Saiu pela editora Planeta do Brasil o relato da jornalista Cláudia Trevisan sobre sua viagem e permanência na China. Trata-se de obra de cunho jornalístico e, assim, pouco rigorosa, do ponto de vista da análise social e econômica. Mas num contexto onde uma visita à China é difícil, e as informações escassas, mesmo a aparente pouca objetividade do relato biográfico é uma fonte valiosa para a pesquisa social.
O objetivo da autora é revelar informações e impressões que teve no período em que viveu na China. Logo, são as informações que o livro traz as que mais importam para a discussão sócio-econômica da China atual, e não a estrutura da obra propriamente dita, ou suas idéias e teses, explícitas ou subjacentes. Uma seqüência de capítulos da primeira das oito partes do livro é: “Cerimônias em alta, casamentos em baixa; Os esquecidos; A língua; Xangai; Beleza Artificial”. Isto é, faz-se uma miscelânea, lançando-se mão de curiosa diagramação: os capítulos mais formais, com informações sociais e econômicas, esto em formatação comum; os capítulos com relatos sobre costumes, cultura etc., estão em itálico.
Os pontos altos do livro são, como de praxe na obra de cunho jornalístico, concentrar informações que facilitem ao pesquisador transitar pelo tema “China” com mais segurança. Assim, pode-se aproximar de definições e conclusões mais objetivas sobre a natureza do regime ali vigente hoje – algo que é mote para montanhas de tinta e papel nas discussões de ciência social atuais. Informações pontuais, tais como “a China concentra 30% dos guindastes de construção do mundo”; “o índice de Gini elevou-se de 0,28 para 0,64”; “300 milhões de chineses devem se mudar do campo para a cidade até 2020”, so acompanhadas por relatos que dificilmente se obtém facilmente: “a China no possui uma vasta rede de segurança social que se supõe existente em regimes comunistas; a maior parte da população tem de pagar por serviços de saúde”; “as universidades, mesmo públicas, cobram mensalidades”; “shoppings em Xangai e Pequim reúnem em seus metros quadrados representantes das mais caras grifes européias, americanas e japonesas, que cobram preços superiores aos salários de toda a vida de muitos camponeses do país.”
Repetir a velha ladainha da defesa da ”democracia” na China é o ponto fraco do livro. Por um lado é verdade que a autora preocupou-se com a objetividade, esquivando-se quase sempre das fantasias escritas sobre os aspectos de uma economia socialista, ou de outra formação social diferente da liberal-burguesa. Mas, por outro, a autora não foge à regra ocidental, sendo incapaz da tentativa de avaliar o regime político chinês à luz de sua própria história e funcionalidade. O padrão de avaliação é sempre dado pelo corte da democracia burguesa e seus referenciais básicos daquilo que possa ser liberdade e daquilo que podem ser conseqüências positivas ou negativas de sua supressão. No limite, não se reconhece a legitimidade e alteridade de uma ordem social diferente da liberal.
A democratização do país não está nos planos do Partido Comunista, para o qual o liberalismo econômico pode sobreviver sem a liberdade política. (p.158).
Duas questões quanto à postura avaliativa subjacente. A primeira é a curiosidade de ver “liberalismo econômico” numa economia onde mais da metade dos ativos produtivos são públicos, que trabalha sob a orientação indicativa de planos qüinqüenais, e onde o Estado (e não os agentes privados) é o grande agente financiador e investidor. A segunda: a autora fala em monopólio do poder do PC e dos dissidentes políticos, onde a definição implícita de “democratização” aparece simplesmente como o poder de votar e de discordar no plano do discurso. A democracia novamente é reduzida a uma questão de opinião e participação política no campo estritamente partidário. Aqui, é “democrático” um país que tem pluralismo partidário, mas que privatiza seus ativos públicos sem referendos. O Brasil, por exemplo. Por sua vez, “não-democrático” é um país que, mediante uma estrutura política autônoma das demandas externas, e despido das disfuncionalidades, impasses e contradições da democracia burguesa, reduz o hiato entre o desenvolvimento e subdesenvolvimento das forç as produtivas etc.. (isto é, a China).
Com isso quer-se dizer apenas que a discussão democracia/ditadura na China, ou em qualquer país, não pode resumir-se aos lugares-comuns habituais, que no entanto norteiam os preconceitos que no fundo a autora aceita. De todo modo, não é pretensão do livro estabelecer discussões neste sentido, e Cláudia Trevisan de modo geral busca a maior imparcialidade que seus referenciais podem permitir. O livro, informativo e escrito de modo simples, é leitura de interesse a sociólogos, historiadores e economistas que se defrontam com problemas da sociedade e economia chinesa. Uma de suas vantagens é trazer informações e impressões de difícil acesso aos que não visitaram a China. Como dito, elas são boas pistas para inferências teóricas mais abrangentes sobre os processos em curso na China de hoje.
Resenhista
Vitor Eduardo Schincariol – Mestrando em História Econômica. Universidade de São Paulo.
Referências desta Resenha
TREVISAN, Claudia. China – O Renascimento do Império. São Paulo: Planeta do Brasil. 2006. Resenha de: SCHINCARIOL, Vitor Eduardo. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 03, n. 05, p.112-115, julho, 2006. Acessar publicação original [DR]
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