Gilbert Durand, professor titular e emérito de filosofia, sociologia e antropologia da Universidade de Grenonle II e fundador do Centro de Pesquisa do Imaginário – centro que possuí sedes em inúmeros países, incluindo o Centro de Estudos do Imaginário, Culturanálise de Grupos e Educação (CICE), pertencente a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – é um conhecido pesquisador na área das ciências humanas e autor de diversas obras publicados no Brasil. Dentre elas destacam-se A Imaginação Simbólica, As Estruturas sociológicas do Imaginário e Campos do Imaginário.
Em O Imaginário: Ensaios acerca das ciências e da filosofia da imagem, seu mais recente livro publicado pela editora Difel em 2011, Durand faz uma síntese da história do imaginário no Ocidente. O autor traça um panorama das diferentes posições e papéis ocupados pela imagem na filofia, na religião e na formação do imaginário coletivo.
Gilbert Durand dialoga com filósofos clássicos como Sócrates, Platão, com filósofos da história como Marx, Weber e Hegel e também com autores contemporâneos como o antropólogo Claude Lévi-Strauss e o sociólogo Michel Mefesolli – do qual Durand foi professor – demonstrando grande domínio acerca do tema e uma enorme erudição ao lidar de forma particular e bem articulada com autores de diferentes períodos e campos do conhecimento.
O livro está dividido em três capítulos principais que se desdobram em vários subcapítulos. O denominador comum dos capítulos reside em um antigo paradoxo: a civilização ocidental, por um lado, proporcionou técnicas de expansão das imagens e, por outro, criou uma crescente desconfiança iconoclasta.
O Paradoxo do imaginário no ocidente é a primeira parte do livro e está dividida em três subcapítulos à saber: Um iconoclasta endêmico, As resistências do Imaginário e o Efeito perverso e a explosão do vídeo. Nela, o autor discorre sobre duas principais estéticas da imagem no ocidente, a do Império Bizantino e a da cristandade de Roma. Durand afirma que elas se desenvolveram de forma antagônica. Enquanto a primeira concentrou-se na figuração e contemplação da imagem humana transfigurada por Jesus Cristo, a Roma pontifícia introduziu o culto e a representação da natureza nas pinturas religiosas. Esse foco imagético promoveu um duplo efeito. O primeiro relacionou-se a diminuição da presença humana nas imagens, o segundo, diz respeito a facilitação do retorno de divindades elementais e antropomórficas dos antigos paganismo – visto que países de origem celta, como a França e Bélgica, adotaram a representação da natureza nas imagens religiosas, além de já possuírem uma herança e um imaginário permeado por divindades da natureza.
Resistências do Imaginário discorre sobre a circulação e a propagação de imagens que resistiram a perseguição e as proibições de suas manifestações. Os franciscanos, monges não enclausurados, foram um dos propagadores de uma nova sensibilidade religiosa, iniciada com a estética da imagem santa que a arte bizantina perpetuaria por vários séculos. Os franciscanos instauraram a devotio moderna, ou seja, a devoção e transposição de imagens para os ministérios da fé.
O efeito perverso e a explosão do vídeo, problematiza a importância do vídeo e da explosão de imagens no desenvolvimento cognitivo. Na civilização da imagem temos o fim da galáxia de Gutenberg que deu lugar ao reino da informação e da imagem visual. Coloca o problema da onipresença da imagem, presente desde o berço até o túmulo e a influencia exercida na vida social, promovendo uma espécie de manipulação icônica através das mídias e propagandas.
A segunda parte do livro As ciências do imaginário está dividida em seis subcapítulos: As psicologias das profundezas, as confirmações anatomofisiológicas e etológicas, as sociologias do selvagem e do comum, As novas crítica: da mitocrítica à mitoanálise, o imaginário da ciência e Os confins da imagem e do absoluto do símbolo: homo religiosus.
No contexto do cientificismo racionalista do século XIX, o Romantismo, o Simbolismo e o Surrealismo foram os bastiões da resistência dos valores do imaginário., Destaca-se também a descoberta do inconsciente por Freud, que passou a tratar a imagem como sintoma. Tal atribuição contribuiu para que a imagem perdesse a desvalorização que a acompanhava desde o período clássico.
