O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo | Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto

Leandro Goncalves e Odilon Caldeira Fascismo
Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto | Fotos: Tribuna de Minas

O Fascismo em Camisas FascismoA obra O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo foi escrita pelos historiadores Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, e publicada em 2020, pela Editora FGV. No tocante aos autores, Gonçalves concentra suas pesquisas em questões relacionadas à História da América Latina nos campos da História Política e Cultural, bem como, estudos no âmbito das direitas, dos fascismos, integralismo, salazarismo e franquismo. Neto tem experiência na área de História Contemporânea e História do Tempo Presente, atuando principalmente nos temas: neofascismos, direita radical, transições democráticas e processos da extrema direita.

Logo na introdução, os escritores buscam promover para o leitor uma reflexão, no que alude a fazê-los entender que os acontecimentos históricos não ficam presos no seu tempo e inertes nos livros, mas que alguns deles estão em constantes metamorfoses, e se apresentam na sociedade tão velhos e tão atuais. E é a partir dessa premissa que o livro é desenvolvido, e ao longo dos seus quatro capítulos expõe e problematiza a história do movimento integralista brasileiro.

No primeiro capítulo, intitulado de A formação do Sigma: a Ação Integralista Brasileira, é enfatizada a apresentação do líder do integralismo, Plínio Salgado, e toda sua história, motivações e bases ideológicas que culminaram na formação da Aliança Integralista Brasileira (AIB). A qual, teve como inspiração o fascismo italiano, já que, Benito Mussolini (o líder dos camisas-negras) era para Plínio (denominado líder dos camisas-verdes) um exemplo político a ser seguido. Para mais, nesse processo de formação, além de influências ideológicas europeias a AIB se norteava nos ideais e objetivos da chamada tríade integralista, composta pelos três precursores do movimento, Gustavo Barroso, Miguel Reale e Plínio Salgado.

A partir dessa apresentação da formação do movimento integralista, o foco do capítulo vai sendo transferido para o processo de crescimento da chamada “família integralista”, e como essa organização se pautava em rituais e propagandas. Isso torna possível observar a que ponto esses aspectos estavam ligados a busca por novos adeptos e maior visibilidade política. Porém, com a grande adesão ao movimento, crescem também oposições para com ele, e a partir desse ponto de momentos conflituosos, a obra esmiúça a relação entre Plínio Salgado e Getúlio Vargas, que se inicia com alianças e se finda com dissidências que culminaram no exílio do líder dos camisas-verdes.

No capítulo dois, O integralismo entre a democracia e a ditadura os autores versam sobre o integralismo na clandestinidade, ocasionada pelo Levante Integralista (1938) e a tentativa de assassinato do então presidente Getúlio Vargas, derivada dos conflitos entre o presidente e o movimento. A clandestinidade, tal qual as prisões e o exílio de militantes – incluindo o próprio chefe, Salgado – é explicada mais afundo no capítulo, que foca também no esforço desse movimento por um novo começo, que garantiria novamente um espaço na política brasileira para os integralistas, e como tal esforço foi empreendido com a formação do Partido de Representação Popular (PRP) na volta de Plínio Salgado do exílio em Portugal.

No entanto, mesmo com orientações ideológicas tão claras, Salgado se vale da criação do novo partido integralista (PRP) para dar uma nova roupagem ao movimento, e isso se deve as modificações ideológicas e políticas globais, ocasionadas pelo fim da Segunda Guerra Mundial, que alçou o pensamento antifascista para o mundo. Dessa maneira, o líder dos integralistas objetivava para a nova fase do movimento negar o teor fascista – pelo menos por um tempo – e apresentar um integralismo “democrático” com bases estruturais católicas.

Conjuntamente, o livro expõe as alianças desfeitas (no que tange a tríade integralista) e formadas (com militares e políticos de extrema-direita) ambicionando a promoção de uma visibilidade política para os integralistas, que tanto a almejavam ao longo de sua trajetória. Por fim, o capítulo dois termina expondo como se deu o fim da vida política do chefe dos integralistas, e como sua imagem e ideologia foram projetadas para além daquele momento, fazendo Plínio Salgado, mesmo após sua morte em 1975, manter-se vivo no imaginário dos militantes do movimento.

A morte de Plínio Salgado e a origem do neointegralismo compõe o terceiro capítulo da obra, que busca enfatizar como a morte do líder põe fim ao integralismo. E como esse “adeus ao chefe” dá abertura a outra fase política do grupo, o neointegralismo. Novo ciclo esse, compromissado em manter vivo os ideais históricos do movimento integralista, mesmo que com novas faces. E pensando nesse fortalecimento, são criadas instituições para salvaguardar a memória e história de Plínio Salgado e do integralismo, mas se buscava também, manter uma organização dos antigos militantes e angariar novos simpatizantes. Exemplos de instituições que foram criadas com essas finalidades são a Casa Plínio Salgado (criada em 1981 e continua ativa até hoje) e a Associação Brasileira de Estudos Plínio Salgado (1976). Além do mais, para manter o movimento ativo na política nacional no momento de transição democrática (1985), foram criados o Partido de Ação Nacionalista (PAN) e o Partido de Ação Integralista (PAI), ambos com durações efêmeras.

