Qual é o lugar da formação de professores de História no Brasil? Possivelmente, não há apenas uma resposta a essa indagação. As continuidades e rupturas ocorridas ao longo das últimas oito décadas, desde a institucionalização da Formação de Professores para o Ensino Secundário Brasileiro nos anos 1930, até a entrada em vigor das últimas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em 2002, definem uma parte da diversidade de caminhos da formação dos professores de História, hoje. Outra explicação para essa diversidade é propiciada pelas interpretações e realizações locais das legislações acerca das Diretrizes, conferindo em cada curso um lugar para a formação de professores de História, com características diferenciadas.
Durante muito tempo concebido como um curso de duas faces desiguais, uma específica, disciplinar, outra pedagógica, instrumental, a formação de professores hoje apresenta o desafio de superação da formação docente como um ser de duas faces discrepantes. A licenciatura, no Brasil, conhece há décadas um tipo de formação peculiar, resultado de uma história a ser contada: a formação é dividida em dois conjuntos de conhecimentos, o conhecimento específico da área escolhida pelo licenciado e o conhecimento pedagógico, mobilizado pelos fazeres docentes. Via de regra, ainda hoje essa característica se materializa nos currículos dos cursos de licenciatura: a maior parte deles concentra-se no aprendizado da área específica – seja ela Artes, Letras, Biologia, Matemática ou História – oferecido pelo próprio curso; a formação pedagógica docente, porém, ocupa parte reduzida do currículo em disciplinas ministradas tradicionalmente pelos departamentos ou cursos de Educação.
Essa estrutura acadêmica, representando parte das permanências a que nos referimos, está presente na maioria dos cursos de licenciatura e compreende uma concepção específica do que vem a ser tanto a formação docente como o professor que resulta dessa formação. Ela sugere, inicialmente, que a docência é um acréscimo à formação específica – ou que a formação docente nada mais é que uma complementação necessária para a transformação do saber acadêmico, adquirido nos cursos de origem, em saber escolar. E, mais importante, sugere e naturaliza a existência de uma hierarquia entre esses saberes e conhecimentos.
É fala corrente, que muitas vezes ganha contornos espetaculares na imprensa ou na divulgação dos resultados de pesquisas, que muitos de nossos novos professores ainda não têm apresentado uma atitude profissional diante dos problemas que os fazeres da educação escolar lhes colocam, bem como não têm conseguido desenvolver o domínio conceitual necessário para que reflitam sobre as questões enfrentadas pelo próprio conhecimento no qual são especialistas. Não é possível ignorar, nesse quadro, a responsabilidade da formação inicial ou continuada.
Com base nessa problemática – presente em outras licenciaturas, mas com contornos peculiares na formação de professores de História –, selecionamos para o Dossiê “O lugar da formação dos professores nos cursos de História” artigos que evidenciam a diversidade de preocupações e olhares acerca dessa formação. Os textos apresentados problematizam-na sob perspectivas distintas, trazendo a lume questões sobre a formação de professores de História que merecem enfrentamento, mobilizando as possibilidades de superar dualidades históricas como as mencionadas aqui, a favor da formação de professores de História para a escola brasileira contemporânea.
Ana Maria Monteiro abre o Dossiê com seu artigo “Formação de professores: entre demandas e projetos” discute concepções de formação de professores no Brasil, em especial aqueles voltados para o ensino da disciplina História, considerando características do processo de sua institucionalização em perspectiva histórica e demandas do tempo presente para a sua realização qualificada no contemporâneo.
Aryana Lima Costa no artigo “Professores em formação, formadores de professores: que profissão ensinam os cursos de graduação em História?” reflete sobre os fundamentos que pautam a formação de profissionais de História no ensino superior. Para isso, articula dois momentos e materiais de pesquisa com alunos e com professores do curso de história.
Cristiani Bereta da Silva e Luciana Rossato apresentam no artigo “A didática da história e o desafio de ensinar e aprender na formação docente inicial” questões relacionadas a esse desafio presente na Educação Básica na formação em História com base na análise de documentos produzidos no âmbito das disciplinas de estágio focalizando o tema da aprendizagem, na perspectiva dos alunos da escola, dos graduandos e dos cursos de formação desses graduandos.
Flávia Eloisa Caimi apresenta o artigo “Professores iniciantes ensinando História: dilemas de aula e desafios da formação”. Ela se propõe a investigar os processos de aprendizagem profissional de acadêmicos em situação de estágio curricular supervisionado, na licenciatura em História, com vistas a identificar de que conhecimentos e estratégias se valem esses sujeitos para dar conta das demandas e dos desafios que se colocam no contexto de iniciação à docência.
Helenice Ciampi traz o artigo “Os dilemas da formação do professor de História no mundo contemporâneo”, com uma instigante reflexão sobre aspectos dessa formação relacionados à globalização, sobre concepções de currículos e seu significado para a formação de seus profissionais, e ainda uma experiência de formação articulando os itens desenvolvidos.
Margarida Maria Dias de Oliveira e Itamar Freitas trazem o artigo “Desafios da formação inicial para a docência em História”, em que tratam das características dos cursos e formadores de professores de História hoje e de obstáculos existentes para a adequação dos currículos dos cursos às necessidades de formação dos professores do Ensino Básico.
Finalizando o Dossiê, Sonia Regina Miranda problematiza a ideia de ensino de História como lugar de fronteira epistemológica em seu artigo “Formação de professores e ensino de História em limiares de memórias, saberes e sensibilidades”. Partindo do referencial benjaminiano acerca da noção de ‘limiar’, a autora pretende avançar no sentido do entendimento do saber docente como algo ancorado em estruturas de plausibilidade profundas, nas quais os componentes da sensibilidade e dos modos de olhar e problematizar o cotidiano convertem-se em balizadores essenciais na formação de professores.
Esperamos que os leitores usufruam da diversidade de perspectivas presente neste Dossiê. Especialmente aos estudantes de nossos cursos de História, professores do Ensino básico ou professores universitários formadores de professores, desejamos que esta leitura propicie novas reflexões acerca do fazer de todos nós, a formação em História, contribuindo para o estabelecimento de novas representações acerca dessa formação.
Helenice Rocha – Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). E-mail: helarocha@gmail.com.
Wilma Baía Coelho – Faculdade de História, Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: wilmacoelho@ yahoo.com.br.
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