O golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus | Cristiane Lopes da Mota

Nos últimos anos o Brasil vem passando por uma série de mudanças políticas e manifestações públicas pedindo o retorno da ditadura ou de governos militares. Ainda que estarrecido com tais ações, estes acontecimentos nos permitem refletir e produzir novos estudos sobre o tema e pensar como estes estão chegando ao dito grande público.

Nessa perspectiva, lançado em 2016, resultante de sua dissertação defendida em 2013 na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), o estudo da historiadora Cristiane Mota, O golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus, traz significativas contribuições para se pensar o quanto o período influenciou diretamente na conjuntura política e social do município baiano referido, além de uma reflexão sobre nosso atual momento político.

De início, ressalta-se o pouco número de obras sobre a Bahia no período ditatorial, tendo a obra de Mota (2016) certo ineditismo não apenas no âmbito do município, mas na historiografia a baiana sobre tema. Fazendo uso de uma análise micro espacial, a autora nos permite olhares atentos à dinâmicas regionais que muitas vezes apresentam ações distintas de um modelo dito nacional, algo percebido na cidade de Santo Antônio de Jesus.

Importante mencionar que apesar do pouco número de obras que abordam a Bahia, e o Nordeste durante a ditadura, privilegiando a região Sudeste do Brasil, vem crescendo nos últimos anos. Como exemplo, destacam-se Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes de Grimaldi Zachariadhes (2009), Ousar lutar, ousar vencer: histórias da luta armada em Salvador (1969-1971) Sandra Regina (2013) e Mulheres e Militares – testemunhos sobre o golpe de 1964 no Nordeste de Eliane Fernandes e Rita de Cássia Araújo (2014).

No concernente à cidade trabalhada por Mota (2016), a ditadura apresentou inúmeras aplicabilidades e relações com a sociedade santantoniense, destacando o cenário político, campo este marcado por con­flitos e relações de poder.

No âmbito do trato com as fontes, a autora mantém constante diálogo com as fontes o‑ ciais a exemplo das atas da câmara de vereadores da cidade, as petições requeridas pelos vereadores, os projetos de lei, além de utilizar do recurso memorialístico e jornalístico.

Foi a partir delas que Mota (2016) identificou o crescimento social da cidade baiana pós-década de 60, algo permitiu a criação de novas instituições e as relações de proximidade/ apoio que passaram a manter com o Estado. Como descreve a autora,

A partir da década de 60, Santo Antônio de Jesus passou a ter mais instituições a exemplo de clubes sociais, escolas, igrejas. Enfim, a sociedade tornou-se mais complexa. Ou seja, o Estado passou a se comunicar com esses setores e, em alguns momentos, indivíduos dessas instituições compunham o próprio Estado.2

Em seu livro, Mota (2016) divide suas re­flexões em três capítulos, sendo eles respectivamente Alianças e desacordos: a recepção ao golpe de 1964; Dissidências e conflitos: os bastidores da Arena 1 e Arena 2; e A farda e o hábito em defesa da ditadura: o tenente Geraldo Pessoa Sales e a Madre Maria do Rosário. Tal divisão permite ao leitor compreender os acontecimentos e as implicações deles na sociedade santantoniense.

No primeiro capítulo, traça um panorama de como estava a cidade de Santo Antônio às vésperas do golpe civil-militar, realizando um apanhado histórico e político da cidade, algo significativo para se analisar a realidade local. Ainda neste, destaca questões partidárias, congratulações e recepções aos novos chefes de Estado militar ocorridas no município. Dessa forma, tendo em vista os impactos que a política militar gerou em diferentes níveis nos municípios brasileiros, a autora, ao escolher esta cidade, buscou observar o apoio ao Estado e as cisões políticas que ocorreram.

Ainda no primeiro capítulo Mota (2016) descreve um perfil biográfico de Antônio Fraga e Jose Trindade Lobo, os quais, segundo a autora, tiveram papel de destaque na política da cidade. Além cumprir o que propõe, a autora apresenta quanto o quadro político da cidade de Santo Antônio de Jesus era disputado e repleto de alianças, fazendo com que os personagens destacados por ela recebessem maior importância devido a suas influências políticas.

