celeste, na qual mito e logos disputam sua cíclica batalha. Assim, desde qualquer extremo da rosa dos ventos, o Dossiê permite que se caminhe por sendas muito diversas, mas complementares, em que a paisagem lança momentos consagrados alternativamente a Dioniso e a Apolo, seja a iconografia política, o ritual da serpente, a ninfa ou o Bilderatlas Mnemosyne...

Em “Reinventar a primavera, ou as filiações da revolta”, Georges Didi-Huberman lança mão do pensamento estético e político e da sensibilidade diante da imagem, com lúcido senso de historicidade. Sob uma estrutura filosófica refinada, constrói uma ligação de fundo filológico que oferece ao leitor estratos profundos para mergulhar na genealogia da revolta, evocando as insurreições camponesa de Thomas Müntzer e científica de Giordano Bruno, contrastadas à posição de Martinho Lutero. Assim, coloca em diálogo conceitos de Ernst Bloch e Warburg, envolvendo os conceitos de retorno e repetição a partir da noção do recomeçar. Outros diálogos surgem com retornos a warburguianos de estirpe, perscrutando genealogias que envolvem continuidades, deslocamentos e rupturas ao longo de décadas. De um lado, Philippe Despoix e Jillian Tomm retomam, em “Transmisión y diálogo como Nachleben. Raymond Klibansky: un filósofo en el círculo de la Biblioteca Warburg”, a recepção da Melancolia I de Albrecht Dürer na historiografia da arte do Warburg Institute. Com base em documentos inéditos, esta pesquisa é de extrema importância tanto para a compreensão do objeto em si quanto das bases teórico-metodológicas que fundamentaram as investigações de gerações de estudiosos relativas à identidade do Instituto, em sua inserção na Inglaterra dos anos 1930. Por outro, Juan Pablo Bubello realiza extensa revisão bibliográfica em “Actualizaciones historiográficas, redes de scholars. De la Historia de la Magia de Warburg/Yates a la del Esoterismo occidental de Faivre/Hanegraaff”. Ao retornar ao conceito de magia na obra e Warburg e evidenciar como se deu o processo de institucionalização, o artigo palmilha o desenvolvimento deste tema no Warburg Institute, destacando a repercussão da obra de Frances Yates e da chamada tese Yates. Já em “Warburg e Burckhardt”, Cássio da Silva Fernandes depreende o diálogo ou, mais precisamente, o retorno de Warburg a Jacob Burckhardt, colocando com profundidade a questão da comitência, colecionismo e trânsito de imagens que tanto interessava a ambos, contrastando diferenças e indicando aproximações, mapeando as preocupações de Warburg em sua própria pesquisa.

Dois diálogos ainda têm lugar acerca dos extremos dos estudos warburguianos. Silvina Vidal, em “Recepciones de la tradición clásica en las personificaciones de la historia: el caso de Johannes Sambucus”, apela para as personificações artísticas como meio expressivo de conceitos, experiências e emoções que Warburg destacou no Bilderatlas Mnemosyne, e dedica-se à inerente tensão do homem bifronte do Renascimento entre o antigo e o moderno nos estudos do humanista húngaro Sambucus. Em “Warburg, Agamben, Deleuze: a imagem e a filosofia da diferença”, Mateus Carvalho Nunes coloca Warburg em diálogo com os filósofos contemporâneos, a partir de um recorte conceitual, em uma reflexão teórica. Embora a aproximação entre esses autores seja conhecida, o artigo se volta para as condições de uma historiografia da arte contemporânea.

Grandes temas abordados por Warburg são aqui retomados, identificando na pseudo-geometria celeste constelações carregadas de pathos, ou colocando-se diante de desenhos, pinturas, esculturas, fotografias, folhetos, selos etc., desconstruindo vestígios arqueológicos, que permitem viajar das cortes italianas do Renascimento aos pueblos do Novo México. Luana Maribele Wedekin e Sandra Makowiecky, no artigo aqui publicado, dedicam-se ao Oratório de San Bernardino em Perugia, com extensa documentação imagética, e descortinam a incorporação do dionisíaco nos relevos de Agostino di Duccio enquanto mergulham de modo detalhado na Prancha 25. Relacionado à Prancha 8, Alejandro Gangui retorna à Antiguidade oriental em “De tauroctonías y estrellas: Mitra y la vida de una imagen”, que traz da astrologia imagens que estão na base de toda uma circulação de modelos em torno da tauromaquia, em especial a partir dos trânsitos culturais do mundo helenístico. Gangui evidencia suas diferentes inserções culturais e retorna à questão de seu eixo mimético referente à visão do céu, deslocamentos temporais, transposições e sobrevivências em uma cadeia iconográfica na longuíssima duração.

