D’ AIRE, Teresa Castro. O Racismo. [Lisboa]: Sociedade Gráfica, 1996. Resenha de: RIBEIRO, Maria Solange Pereira. Varia História, Belo Horizonte, v.15, n.20, p. 181-183, mar., 1999.
Racismo em Portugal: qualquer semelhança com o Brasil é mera coincidência.
Teresa Castro introduz essa obra com um dito africano de profunda densidade ideológica: “obrigado meu Deus por ter criado o cavalo, porque se não existisse o cavalo os brancos montavam em cima de nós “e afirma logo no início, sobre a epopéia dos descobrimentos, a miscigenação das raças e a teoria dos brandos costumes, serem tudo mentira – “os portugueses são racistas, sim”.
Essa obra é composta de perguntas e respostas, constituíndo-se um texto que no seu cômputo geral é claro e de leitura rápida e fácil de modo que pode servir facilmente como texto para debates ou discussões em níveis diferenciados. O livro enfoca um assunto de profunda importância na explicitação do racismo em Portugal, desse modo, em circunstâncias e dosagem diversas, poderá ser útil ao ensino em matérias que discutam o preconceito racial. Apresenta-se dividido em 15 entrevistas referentes às seguintes perguntas básicas:- Origem geográfica do entrevistado e de sua família; nível de escolarização e profissão: como e onde mora e qual a cor dos vizinhos; se o entrevistado acredita ter raça mais bonita, mais inteligente; se tem raça que comete mais crimes; se o entrevistado se casaria com alguém de outra religião que não a sua; se o entrevistado se casaria mais facilmente com um pobre ou com um preto, se as leis portuguesas protegem todos da mesma forma, etc.
As respostas a essas perguntas e a outras são surpreendentes e reveladoras sobre a existência de racismo em Portugal.
Diz a autora sobre as pessoas que inicialmente admitiram a existência do racismo em Portugal. quando convidados a falar um pouco mais sobre suas experiências fecharam-se e comentaram que no seu caso pessoal nem tinham muita razão de queixa. Para essas pessoas. que passaram pelas humilhações mais vergonhosas que um ser humano pode ser sujeito, a não-denúncia era como se fosse a única forma de conservar o mínimo de dignidade que os brancos ainda lhes não roubaram. conclui a autora na sua introdução.
Prosseguindo a análise levanta questões sobre o depoimento do dirigente do SOS Racismo que afirmou ser o português mais racista do que os alemães. uma vez que na Alemanha tomam se providências diante de manifestações agressivas de preconceitos e intolerância, enquanto em Portugal as autoridades. através da ausência de atitudes, são coniventes com os agressores.
A maioria dos entrevistados foi unânime em afirmar que os discriminados que vão a tribunal por maus tratos. dificilmente ganham a causa. pois os juízes são racistas. É comum em Portugal a ação dos Skinheads e da Polícia contra grupos minoritários especialmente o preto. Entretanto admitir ter sido discriminado é sentir a humilhação duas vezes, a grande maioria das pessoas discriminadas não dão queixa e dizem não adiantar.
Mas nem todos pensam assim, há negros conscientes de seus direitos e estão mobilizando as autoridades para que façam justiça com as minorias portuguesas ou como dizem os portugueses os “retornados” (ex-colônia Portuguesa). O SOS Racismo está solicitando também que se incorpore nos currículos das escolas secundárias o senso de respeito pelas raças. Trabalhos como o da cantora cabo-verdiana Celina Pereira. vem tentando levar às escolas bilíngües histórias nascidas em Cabo Verde. Um livro com fita cassete foi patrocinado por uma organização não-governamental italiana, editada em três idiomas; italiano, português e crioulo. São canções infantis, trovadinhas, cantigas de roda, confeccionadas dentro de uma ordem pedagógica e didática para as escolas de ensino bilíngüe. Nos Estados Unidos a obra aparece em português, crioulo e inglês e já é utilizada em algumas escolas em Massachusetts, onde a autora recebeu alguns prêmios.
O projeto dirige-se a crianças cabo-verdianas que possuem um índice muito grande de insucesso escolar, pois são obrigadas a aprender a estudar numa língua que não é a delas; entretanto, Portugal não tomou conhecimento do projeto, lamenta Celina. O maior número de africanos que vivem em Portugal é de Cabo Verde, acrescenta a cantora; “eu só queria dar às crianças de Cabo Verde algumas referências culturais dos seus progenitores para poder se situar enquanto seres humanos, saber de onde vêm e para onde vão”.
Este livro, curiosamente, leva-nos a tecer algumas comparações e consequentemente uma compreensão da base do racismo no Brasil, uma vez que estamos na condição de “retornados”, através da língua e de algumas heranças culturais.
Um dos fatos de aproximação é que no Brasil os negros de nível sócio-econômico mais elevado ficam “sem cor” e passam a discriminar a sua raça. Isso ocorre também com o mulato, que para fugir da discriminação se coloca mais próximo do branco de forma ideológica. Dessa forma vai emergindo uma massa sem identidade pois o mulato nem é negro nem é branco, como afirma uma entrevistada- a colonização tirou do africano que vive em Portugal, a cultura, a língua, os costumes e lhes impôs uma vida de humilhação.
Por outro lado a autora coloca a dificuldade das mulheres pretas em se manifestarem e em dar depoimentos aprofundando ao gravíssimo problema da auto-estima.
“Eu quando tenho saudades de ver um preto basta-me olhar para o espelho, e pronto, tão cedo já não preciso de voltar a vê-los na minha frente.”
Sobre esse fato revela a autora, que o curioso nessas mulheres é serem de um status sócio-econômico de classe média e talvez tenham sido ainda mais discriminadas do que os homens por isso tenham tanta pressa em esquecer as humilhações do passado. Uma culpa de todos nós, considera Teresa Castro, cidadãos de todas as raças e que parece repetir-se em muitos casos como recorrência.
Maria Solange Pereira Ribeiro – Doutoranda- Educação- USP. E-mail: bibaecir@turing.unicamp.br
[DR]
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