O mundo se despedaça | Chinua Achebe
O romance O mundo se despedaça, de Chinua Achebe, é um livro muito interessante. Os detalhes narrados pelo autor tornam essa obra riquíssima. Apesar de ser o primeiro romance do autor, o livro, que foi escrito em 1958 (dois anos antes da independência da Nigéria), foi traduzido para mais de quarenta línguas, e é indispensável para qualquer africanista. O fato de o autor contar apropriadamente da cultura e da ancestralidade Ibó (da qual é descendente) imprime ao livro um caráter histórico, além do literário.
O livro conta a história de Okonkwo, que, apesar de ter um pai (Unoka) preguiçoso e imprevidente, havia-se tornado um grande homem dentro de seu clã Umuófia. Fora um grande guerreiro, e ficou famoso aos dezoito anos, quando derrotou Amalinze (apelidado de “o Gato”, pois suas costas nunca haviam tocado o chão), depois de sete anos de invencibilidade. Seu clã era temido pelos outros ao seu redor, e todos evitavam entrar em guerra com ele. Okonkwo era um agricultor esforçado e tinha três esposas. No decorrer do livro, o autor cita inúmeros traços da cultura Ibó, detalhando os costumes e a vivência dentro destas sociedades.
No quesito importância, Chinua Achebe está para os nigerianos como Machado de Assis está para os brasileiros. É considerado por muitos como um dos maiores escritores do século XX. O autor nasceu em Ogidi, na Nigéria, em 1930. No fim da década de 1960, atuou como diplomata durante os conflitos entre o povo ibó e o governo nigeriano. Em 2002 foi presenteado, pela Feira de Frankfurt, na Alemanha, com o Prêmio da Paz. Recebeu também, em 2007, o Man Booker International, um dos prêmios mais importantes da literatura inglesa.
Apesar de ter nascido dentro de uma família cristã protestante, Chinua Achebe manteve suas raízes africanas em suas obras. Isso pode ser observado no romance em questão. Durante todo o livro o autor faz referência da importância da religião ibó para seu povo. Ele descreve os deuses e os espíritos dos ancestrais e o quanto estes influenciavam no cotidiano dos ibós. Além disso, narra várias histórias e metáforas desse grupo. Ele explica como funcionavam a vida, os costumes e a cultura nessa sociedade complexa.
A obra torna-se ainda mais importante quando levamos em consideração que foi escrita apenas dois anos antes da independência nigeriana, e o livro trata do momento da chegada dos brancos na Nigéria. O autor narra com maestria o impacto entre essas duas culturas tão distintas. Aliás, o mundo de Okonkwo (protagonista do livro) começa a se despedaçar, ou desmoronar, quando este é exilado por sete anos por matar sem querer um jovem de Umuófia e busca abrigo ao clã (Mbanta) de sua falecida mãe. Nesse período, corriam, por todos os lugares, rumores de que havia homens brancos rondando por ali. Após algum tempo, um grande amigo de Okonkwo, Obierika, que fora fazer-lhe uma visita em Mbanta, conta a história de como homens brancos destruíram um clã chamado Abame, despertando desde já a ira de Okonkwo para com esses forasteiros. Mais alguns anos se passaram e os europeus chegaram a Mbanta, trazendo consigo a religião monoteísta. Em pouco tempo, essa nova religião (que demonizava a religião ibó) conseguiu converter muitos dos que ali viviam. Okonkwo sabia, pelo seu amigo Obierika, que Umuófia também sofria com o domínio do homem branco, mas não imaginava o quanto. Quando acabou o período de seu exílio, Okonkwo retornou à terra de seus ancestrais e deparou com uma Umuófia extremamente diferente de quando a deixara. Muitos eram os convertidos, e além da igreja que se fazia no local, havia também um tribunal. O autor faz que percebamos com clareza o desmoronamento do mundo de Okonkwo.
O livro limita-se a descrever as sociedades ibós, entretanto muitas sociedades africanas compartilhavam de cultura, práticas e hábitos semelhantes. Para conhecer os costumes desse povo, a obra de Chinua Achebe é altamente indicada. Além de ser um ótimo texto literário, a obra pode ser usada também como fonte de pesquisa, pois em suas páginas estão inúmeros relatos sobre a ancestralidade dessa cultura. Pode-se aprender bastante no decorrer do livro sobre, por exemplo, como eram respeitados e ouvidos os anciões nesse contexto. Tudo é sempre descrito com muitos detalhes, a que se acrescentam alguns provérbios dos ibós, o que ressalta o vínculo do autor com as raízes africanas.
O romance é de fato referência excelente para se compreenderem os ibós, todavia cabem algumas poucas críticas, como, por exemplo, a ausência de especificidade quanto ao período em que se passa a história. Talvez pela preocupação maior do autor em compor uma obra que relate com precisão a cultura ibó, muitas vezes parece meio desconexo um capítulo com o outro, pois alguns contam histórias à parte do contexto geral do livro, que é dividido em três partes (a primeira, falando da cultura ibó; a segunda, que descreve o período de exílio de Okonkwo; e a terceira, que é quando ele retorna a Umuófia).
Em linhas gerais, o romance O mundo se despedaça, de Chinua Achebe, é rico em literatura e ainda mais em história. Ele contribui, e muito, para a compreensão do choque entre a cultura negra e a branca, entre a religião ibó politeísta e a cristã monoteísta. Torna-se essencial para estudiosos sobre o assunto, posto que está repleto de cultura ibó, que se assemelha a muitas outras do mesmo período. Tendo em vista tudo isso, a obra está, sem dúvida, entre as maiores da literatura africana e, quiçá, entre as maiores de língua inglesa do mundo.
Dante Duran Previatti de Souza – Acadêmico do 2º. Semestre do curso de História, Campus de Três Lagoas, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
ACHEBE, Chinua. O mundo se despedaça. São Paulo: Companhia da Letras, 2009. Resenha de: SOUZA, Dante Duran Previatti de. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.1, n.1, p. 176-178, jul./dez. 2011. Acessar publicação original [DR]