Em relação ao olhar de Warburg sobre o moderno concernente a Le Déjeuner sur l’herbe de Manet, de um lado Uwe Fleckner aprofunda a compreensão de sua investigação sobre a pintura em “Manet, Manebit! O “Manet e a Antiguidade italiana” de Aby Warburg como autorretrato psico-intelectual”, no qual palmilha a constituição desse ensaio, enquanto evidencia sua repercussão em termos teórico-metodológicos, implicando um trânsito de imagens e modelos até a dimensão autobiográfica e psicointelectual da obra de Warburg. De outro lado, Luís Edegar Costa interroga, em “Le déjeuner sur l’herbe e a ciência da cultura dedicada à história da arte, de Aby Warburg”, sobre o lugar do ensaio warburguiano entre a história da arte e a ciência da cultura por meio dos retornos de Warburg a Rembrandt van Rijn e Manet, lembrando-nos que a história da arte é constituída de inquietações e indagações fundamentais para pensarmos objetos e premissas teórico-metodológicas.

Outros dois grandes temas warburguianos são suscitados pelo Dossiê: o ritual da serpente e a ninfa. Sigrid Weigel evoca, em “The Epistemic Advantage of Self-Analysis for Cultural-Historical Insights: The variants of Warburg’s manuscripts on his Indian Journey”, sua própria obra sobre a conferência de Warburg em Kreuzlingen, em 1923, debruçando-se sobre as variações e interferências dos escritos preparatórios e transcrições e analisando como a circulação das diferentes versões e notas construíram toda uma fortuna sobre sua viagem ao Novo México. Este artigo responde a uma demanda urgente dos estudos warburguianos, em todas as esferas, por desembaraçar questões de sua fortuna e ao mesmo tempo levantar outras. No que tange à questão da ninfa e seu papel em Warburg, Daniela Queiroz Campos apresenta, em “A Ninfa como personagem teórica de Aby Warburg”, um diálogo com autores basilares dedicados ao tema, com significativos desdobramentos na atual recepção da obra de Warburg, enquanto investiga sua presença em diferentes obras relacionadas às noções de Nachleben e Pathosformel.

Para além, talvez, da metáfora neoplatônica, a partir de linhas de fuga (Deleuze; Gattari, 1995: 17) tiradas da irradiação do pensamento warburguiano, o Dossiê não escapa aos sets que fabricam, submetidos pela violência da história visual justamente descoberta por Warburg, a imagem cinematográfica, passando pela arte moderna e aquela a nós contemporânea. Philippe-Alain Michaud marca em “Mnemosyne, ou a cinematografia sem aparelho” a especificidade da associação, nas pranchas warburguianas, das imagens fotográficas em parataxe, contrastando-a a modelos associativos e expográficos em gravuras dos séculos XVII e XVIII. A partir de uma compreensão profunda da associação de imagens na montagem cinematográfica nos termos dos elementos constitutivos de sua linguagem, sobretudo do conceito de montagem-colisão de Sergei Eisenstein, Michaud estabelece uma homologia com a operatividade da organização iconográfica do Mnemosyne.

Diferentemente do Bilderatlas, um projeto parergonal também suscita a iconografia política em “Sobre o selo de Aby Warburg: fronteiras, trânsitos e retornos” no qual Vera Pugliese discute elementos do processo de formação da imagem do Idea vincit, enquanto problematiza o projeto do selo e seu fracasso, marcado pela ascensão do fascismo europeu no final dos anos 1920. O artigo articula três eixos: a fronteira, que suscita elementos operatórios do projeto; o trânsito de imagens e de modelos teóricos e poéticos no campo discursivo da historiografia da arte, e o conceito de retorno crítico em Warburg, na acepção didi-hubermaniana, concernente à colisão de imagem e tempo. A obra de DidiHuberman, que possui um papel ímpar no atual retorno a Warburg no plano internacional, é abordada por Stéphane Huchet em “Suite Française. Georges Didi-Huberman, uma experiência na História da Arte”. Huchet monta um trajeto fluente e complexo de suas obras, revelando seu percurso intelectual, entremeado por comentários sobre seu método, os quais avançam na revisão do pensamento de Didi-Huberman e de sua repercussão na historiografia da arte contemporânea. Como uma das “figuras tutelares” às quais Didi-Huberman retorna, Huchet indica o modelo-Warburg em sua obra e além dela.