Ainda no campo da psicanálise, o suíço Carl Jung foi importante para a normalização do papel da imagem ao desenvolver o conceito de inconsciente coletivo estruturado pelos arquétipos, ou seja, por disposições hereditárias para reagir. Os arquétipos se expressariam em imagens simbólicas coletivas e o símbolo seria a explicitação da estrutura do arquétipo.
Durand afirma que o imaginário constitui-se em um conector obrigatório pelo qual se forma qualquer representação humana, ou seja, para ele o pensamento forma-se pelo imaginário. A partir desta afirmação Durand dialoga com outros autores contemporâneos, como Mafesolli, ao entender o imaginário como uma realidade e não apena parte do onírico.
Durand situa alguns autores clássicos e sua relação com a categoria imaginário. Os trabalhos de Marx e Comte, por situarem-se a margem da civilização, provocariam uma recusa dos processos de consciência. Para não realizar este recuo percebeu-se o valor do imaginário e a ciência do homem social passou a abordar todas as declinações do pensamento. Autores como Gramsci dão ênfase as crenças folclóricas, relacionadas a subversão da ordem, este autor desmistifica a ideia de que a religião seria o ópio do povo, como colocou Marx. Ele abre o pensamento de Marx para o campo do simbólico, pois para Gramsci o domínio de classe não poderia ocorrer sem o domínio do simbólico.
Quais seriam as diferenças entre o papel desempenhado pela imagem no imaginário moderno e pós moderno? A partir da leitura da obra de Durand podemos elencar algumas considerações sobre esta problematização. No período moderno o imaginário se baseava na razão e no progresso. Um imaginário profético baseado na crença e na moral. Na pós modernidade a imagem não é mais associada a filosofia profética, a projeção assegurada do futuro já não funciona mais. Na pós modernidade as imagens do presente são acentuadas, ocorre a abolição das distâncias objetivas e emerge uma nova relação com o tempo e o espaço, de simultaneidade. As relações entre as pessoas se transformam.
Durand apresenta as novas críticas em relação ao imaginário. A mitocrítica, entendida como um sistema de interpretação da cultura, anteriormente discutido na obra As estruturas antropológicas do imaginário, publicada em 1960, propõe a compreensão das estruturas do imaginário a partir dos significados simbólicos e da reconstrução do trajeto antropológico em constante intercambio com as pulsões subjetivas e objetivas inseridas também no meio social.
Durand se desvincula em parte do estruturalismo de Levis Strauss, reconhecendo que para compreender o mito é necessária a reconstrução de suas estruturas, no plural. Se diferencia de Levis Strauss pela criação de um terceiro nível de leitura que ultrapassa o sincrônico e o diacrônico culminando no arquetípico e simbólico.
A mitocrítica estaria centrada na análise dos mitos de textos culturais (oral, escrito) e a mitoanálise seria mais abrangente, se estendendo para o contexto social no sentido de apreender os mitos vigentes de uma dada sociedade. A mitoanálise requer o exame do aparato social como arte, comportamento, produção institucional etc.
A concepção de imaginário de Durand pode ser vista como um leque, dialoga com diversos autores e estruturas de pensamento. Para ele, o imaginário é o museu de todas as imagens passadas e aquelas possíveis de serem produzidas. Seu projeto é desenvolver um estudo sobre o modo de produção destas imagens, como elas são transmitidas e como ocorre sua recepção. Durand insere as imagens em um trajeto antropológico que perpassa vários níveis, o neurológico, o social e o cultural.
Sabrina Fernandes Melo – Doutoranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGH – UFSC), integrante da linha de pesquisa Arte, Memória e Patrimônio e bolsista CNPQ. E-mail: sabrina.fmelo@gmail.com
DURAND, Gilbert. O imaginário: Ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro: DIFEL, 2011. Resenha de: MELO, Sabrina Fernandes. Imaginário e filosofia da imagem. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.33, n.1, p.225-229, jan./jun. 2015. Acessar publicação original [DR]
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