No segundo capítulo a autora destaca os conflitos entre a Ação Revolucionária Nacional (ARENA) 1 e 2, após o ‑ m do pluripartidarismo com sanção do ato institucional (A.I) de número 2, em 1965. Mota (2016) constatou que os políticos da cidade de Santo Antônio de Jesus alternaram o poder entre as ARENAS, contudo a partir de um cenário de conflitos, demonstrando o perfil político que reverberava e as ações de uma dita oposição.

Em seu terceiro capítulo, a autora busca apresentar o posicionamento de determinadas frentes da sociedade civil, tais como professores, padres, estudantes, buscando analisar como os investimentos feitos na educação trouxeram apoio ao regime instaurado. Como destaca Mota (2016), datas cívicas e importantes para o Estado, além de exigir a participação de educadores, apresentava grande apoio e apelo de políticos, padres e autoridades, algo que de certa forma fortalecia o imagético de apoio ao governo militar, ainda que houvessem ressalvas quanto a este apoio por parte das oposições que existiam.

Neste capítulo, Mota (2016) faz uma mescla de fontes, indo da jornalística às orais, traçando per‑ s importantes não apenas de políticos como Antônio Fraga e Jose Trindade Lobo, mas, de membros da sociedade civil que tiveram destaque para os caminhos que se reverberou a partir do golpe de 1964, remontando o quadro político da cidade em seu nível de importância para as decisões e influências.

No âmbito de personagens que tiveram evidência e representação para a sociedade santantoniense, a autora destaca o tenente Geraldo Pessoa Sales e a Madre Maria do Rosário de Almeida. Estes foram, segundo Mota (2016), figuras destacáveis por bravura e atos em defesa do Estado contra as forças comunistas em seus setores de atuação, os quais receberam como consta na obra, medalhas, condecoração e menções honrosas. Porém, em sua análise, ao cruzar as fontes já mencionadas, destaca os feitos e as controvérsias de tais personagens.

Outra preocupação da autora durante a obra foi destacar que, apesar dos grupos de apoio ao golpe, também havia os de oposição, demonstrando que o ato civil-militar não encontrou cem por cento de apoio, principalmente no interior, que carrega a alcunha de ser influenciado por políticas e ideologias dos grandes centros. Dessa forma, a obra de Mota (2016) nos permite pensar o enfrentamento e a recepção do golpe de 1964 na referida cidade e suas diferentes formas de enquadramento no cenário político local.

Após esta breve análise da obra de Cristiane Mota (2016), aqui a observamos como uma contribuição importante no cerne dos debates não apenas do período que apresenta, mas, também, no combate a uma historiografia que destaca apenas, ou que por muito tempo destacou, as regiões Sul e Sudeste do Brasil. Além disso, apresenta em suas entrelinhas um trabalho de história dita regional e local, centrada numa análise micro espacial.

Portanto, de leitura fácil e ­fluida, a obra de Cristiane Mota é bem condizente com o que se propõe. Além disso, permite ao leitor observar como se utiliza das fontes para compor suas análises sobre a cidade de Santo Antônio de Jesus e sua política durante os primeiros anos pós-golpe de 1964. Dessa forma, pesquisadores que busquem um trabalho que tenta demonstrar as relações entre a conjuntura nacional e um município brasileiro durante a ditadura civil-militar, a obra aqui apresentada é interessante tanto no ponto de vista acadêmico e suas análises, quanto nas problematizações de uma história regional e local.

Nota

2 Mota, 2016, p. 44.


Resenhista

Ary Albuquerque Cavalcanti Júnior – Doutorando em História – UFGD pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. E-mail: academicoary@gmail.com


Referências desta Resenha

MOTA, Cristiane Lopes da. O golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus. Salvador, BA: Sagga, 2016, Resenha de: CAVALCANTI JÚNIOR, Ary Albuquerque. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 11, n. 21, p.192-194, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]

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