Nesse contexto, intercorre simultaneamente o ressurgimento da AIB – ação essa desenvolvida por Anésio Lara, um advogado paulista e militante integralista desde 1950 – que resgata todo o teor fascista, antissemita e altamente conservador da Ação Integralista Brasileira. E essa retomada aos moldes fascistas do século XX, se relacionam diretamente com o momento vivenciado no Brasil na época, onde ocorria um alto crescimento de grupos neonazistas e neofascistas, que utilizavam de grupos skinheads como força paramilitar.

Ademais, essa parte da obra salienta também o processo de afastamento de Anésio Lara para com o movimento, e na atuação do Centro de Estudos e Debates Integralistas (CEDI), criado em 2001 e liderado por Marcelo Mendez, que partindo da finalidade de dar uma nova cara ao neointegralismo, acaba se marcando como uma figura de destaque para com o grupo, e assim como Plínio Salgado era visto como chefe dos integralistas, Mendez é alçado como líder dos neointegralistas, chegando até a cometer suicídio em 2002 em prol de uma centralização política dos neointegralistas, porém, as dissidências continuam.

No quarto e último capítulo da obra O neointegralismo no século XXI: das redes sociais à violência política, os autores abordam o modo como a morte do Marcelo Mendez impacta e promove ainda mais a desarticulação e coalização no cerne do neointegralismo, e como em meio a essa crise organizacional eles buscaram promover reorganizações para continuarem ativos na política do novo século. Firmes nesse propósito, passaram a desenvolver congressos e reuniões, que desencadearam o surgimento de três grupos do movimento, nascendo assim a Ação Integralista Revolucionária (AIR), o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B) e a Frente Integralista Brasileira (FIB), sendo a última a maior, mais organizada e ainda atuante das três.

É dessa maneira que o neointegralismo se mantém na política brasileira, fortalecendo suas corporações, criando alianças com diversos partidos políticos e sempre buscando espaço e defesa dos interesses próprios, mesmo que, em alguns momentos da história brasileira, essas atuações tenham sido singelas, como ocorreu nos mandatos do presidente Lula pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em que tanto o neointegralismo quanto outras organizações de extrema-direita estavam mais as sombras e desarticuladas.

Todavia, isso começa a mudar no primeiro mandato do governo da presidenta Dilma Rousseff (2011), pois o contexto da ascensão de uma mulher ao cargo mais representativo da política brasileira aquece os ânimos das organizações conservadoras, gerando assim um aumento da coalização política – obviamente também ligada a aspectos econômicos, sociais e ideológicos – e crescimento da visibilidade e apoio a esses grupos, aliás, os autores também esmiúçam como essa escalada autoritária culmina no impeachment da mesma.

Nessa conjuntura se consagra o bolsonarismo, fruto do massivo trabalho e uso das redes sociais, da divulgação de fake news, da intensificação de discursos de ódio e da criação ideológica do antipetismo, que recebeu grande apoio midiático. Em decorrência disso – e de demais aspectos – mesmo com resistências, a extrema-direita chega à presidência com Jair Messias Bolsonaro em 2019, e inicia um novo estágio da história política brasileira, a da extrema-direita no poder, e como a partir disso, os discursos da mesma passam a ser respaldados na sociedade, possibilitando assim notar como esses grupos mesmo com novas facetas e roupagens possuem raízes antigas. Assim, o integralismo, o neointegralismo e outros grupos conservadores se marcam tal qual uma história que ainda não passou, e seguem se metamorfoseando na política do país.

Em suma, depois do resumo do conteúdo abordado na obra O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo (2020) se faz necessário uma análise do livro enquanto aporte teórico para o estudo da história, ideologias e ressonâncias no movimento integralista brasileiro. E apesar de ser um livro curto (208 páginas) com um marco temporal extenso, ele cumpre o que se propõe, e com uma linguagem acessível trabalha os dados, as datas e as narrativas de formas relevantes para o entendimento dos contextos do integralismo e do neointegralismo, possibilitando assim ao leitor entender o imaginário e trajetória desses grupos autoritários e como eles se mantém ativos.

Posto isto, ao ler esse livro se percebe como pesquisas acerca do tema se fazem relevantes, pois através do ato de documentar se faz possível entender e questionar os rumos do Brasil hoje. E como exposto no início da resenha, a História não está presa no passado, ela continua viva e atual, e é assim que a obra se compromete com a História do Tempo Presente, apresentando para quem a lê familiaridades com um movimento político que ocorreu no século XX. Além de possibilitar também a visualização das permanências e mutações do maior movimento de extrema-direita da República Brasileira e da América Latina, e como de forma oculta ou declarada grupos reivindicam essas heranças. E é pela semelhança com a atualidade que essa leitura em alguns pontos enfurece, incomoda, e aumenta o desejo de lutar para conter o fascismo que ainda ascende.

Referências

GONÇALVES, L. P; NETO, O. C. O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2020.


Resenhista

Janaína de Oliveira Souza – Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: jana_oliva@outlook.com


Referências desta Resenha

GONÇALVES, Leandro Pereira; CALDEIRA NETO, Odilon. O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2020. Resenha de: SOUZA, Janaína de Oliveira. Do integralismo ao neointegralismo: o fascismo brasileiro para além do passado. Boletim do Tempo Presente. São Cristóvão, v. 10, n. 09, p. 43-46, set. 2021.

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