A publicação do livro de Leopoldo de Méis e Jacqueline Leta merece atenção dos estudiosos da ciência brasileira por sinalizar uma tendência. O fato de ter sido produzido no âmbito do Departamento de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que dedica uma das áreas de concentração de sua pós-graduação ao estudo da educação, difusão e gestão em biociências, parece indicar que os cientistas brasileiros estão cada vez mais premidos a pensar criticamente as bases da institucionalização da ciência brasileira. Diante do virtual esgotamento das políticas de desenvolvimento científico e tecnológico e do desafio da globalização econômica e cultural, a comunidade científica nacional adota uma atitude reflexiva. É o cientista assumindo o papel de sociólogo da ciência.
Em um país periférico onde a atividade científica e tecnológica se concentra, quase que totalmente, em universidades e institutos de pesquisa públicos e, conseqüentemente, a comunidade científica é formada basicamente por funcionários do Estado, o principal desafio da sociologia da ciência é, sem dúvida, pensar a legitimidade social e a autonomia institucional da ciência. No Brasil, a questão institucional da ciência é ainda um problema teórico importante.
A questão da autonomia foi o problema teórico enfrentado pela sociologia da ciência mertoniana, que, a partir da década de 1950, dedicou-se ao estudo de temas como os valores sociais que modelam o ‘comportamento do científico’, a organização do sistema de recompensas e estratificação, e a formação de consenso na avaliação do trabalho científico. Sem questionar o dogma da objetividade do conhecimento científico, a sociologia mertoniana descreveu minuciosamente a estrutura social e o sistema de valores da comunidade científica.
Foi no campo da sociologia mertoniana que se desenvolveu a ‘cientometria’, uma metodologia de pesquisa que abrange todos os tipos de análises quantitativas da ciência que se baseiam em dados estatísticos sem a observação direta da atividade de pesquisa e do contexto institucional em que é produzida. O perfil da ciência brasileira situa-se na tradição mertoniana, na medida em que é uma análise cientométrica da produção científica nacional dos últimos 15 anos.
Dividido em dez capítulos, o livro apresenta um relato estatístico atualizado do lugar ocupado pela ciência brasileira no sistema científico mundial. Utilizando as informações disponíveis no banco de dados do Institute for Scientific Information (ISI), o mais conceituado indicador bibliométrico da ciência, acrescido de outras fontes nacionais, os autores apresentam um diagnóstico objetivo da ciência brasileira considerando a sua produtividade, a distribuição diferenciada pelas diversas áreas de conhecimento, as estratégias de publicação, o grau de conhecimento pelos pares, o padrão de colaboração internacional e a distribuição geográfica pelo país.
Embora os autores reconheçam que a utilização dos indicadores bibliométricos do ISI exclua a maior parte dos resultados da pesquisa científica nacional publicada em periódicos não indexados, livros ou teses universitárias, suas conclusões são que a produção científica brasileira, que representa atualmente apenas 0,57% da produção mundial, segue a mesma tendência da ciência mundial de predomínio das ciências da vida sobre as demais áreas de conhecimento. A única discrepância encontrada pelos autores está no campo das ciências humanas e artes cuja produção aparece sub-representada, supostamente porque os pesquisadores dessa área preferem publicar sob a forma de teses ou livros escritos em língua portuguesa.
Ainda que se possa explicar o predomínio das ciências da vida no contexto da ciência brasileira em função da tendência internacional, é preciso observar que foi nessa área de conhecimento, particularmente no campo das ciências biomédicas, que teve início, nos primeiros anos desse século, o processo de organização institucional da pesquisa científica no Brasil. O bom desempenho da pesquisa biomédica brasileira também pode ser explicado por sua trajetória institucional, e para isso não faltam excelentes trabalhos de cunho histórico e sociológico.
A ciência brasileira perfilada no livro de Leopoldo de Méis e Jacqueline Leta é aquela que circula por algum dos 7.421 periódicos científicos indexados pelo ISI. Como é extremamente baixo o número de revistas brasileiras indexadas (apenas 12 no período 1981-93, todas pertencentes às ciências biomédicas), essa ciência brasileira é, de fato, internacionalizada, seus produtos estão dirigidos à comunidade científica internacional. Esse é o dilema das comunidades científicas dos países periféricos, cuja busca da autonomia institucional e legitimidade social em seus respectivos países depende cada vez mais do grau de credibilidade alcançada junto ao mundo científico dos países centrais.
Resenhista
Luiz Otávio Ferreira – Pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz.
Referências desta Resenha
MEIS, Leopoldo de; LETA, Jacqueline. O perfil da ciência brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. Resenha de: FERREIRA, Luiz Otávio. História, Ciência, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, v.3, n.2, jul./out. 1996. Acessar publicação original [DR]
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