O Poder Naval e as disputas pelo território no Brasil Colonial (1500-1808) | Navigator | 2021
O volume 17, número 33, 2021, da Revista Navigator traz para os leitores textos sobre eventos históricos dos séculos XVI e XVII que, em conjunto, integram o dossiê “O Poder Naval e as disputas pelo território no Brasil Colonial (1500-1808)”. O dossiê teve por objetivo trazer contribuições que cobrissem conflitos entre portugueses, espanhóis, franceses e neerlandeses pelo território do Brasil, com foco nos aspectos navais, econômicos e políticos.
A proposta do dossiê surgiu a partir de uma reflexão feita após a leitura de um dos capítulos de “Os holandeses no Brasil”, escrito pelo historiador inglês Charles R. Boxer em 1957. No texto, intitulado “O mar domina o Brasil”, Boxer, assim como em outros escritos de sua autoria, mostrou a centralidade da guerra naval para o desfecho de conflitos entre portugueses, espanhóis e neerlandeses nas Capitanias do Norte do Estado do Brasil e na sede do governo colonial, Salvador. Parte das lutas entre europeus no Brasil teve origem em fins do século XVI, na sequência da guerra de independência das Províncias Unidas contra o Império Habsburgo e expandiu-se para o ultramar, com grande intensidade, ao longo do século XVII, tendo amplitudes e repercussões locais, regionais, atlânticas e globais.
Sem desconsiderar as ações terrestres que minavam as forças dos adversários, a resolução de boa parte dos grandes confrontos de europeus em espaços coloniais se deu usualmente com expedições navais e cerco de praças dos territórios em disputa, a exemplo dos conhecidos assédios e conquistas de Salvador – tomada pelos neerlandeses em 1624 e reconquistada em 1625 por uma frota hispano-portuguesa –, da conquista neerlandesa de Olinda e do Recife em 1630 e da restauração e rendição do Recife por intermédio de bloqueio terrestre e naval português em 1654.
Essas são apenas algumas ocorrências em uma parte do território do Estado do Brasil que teve conflitos entre portugueses, espanhóis e neerlandeses. Antes da chegada dos últimos, os franceses também ameaçaram a colônia portuguesa, sendo adversários constantes e resilientes ao longo dos primeiros dois séculos de colonização, enfrentando os portugueses no Rio de Janeiro, no Maranhão e, entrementes, no litoral das Capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba.
A organização e financiamento de expedições ou de frotas navais que operaram no ultramar – inclusive com capital privado –, as ações de bloqueio, corso, transporte, escolta, bem como as investidas diretas contra oponentes marcaram parte dos conflitos do período. Apesar das repercussões amplas das ações navais para a manutenção do comércio, conquista e retomada de territórios, a guerra naval foi uma faceta pouco explorada pela historiografia brasileira. Tal lacuna é apenas uma de várias outras relativas às disputas navais, a exemplo do estabelecimento e manutenção das frotas de estados europeus, bem como seus desdobramentos tecnológicos e sua importância na constituição dos estados modernos.
Temos no presente dossiê um conjunto de contribuições de pesquisadores de formações distintas – especialistas, mestras(es) e doutoras em instituições do Brasil e do exterior –, que compuseram estudos que mesclaram historiografia com fontes documentais. Em conjunto, ajudam a trazer o tema da guerra naval e suas múltiplas possibilidades de análise para o debate historiográfico brasileiro.
O artigo que abre o dossiê, “A navegação do mar del sur e a conquista da Paraíba: a política militar espanhola durante a Monarquia Hispânica”, escrito pela Doutora em História pela Universidade de Salamanca, Espanha, Sylvia Brandão Ramalho de Brito, traz um vívido relato sobre a conquista da Paraíba (1584). A autora nos brinda com detalhado relato do confronto da Monarquia Ibérica contra um de seus adversários continentais, os franceses. Episódio obscuro e esmiuçado em detalhes com fontes nunca exploradas de arquivos espanhóis, o texto nos ajuda a compreender a atuação espanhola no Atlântico Sul e sua preocupação com os territórios coloniais austrais, bem como mostra o processo de consolidação da colonização da Capitania da Paraíba e sua inserção, nas palavras da autora, “no horizonte da Monarquia Hispânica”.
Já a Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense, Regina de Carvalho Ribeiro da Costa, em “O socorro hispânico às capitanias açucareiras do norte (1624-1640): Tentativas navais de recuperação do Brasil holandês”, retoma um debate sobre a suposta “incúria metropolitana na defesa do Brasil”. Utilizando e questionando a historiografia clássica e mais recente, bem como fontes do período, a autora, após fazer um panorama das relações entre espanhóis e neerlandeses nos séculos XVI e XVII, enfatiza o esforço Habsburgo pela manutenção dos seus territórios coloniais, expresso no envio de expedições navais com o fito de recuperar territórios conquistados por adversários europeus.
Enquanto as pesquisadoras Ramalho de Brito e Ribeiro da Costa tratam do esforço da Monarquia Hispânica para a reconquista e manutenção dos seus territórios austrais, o Especialista e Mestre em História, Carlos Roberto Carvalho Daróz, do Centro de Estudos e Pesquisas em História Militar do Exército, faz, em “O “terror dos mares”: a guerra de corso no período entre as invasões neerlandesas nas capitanias do norte do Brasil (1625-1630)”, um apanhado sobre as operações de corso neerlandesas, importante fonte de financiamento para a conquista das Capitanias do Norte do Estado do Brasil a partir de 1630.
O último autor do dossiê, o Especialista em História e Capitão de Mar e Guerra Alceu Oliveira Castro Jungstedt, faz uma descrição densa da Batalha Naval dos Abrolhos, ocorrida na costa da Capitania de Pernambuco em 1631. A partir de historiografia clássica e de relatos do período, o autor buscou levantar dados sobre as forças de D. Antonio de Oquendo y Zandategui e de Adriaen Janszoon Pater, enumerando contingentes e embarcações, apontando o contexto e objetivos das partes envolvidas naquele embate, analisando as condições meteorológicas, táticas e, por fim, tentando avaliar o resultado da refrega naval que opôs portugueses, espanhóis e neerlandeses.
Espero que vocês, leitores, desfrutem dos textos do dossiê e que eles sirvam de estímulo para outras pesquisas que levem em consideração os aspectos navais, sempre carentes de estudos amplos. São textos com visões distintas – haja vista a pluralidade da formação e da atuação institucional – e que refletem aspectos relevantes da historiografia dedicada ao período colonial e ao mundo moderno.
Organizador
Bruno Romero Ferreira Miranda – Doutor em História pela Universiteit Leiden, Países Baixos. Professor do Departamento de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Membro associado do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP).
Referências desta apresentação
MIRANDA, Bruno Romero Ferreira. Apresentação. Navigator – Subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, v. 17, n. 33, p.8-10, 2021. Acessar publicação original [DR]