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O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa brasileira (de 1946 a nossos dias) | José Flávio Sombra Saraiva

A coleção Relações Internacionais (da Editora da Universidade de Brasília), coordenada pelo professor Amado Luiz Cervo, acaba de lançar uma importante obra sobre a política africana do Brasil e as relações Brasil-África, de autoria do africanista e especialista em relações internacionais José Flávio Sombra Saraiva. Este livro vem, em primeiro lugar, cobrir uma grave lacuna existente sobre o tema em nossos manuais universitários, atualizando, aprofundando e inovando o trabalho iniciado pelo professor José Honório Rodrigues com Brasil e África, outro horizonte (2 volumes) e pelo diplomata Adolpho Justo Bezerra de Menezes com Ásia, África e a Política Independente do Brasil e O Brasil e o mundo ásio-africano, todos eles trabalhos publicados no início dos anos 60.

Evidentemente os cursos de Pós-Graduação de Relações Internacionais, História e Ciência Política têm propiciado a elaboração de vários estudos específicos sobre este tema, mas não um abrangente, de síntese. Neste caso, merece referência o excelente trabalho geral do diplomata Fernando Marroni de Abreu, L’évolution de la politique africaine du Brésil, tese defendida na Sorbonne em 1988, mas não publicada. Assim, o livro recém lançado pelo Dr. Flávio Saraiva constitui o primeiro manual universitário sobre o conjunto das relações contemporâneas do Brasil com a África. Não se trata, contudo, de um simples manual, pois, se está apresentado com este perfil, nem por isso deixa de constituir uma obra de análise aprofundada, baseada também numa ampla documentação, bibliografia e entrevistas realizadas tanto no Brasil como na África.

Em primeiro lugar Flávio Saraiva nos mostra que o Atlântico não constitui apenas nossa rota para a Europa e para a América do Norte, pois suas margens converteram-se gradativamente numa região geopolítica particular e este Oceano também passou a aproximar-nos da África. O status colonial dessa região, bem como as relações estreitas (na dupla acepção desta palavra) com Portugal salazarista, fez com que esta fosse uma dimensão ausente em nossa política exterior, até que a descolonização africana e a Política Externa Independente do Brasil, fenômenos temporalmente paralelos, vieram alterar a situação. A ênfase adotada neste “nascimento da política africana do Brasil”, entretanto, foi ofuscada pela dimensão geopolítica adotada pelo primeiro governo militar com relação à África e ao Atlântico.

As necessidades econômicas e diplomáticas fomentadas pelo desenvolvimento industrial brasileiro, contudo, acabaram afirmando-se como forças profundas, como diriam Renouvin e Duroselle, e desde 1967 a África voltou à agenda da política externa como dimensão econômico-diplomática. Saraiva enfatiza a dificuldade de periodizar, mas encaminha uma proposta bastante satisfatória, identificando o período 1967-79 como “os anos dourados da política africana”, 1979-90 como a fase da “Pax Atlântica” e, a partir de 1990, como “opção seletiva”. Como contribuição a seu esforço pioneiro, também poderia ser destacado que durante os governos Costa e Silva e Médici a política africana do Brasil passou a novamente enfatizar o acercamento diplomático (obtendo apoio para suas teses de “democratização” das relações econômicas internacionais) e os interesses comerciais, mas primordialmente em relação aos Estados neocoloniais do Golfo da Guiné e à cooperação crítica com a África do Sul. Ou seja, a diplomacia brasileira simplesmente ocupou espaços já existentes, numa postura política bastante moderada.

Talvez o governo Geisel tenha representado, neste sentido, um certo corte, na medida em que adotou uma política de vanguarda em relação às transformações radicais por que passou a África Austral a partir de 1974-75. Com a atitude de reconhecer um governo marxista em Angola, o Brasil passava a atuar de forma prospectiva e a abrir espaços para o futuro, antecipando-se a outras potências. Neste sentido, embora os resultados materiais desta política tenham sido decrescentes à medida em que se prolongava a guerra, há uma linha de continuidade de 1974 até 1990. O declínio desta política está ligado às transformações internacionais dos anos 80, que limitaram a inserção do Brasil e tiveram, paralelamente, um efeito desastroso sobre a África.

A primeira metade dos anos 90 foi de perplexidade para a diplomacia brasileira e de um refluxo em sua política africana. Contudo, a medida em que o Mercosul se consolidava e a África do Sul encerrava a era do apartheid, abriram-se novas possibilidades. As “opções seletivas” que Saraiva enfoca no último capítulo sinalizam não para a mera escolha de parceiros individualmente importantes, mas para países que exercem certa liderança regional, por meio da qual seria possível atingir grande número de países, sem a necessidade de estar presente em todos eles nestes tempos de “Estado mínimo”. Neste sentido, o atual acercamento com a África do Sul de Nelson Mandela e a iniciativa da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZoPaCAS) afiguram-se como elementos estratégicos para retomar-se as antigas relações com a África Austral e com os países do Golfo da Guiné. Além disso, tal política é oportuna, pois parece que a África começa a superar a síndrome do “fim da História”, como os recentes acontecimentos do Congo-Zaire bem o demonstram.

Finalmente, entre outros méritos evidentes, o livro de Flávio Saraiva possui também uma perspectiva pela qual tenho me batido nos últimos anos: a de pensarmos as relações internacionais a partir do Sul. Longe de esperar pelas “novidades” francesas, inglesas e norte-americanas, já na introdução o autor lembra que os estudos sobre a inserção internacional da África geralmente estão associados ao universo das ex-metrópoles e das superpotências, e destaca que há, “do outro lado do Atlântico, uma forte tradição historiográfica que vem estudando as causas e os efeitos do colonialismo e suas consequências para as relações internacionais contemporâneas dos países africanos”. Assim, além de um manual indispensável, O lugar da África constitui um estudo sólido a partir de uma perspectiva inovadora.


Resenhista

Paulo G. Fagundes Vizentini


Referências desta Resenha

SARAIVA, José Flávio Sombra. O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa brasileira (de 1946 a nossos dias). Brasília: EdUnB, 1997. Resenha de: VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Revista Brasileira de Política Internacional, v.40, n.1, 1997. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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