O historiador e seu tempo: encontros com a história | Antônio Celso Ferreira, Holien Gonçalves Bezerra, Tania Regina de Luca

O livro em pauta dá continuidade à série de encontros com a história, organizada pela Anpuh nas universidades do estado de São Paulo, em que já foram publicadas: Encontros com a História (1999) e Encontros com a História n. 2 (2001). A obra é resultado do XVIII Encontro Regional de História, realizado entre os dias 24 e28 de julho de 2006, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Assis. Ela reúne parte das conferências e mesas-redondas ali apresentadas, totalizando 13 textos.

No texto de abertura, Antonio Celso Ferreira discute por que os historiadores estariam às voltas com um período, no qual ficariam sem tempo ‘de fazer’ pesquisa e escrever, tanto quanto ‘sem tempo’ para ser apreendido na pesquisa histórica, pois, as categorias: passado, presente e futuro estariam cada vez mais voláteis. Para demonstrar esse problema, detém-se nos modos de produção, nos sujeitos e práticas e nos produtos, mercado, valor. No primeiro item, demonstra como os estudos históricos, do século XIX para o XX, teriam passado da arte (por estar intimamente ligados a um processo artesanal de produção) para uma indústria cultural; de um vínculo duradouro no trabalho universitário para um contrato provisório; de um conjunto de horas vagas para um tempo exíguo de produção e descanso; e da erudição à versatilidade (dada a cobrança atual de produção em larga escala).

No segundo item, discorre sobre as metamorfoses do trabalho intelectual de história, no qual se passaria da elite à massa; da maturidade à juvenilidade; do intelectual ao operador, em que “no século XIX, predominou a compreensão do historiador como homem de letras dedicado às atividades intelectuais da elite, distintas do trabalho banal e cotidiano”, enquanto no século XX ganhou “corpo a idéia do intelectual engajado nas causas políticas e sociais”, mas em suas últimas décadas, desolado com as crises dos projetos de esquerda, este estaria às voltas com um trabalho afinado “com os novos tempos de programação da individualidade e do consumo” (p. 19-20). No terceiro item, avalia quais os tipos de alterações que teriam ocorrido com os produtos do trabalho do historiador, no qual se iria da tese ao artigo e da raridade à profusão; do público seleto ao mercado insólito; da mega à nano-história, gerando, por isso mesmo, fluxos culturais intensos, em que as “pessoas do mundo cultural global […] falam a mesma linguagem, servem-se das mesmas máquinas e produzem os mesmos bens” (p. 25).

Ao demonstrar como Paulo Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., dentre outros ‘intérpretes do Brasil’, dialogaram com a obra de Oliveira Vianna nos anos de 1920 e 1930, Maria Stella Martins Bresciani, preocupou-se em reavaliar de que maneira sua obra foi lida, apreendida e criticada – tendo em vista o limbo para o qual foi lançada nos anos de 1960, por ser vista como conservadora e alinhada aos objetivos do Estado Novo. Em sua análise nos leva a um período em que as transformações elencadas por Ferreira sobre o trabalho e os resultados da pesquisa histórica, ainda estavam apenas no início do processo de profissionalização do trabalho intelectual de história. De igual modo, o texto de Emília Viotti da Costa, ao fazer uma reavaliação de seu livro Da senzala à colônia, quarenta anos depois de sua apresentação como tese de livre-docência, nos indicará o início do desenvolvimento do processo de massificação do trabalho intelectual de história no Brasil, a partir dos anos de 1950, quando preparava seu texto, e cujos desdobramentos do processo apenas se dariam entre os anos de 1980 e 1990. Nessa perspectiva, Rafael de Bivar Marquese e Cristina Wissenbach, também avaliaram as falas de Viotti, ao perscrutarem não apenas a obra da autora, mas ao vê-la em movimento na história da historiografia brasileira e, em especial, no interior dos estudos sobre a escravidão.

