O protesto do trabalho: histórias das lutas sociais dos trabalhadores rurais do Paraná: 1954-1964 | Ângelo Priori

Em seu livro O protesto do trabalho: histórias das lutas sociais dos trabalhadores rurais do Paraná: 1954-1964, Angelo Priori vai além de uma simples interpretação das lutas e conflitos sociais envolvendo os trabalhadores rurais do Paraná, à medida em que correlaciona as experiências cotidianas vivenciadas pelos trabalhadores, articulando simultaneamente o contexto histórico e suas relações de forças. O autor contempla uma densa reflexão em torno dos conceitos e mediações que perpassam a abordagem dos movimentos sociais. Seu estudo revela e desvela as dimensões contraditórias dos processos de planejamento sociais relacionados ao Estado e às questões regionais.

Priori contribui sensivelmente com a história dos movimentos sociais no campo, priorizando os debates que envolveram os trabalhadores rurais, empregados, sindicalistas, advogados, magistrados da justiça, padres e a imprensa acerca da legislação social e da formação dos sindicatos rurais do Estado do Paraná durante as décadas de 50 e 60. O autor demonstra através de uma extensa documentação que os trabalhadores coloraram para sua inclusão na legislação.

Ao enfatizar que as necessidades dos trabalhadores em entrar na justiça do trabalho reclamando seus direitos não significava somente reparar algumas injustiças sociais cometidas por seus patrões, significava também, a construção de uma identidade social construída em meio a lutas e experiências cotidianas, inerentes ao processo de trabalho e de sobrevivência em busca de melhores condições de vida.

Priori leva em consideração os elementos históricos agregadores das lutas rurais no norte do Paraná, sugerindo que os agentes sociais envolvidos nas lutas reafirmavam seus posicionamentos como incisivos na redefinição dos direitos sociais do homem do campo, envolvendo também os dirigentes do partido comunista. Contudo, se para o presidente Getúlio Vargas era necessário conter o êxodo rural, instituindo uma política agrícola no sentido de aumentar a produção, por outro lado significava uma interferência do Estado nas relações de trabalho no campo almejando o controle destes movimentos. As décadas de 50 e 60 foram decisivas em relação aos movimentos sociais ocorridos no campo. A criação de Sindicatos favoreceu a participação dos trabalhadores na reivindicação de seus direitos, como sugere a analise crítica dos discursos de Getulio Vargas e de parlamentares envolvidos com tais questões, interpretados pelo autor. O autor interpreta as condições de vida dos colonos e camaradas (volantes e especializados) distinguindo historicamente as formas de trabalho e as relações efetivadas entre estes e seus patrões. Apoiando-se na interpretação dos processos de trabalho o autor demonstra categoricamente que além de complexas, tais relações eram muitas vezes conflitantes. No norte do Paraná o regime de trabalho de parceria era o mais freqüente e a meação a mais utilizada. Cruzando a documentação (processos trabalhistas, documentos da Primeira Junta de Conciliação e Julgamento de Londrina, do Tribunal Superior do Trabalho e Legislação Trabalhista) o autor enfatiza que os trabalhadores moviam ações reivindicando direitos já adquiridos e presentes na Legislação Trabalhista, do que uma luta mais elaborada na conquista de novos benefícios. Os trabalhadores lutavam pelo salário mínimo e pelas férias, direitos já adquiridos pela C. L. T.. Priori correlaciona de forma acurada as distintas temporalidades constitutivas das lutas sociais no campo. A vinculação e o surgimento dos sindicatos contribuíram na redefinição da identidade e na existência coletiva dos trabalhadores rurais num espaço de lutas, posicionamentos e negociações contra as condições de exploração do trabalho.