Além dos trânsitos de modelos teóricos e poéticos, o Dossiê evoca imagem, magia, religião, história e filosofia, que se entrelaçam em uma dança frutífera, envolvendo, além da história da arte moderna, a contemporânea e o diálogo transdisciplinar com a antropologia. No primeiro caso, Maria Manuela Restivo relaciona coleções e exposições, em “Em louvor das impurezas na historiografia da arte: Ernesto de Sousa e o estudo da escultura portuguesa”, operacionalizando subsídios teóricos warburguianos na história da arte portuguesa, além de aproximá-los do conceito de “museu imaginário” de André Malraux. Finalmente, em “Aby Warburg y el ritual de las imágenes”, Hernán Ulm entretece de modo ímpar a riqueza de diferentes níveis de relação entre a noção warburguiana de Pathosformel e conceitos de Arnold Van Gennep e Victor Turner acerca das noções de rito de passagem, ritual e memória. Mais do que isso, aprofunda nexos que a antropologia coloca em evidência, entre a história da arte e a ciência da cultura.

Foi para nós uma alegria e uma grande ocasião de aprendizagem reunir, neste Dossiê, desde o cerrado e os pampas da América do Sul, a fortuna íntima dos autores e autoras desses artigos, a quem muito agradecemos pelos pensamentos frutuosos e a generosidade de compartilhar pesquisas. A inegável riqueza dos presentes textos para colaborar com a esfera dos estudos warburguianos e além, e sua vocação para subsidiar novas investigações é uma recompensa insubstituível.

Gostaríamos ainda de agradecer pelas colaborações do Professor Gustavo Lopes de Souza, Drª Jillian Tomm, Victor Zaiden e Mayã Gonçalves Fernandes, bem como ao fundamental acolhimento do Centre d´Histoire et de Théorie des Arts – CEHTA/EHESS, na pessoa do Professor Giovanni Careri. Agradecemos, finamente, ao Professor Emerson Dionisio Gomes de Oliveira, Maria de Fátima Morethy Couto e Marize Malta, editores da Revista Modos, cujo acolhimento e perseverança, sobretudo durante o período mais intenso da pandemia que nos tem assolado, foi fundamental para a realização do Dossiê.

Deixamos em aberto a síntese última à íntima substância do eu leitor, donde cristaliza por fim, espontaneamente florescida, a interpretação.

Notas

1 A hénada concerne ao complexo problema da emanação nos estudos plotinianos. Cf., por exemplo, Enéadas (II.4; V.9, 30-45).

2 Em referência à migração da KBW de Hamburgo para Londres, em 1933, para escapar das mãos nazistas. O Instituto Warburg foi associado à Universidade de Londres em 1944, situado na Woburn Square, Bloomsbury.

3 Cidade suíça onde se situa o Sanatório Bellevue, em que Warburg esteve internado devido à sua afecção mental entre 16 de abril de 1921 e 12 de agosto de 1924.

Referências

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. v.1.

THOMAS, Ben D. H. Edgar Wind. A Short Biography. In: Stan Rzeczy, 08 (1), p. 117-137, 2015.

WARBURG, Aby. A arte italiana e a astrologia internacional no Palazzo Schifanoia, em Ferrara [1912]. A renovação da Antiguidade pagã: contribuições científico-culturais para a história do Renascimento europeu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013, p. 453-513.


Organizadores

Vera Pugliese – A co-coordenação deste Dossiê integra as atividades relacionadas à pesquisa de pós-doutorado de Vera Pugliese, com bolsa da FAPDF na École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS em Paris, sob supervisão de Georges Didi-Huberman (2019-2020), ao Projeto de Pesquisa sobre vertentes da Historiografia da Arte no Brasil, com Fomento do CNPq (2017-) e ao Grupo de Pesquisa do CNPq “Montagem no discurso historiográfico artístico”. Também ligadas à pesquisa referente ao retorno a Warburg, foram realizadas as traduções dos presentes artigos de Georges Didi-Huberman e de Philippe-Alain Michaud, e a co-tradução do artigo de Uwe Fleckner. É professora adjunta e representante da Linha de Teoria e História da Arte do PPGAV do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de Brasília. E-mail: verapugliese@unb.br  ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8101-4751

Roberto Casazza – Com formação no Warburg Institute de Londres, docente de História da filosofia medieval (Universidad de Buenos Aires) e de História da filosofia medieval e do Renascimento (Universidad Nacional de Rosario) e pesquisador na Biblioteca Nacional, onde coordena o projeto “Incunables en acervos latinoamericanos no registrados en el Incunabula Short Title Catalogue (ISTC)”. É co-diretor do Grupo de Estudio del Cielo (FHyA, UNR) e foi organizador do Simposio Internacional Warburg 2019 (Buenos Aires, 8-12 de abril de 2019) e membro da equipe de curadoria de La teoría artística de Aby Warburg: ninfas, serpientes, constelacion, exibição, dirigida por José Emilio Burucúa e realizada no Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires (abril-setembro 2019)


Referências desta apresentação

PUGLIESE, Vera; CASAZZA, Roberto. Apresentação. MODOS. Revista de História da Arte. Campinas, v. 4, n.3, p. 70-77, set./dez. 2020. Acessar publicação original [DR]

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Itamar Freitas

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