Numa perspectiva diferente, mas sugerindo os mesmos traços gerais das alterações dos campos da pesquisa histórica levantados pelos textos anteriores, Maria de Lourdes Monaco Janotti investigará quais caminhos apresentaria a análise da imprensa para o ensino e compreensão da ditadura. E Márcia Mansor D’Aléssio o complementa estabelecendo um interessante diálogo entre imprensa, história e historiografia. Para ela, o “tempo da contemporaneidade é mais rápido que o tempo dos períodos que a antecederam, e a aceleração da História tem […] um momento fundante: o da emergência do processo de industrialização”, mas isso “não significa absolutizar o tempo do mundo ocidental moderno, mas apenas apontar sua hegemonia no jogo da articulação contraditória entre as várias temporalidades da história” (p. 131). O texto de Tania Regina de Luca, em muitos aspectos, complementará essa discussão por apresentar uma análise da Revista do Brasil no período de 1916 a 1944. Igualmente comentado na análise de D’Aléssio, o texto de Tania de Luca, ao fazer a interpretação de uma publicação sequencial (semelhante às características de um jornal), demonstrará a peculiaridade das relações estabelecidas entre os intelectuais brasileiros nas primeiras décadas do século passado, quando o trabalho intelectual de história apenas esboçava seus primeiros contornos, a caminho da profissionalização, com as universidades.

Os trabalhos de Margareth Rago, Joana Maria Pedro e o de Lidia Possas irão circunstanciar como as questões de gênero e a história das mulheres, com o processo de profissionalização do trabalho intelectual de história, a intensa recepção dos debates historiográficos internacionais e as transformações do contexto histórico, deram ensejo a essas pesquisas, que foram ganhando terreno no último quarto do século passado nas universidades brasileiras, assim como entre o público leitor.

Já os textos de Helenice Ciampi e o de Maria Carolina Bovério Galzerani mostrarão como as metamorfoses dos tempos da História e dos tempos do historiador foram apreendidos pela produção dos saberes escolares. Para Ciampi, nos anos de 1990, “reforçou-se uma série de processos de exclusão dos professores, ocasionando, em paralelo, uma redefinição de suas funções sociais e profissionais, tradicionalmente atribuídas” (p. 203). Para Galzerani, “caberá a cada professor de História, a cada educador, atuar na mediação da produção dos saberes históricos escolares pelos próprios alunos, de forma que permita a emergência da diversidade das narrativas, contribuindo para a construção de relações educacionais mais dialogais e mais estimulantes, culturalmente” (p. 235). Assim, ao rastrearem os lugares da memória e os caminhos do conhecimento acadêmico no processo de formação e formatação dos saberes escolares, as autoras nos indicam como a história, a historiografia e o ensino de história, muitas vezes, apesar de caminharem juntas, seguem tempos históricos e métodos distintos.

Nesse sentido, ao vislumbrarem os tempos da História e os tempos do historiador, cada vez mais “sem tempo”, os textos aqui reunidos contribuem para o entendimento dos movimentos da História e de sua escritura, das metamorfoses de temáticas como o gênero e a história das mulheres, assim como evidenciam a maneira pela qual esse conhecimento é apreendido e refeito pelos saberes escolares.


Referências

AQUINO, M. A. (et. al.) Encontros com a História n. 2: sujeito na história: práticas e representações. São Paulo: Edusc, 2001.

FERREIRA, A. C.; IOKOI, Z. M. G.; LUCA, T. R. (org.) Encontros com a História: percursos históricos e historiográficos de S. Paulo. São Paulo: Edunesp, 1999.


Resenhista

Diogo da Silva Roiz – Doutorando em História pela UFPR. Bolsista do CNPq.

Referências desta Resenha

FERREIRA, A. C.; BEZERRA, H. G.; LUCA, T. R. (Orgs.). O historiador e seu tempo: encontros com a história. São Paulo: Edunesp, 2008. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. Os tempos da História e os tempos do historiador. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 5, n. 9, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

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