No Estado do Paraná os sindicatos estabeleciam a função de mediar as lutas e negociações dos trabalhadores rurais advogando seus interesses. Priori interpreta as modificações ocorridas nas relações de trabalho, matizando as transformações nas relações de colonato e seus desdobramentos quanto ao trabalho assalariado permanente e temporário. A luta defensiva em função das reivindicações dos trabalhadores colaborou para a expansão dos sindicatos. Além da discussão desvelada pelo autor estar amplamente documentada e historiograficamente enriquecida, o mesmo realiza um excelente cruzamento entre ambas. Nos processos analisados pelo autor muitas das argumentações dos advogados dos empregadores esforçavam-se em descaracterizar as relações de emprego que existiam entre os trabalhadores rurais e fazendeiros. Contudo, os trabalhadores rurais apresentavam-se a Justiça do Trabalho exigindo férias e décimo terceiro salário, definiam-se como empregados dos proprietários rurais e não como meros contratantes em regime de parceria. Por outro lado a Justiça trabalhista argumentava que os colonos não eram trabalhadores rurais e sim empreiteiros, excluindo-os da legislação trabalhista, favorecendo com isto os proprietários cafeicultores e confirmava também a política conservadora do Congresso resistentes às leis trabalhistas. Os argumentos dos advogados dos cafeicultores almejava descaracterizar as relações complexas de trabalho, negando a participação dos filhos dos empregados e do tempo de férias. O autor ainda sugere que o regime de parceria era muito lucrativo uma vez que os fazendeiros vendiam parte dos cereais enquanto os parceiros cultivavam também os cafezais. Os parceiros concebiam-se como colonos de café, e como tal suas reivindicações seguiam este viés. O colonato era muito utilizado depois das geadas cedendo porções de terra aos trabalhadores. Enfim, os processos trabalhistas examinados por Priori argumentavam o não cumprimento dos contratos, a medida em que revelavam atos de violência e controle a que eram submetidos os trabalhadores. Os trabalhadores rurais (camaradas ) também recorriam a Justiça do Trabalho lutando por seus direitos adquiridos, principalmente em relação a remuneração salarial. Frente a erradicação dos cafezais e o declínio de sua produção os patrões procuravam justificar o pagamento dos baixos salários. Contudo, os trabalhadores responderam com greves frente a tais questões. Analisando os jornais ( Terra Livre e Folha de Londrina ) o autor interpreta a participação da imprensa em relação aos acontecimentos. As influências da Igreja Católica e do Partido Comunista no movimento é levada em consideração e largamente discutida pelo autor. O colonato entrou em declínio em meados dos anos 60. As péssima condições de trabalho associada ao declínio do colonato fez com que os trabalhadores rurais procurassem os sindicatos na esperança de garantir seus empregos. Os trabalhadores percebendo-se excluídos viram nos Sindicatos uma válvula de escape, buscando a cidadania e a participação social. Os sindicatos foram perseguidos em um primeiro momento pela classe dominante. A mesma forjou estrategicamente imagens negativas em relação aos sindicatos, enfatizando o perigo de uma ameaça comunista e a suposta inocência dos trabalhadores. Entretanto, com a realização do primeiro Congresso dos Tabalhadores Rurais do Norte do Paraná, ocorrido na cidade de Londrina, os movimentos sociais no campo passaram a adquirir novos significados. Os congressistas postularam a emergência da criação de Comissões no sentido de agilizar melhor as lutas. Por outro lado as disputas entre o partido Comunistas e a Igreja Católica em relação ao controle dos movimentos implicou em uma nova conjuntura de forças à qual os trabalhadores passaram a se inscrever como sujeitos ativos em busca de melhores condições de sobrevivência. Com o golpe militar de 1964 a história de luta dos trabalhadores rurais do norte do Paraná modificou-se, cabendo a historiografia apontar estes desdobramentos. O livro apresenta-se em capítulos coerentemente estruturados no sentido de sistematizar melhor a abordagem do tema. No primeiro capítulo o autor toma enquanto proposta de análise os discursos e a ação política concreta de Getúlio Vargas a respeito da questão. Em seguida, interpreta e discute os diversos projetos na Câmara dos deputados. Também centra sua preocupação em torno das diversas categorias históricas dos trabalhadores na justiça reivindicando seus direitos, quanto ao salário mínimo e as férias. Em seguida o autor analisa as lutas pela organizações trabalhistas analisando a formação dos sindicatos rurais do Paraná, apreendendo e matizando as múltiplas estratégias de mobilização em consonância com estes e outro objetivos, assim como as dificuldades históricas em função de tais iniciativas.

Por fim, o autor centra sua preocupações em interpretar as diversidades e complexidades dos agentes envolvidos na hegemonia do movimento, entrecruzando e debatendo com a historiografia que cotejou o tema. As disputas pelo poder entre a Igreja Católica e o partido comunista em relação ao controle do movimento são amplamente discutidas, levando-se em consideração não somente suas influências em relação aos trabalhadores como também as estratégias de lutas, posicionamentos e mobilizações dentro do campo de poder.

Enfim, o livro do autor supera as abordagens tradicionais que trabalharam com o tema, uma vez que apresenta-se amplamente documentado, historiograficamente amparado e sintonizado com as discussões teóricas em torno dos movimentos sociais. O autor nos convida não somente repensar as questões em torno dos movimentos sociais ocorridos no campo, como também as representações em torno da escrita da história.

Livro provocativo e singular, demonstra com propriedade as complexidade dos movimentos sociais ocorridos no campo e suas múltiplas significações e desdobramentos concernentes a história social, assim como suas implicações quanto ao ofício do historiador na elaboração do conhecimento histórico entre práticas e representações.


Resenhista

Rodolfo Frank Gonçalves – Mestrando- Programa de Pós-Graduação em História- Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – Assis.


Referências desta Resenha

PRIORI, Ângelo. O protesto do trabalho: histórias das lutas sociais dos trabalhadores rurais do Paraná: 1954-1964. Maringá: EDUEM, 1996. Resenha de: GONÇALVES, Rodolfo Frank. Diálogos. Maringá, v.1, n.1, 215 – 218, 1997. Acessar publicação original [DR]

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