O historiador Peter Burke é uma daquelas “figurinhas carimbadas” nas reflexões teóricas e historiográficas contemporâneas. Sua presença na academia brasileira é marcante e pode ser lembrada pela importância de sua produção intelectual quanto por sua freqüência em eventos acadêmicos no Brasil.
Interessa aqui recordar que os diversos trabalhos de Burke traduzidos para a língua portuguesa brasileira se constituem, via de regra, em sucessos editoriais. Neste “O que é História Cultural?”, aparecido na Inglaterra em 2004, Peter Burke trabalha para elaborar um texto de natureza introdutória a discussões já bem postas na historiografia brasileira: a história cultural, suas características e práticas.
O livro encerra um duplo percurso: trata de conceitos complexos, como o de cultura e sua utilização no campo histórico e, ainda, apresenta práticas historiográficas da história cultural. Mas, ao que parece, essa face ambígua pode ser compreendida como decorrente da problemática enfrentada pelo autor. A complexidade deve-se principalmente à preocupação arraigada entre os historiadores de garantir à sua atividade um vínculo com o campo científico, seja lá o que se entenda por ciência histórica na atualidade. Essa questão subjaz à opção narrativa de Burke que discute a história cultural, partindo de suas manifestações no tempo e nas práticas históricas pretéritas, sem “deixar ao léu” escritos contemporâneos que trazem práticas e reflexões teórico-metodológicas similares às discutidas no curso do livro em questão. Essa fórmula é bastante usual entre nós e, sem maiores prejulgamentos, demonstra uma constante preocupação com a gênese de um fenômeno, inclusive práticas intelectuais
Outro detalhe que não é demasiado exagero mencionar é uma espécie de continuidade temática – melhor será pensar em problemática – estabelecida entre “O que é História Cultural?” e outros livros que o antecederam. Lembro aqui as coletâneas “A escrita da Historia; novas perspectivas” (Edunesp, 1992) e “Variedades de História Cultural” (Zahar, 2000). Esse segundo livro, aliás, parece trazer a gênese do trabalho em questão. Em dois de seus capítulos se encontra o projeto inicial do livro em que Burke busca discutir como a história cultural se tornou uma área no contexto das transformações que o saber histórico ocidental vivencia desde os “Analles”.
Mas, conforme anotei anteriormente, “O que é História Cultural?” apresenta uma ambigüidade resultante da temática enfrentada por Burke e devidamente dissecada no texto. Esse aspecto demonstra para o leitor que a História Cultural não é exclusivamente uma subárea da história na qual a cultura surgiu no âmbito da anunciada crise dos paradigmas. Sob tal perspectiva, a indagação provocante que dá título ao livro disfarça a amplitude do campo histórico e, conseqüentemente, não pôde ser totalmente respondida, o que é compreensível nesse momento. O caminho adotado pelo autor justifica a ausência de respostas peremptórias, especialmente porque a História Cultural pode ser compreendida como um fenômeno transitório na prática historiográfica atual. E, é muito difícil configurar um fenômeno cultural simultaneamente à sua ocorrência.
A respeito da estrutura do livro, Peter Burke o dividiu em seis capítulos: o primeiro recebeu o título de “A grande Tradição”, o segundo é sintomaticamente designado como “Problemas da História Cultural”, o terceiro foi chamado de “A vez da Antropologia Histórica”, o quarto apresenta outra dúvida, sob o título “Um novo paradigma?”, O quinto foi designado como “Da representação à Construção” e o sexto, e último capítulo, foi batizado como “Além da virada Cultural”. A titulação dos capítulos é ela própria indicadora da essência de questões que atravessam a trajetória da História Cultural, enfocando que as pesquisas que são construídas sob sua evocação de alguma forma possuem pontos em comum com preocupações pretéritas presentes e outros trabalhos, em outras épocas.
No interior do “O que é História Cultural?”, o leitor, iniciante ou não, poderá encontrar soluções prosaicas para problemas prosaicos, mas não se defrontará com a simplificação que as primeiras expectativas provocam. Talvez, um dos pontos mais intricados – a definição de Cultura – revele que qualquer definição de História Cultural passa pelo campo interdisciplinar, local e momento em que a noção de Cultura sofre modificações para oferecer aos historiadores algum potencial analítico ou explicativo. Comparar tal noção com aquelas mais usuais nas Ciências Sociais nem sempre é o melhor caminho para definir características em pesquisas no âmbito da história cultural.
Um último ponto que provoca reclamações, como a que se segue: as quase inexistentes referências a trabalhos cujas temáticas e/ou autores dizem respeito ao Brasil e que podem ser entendidos como pertinentes à História Cultural. Esse pequeno detalhe ganha sentido na medida em que Peter Burke, embora não pesquise história brasileira, possui erudição suficiente para voltar seu olhar sobre a produção historiográfica local. Talvez em outro momento?
Resenhista
Eudes Fernando Leite – Doutor em História pela UNESP/Assis, professor adjunto e coordenador do PPGH / mestrado em História na UFGD.
Referências desta Resenha
BURKE, Peter. O que é história Cultural? Trad. Sérgio Góes de Paula. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. Resenha de: LEITE, Eudes Fernando. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 1, n. 1, jan./jun. 2007. Acessar publicação original [DR]
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