O ensino do léxico na Educação Básica | Leia Escola | 2021
É com grande entusiasmo que apresentamos aos leitores este dossiê, intitulado “O ensino do léxico na Educação Básica”. O entusiasmo provém da convicção de que este material, de fato, pode contribuir para fomentar o interesse pelos estudos sobre o ensino do léxico, que tem sido, de certa maneira, negligenciado pelas pesquisas linguísticas. Diferentemente do que se observa em muitos estudos e em consonância com a pesquisa linguística contemporânea, neste material o léxico não é investigado de maneira dissociada da gramática. Os estudos aqui apresentados têm em comum a percepção de que léxico e gramática são como duas faces de uma mesma realidade e atuam de forma colaborativa para criar e desenvolver o que chamamos de competência lexicogramatical dos estudantes.
Considerar léxico e gramática como componentes integrados não impede, contudo, que, por razões metodológicas ou didáticas, um ou outro desses componentes seja tomado como objeto de estudo. Neste dossiê, é o léxico que emerge como objeto de investigação, ou, mais precisamente, o ensino do léxico. Esse ensino, que é recomendado pelas diretrizes oficiais no Brasil, faz parte dos objetivos almejados para a disciplina de língua portuguesa como língua materna e como língua estrangeira ou segunda.
Assim, aqui estão reunidos oito artigos de múltiplas vertentes teóricas que abordam o léxico como objeto de conhecimento na aula de português, em atividades de análise linguística. Tais investigações defendem, de um modo geral, que o léxico precisa receber outro tratamento na aula de português, com reflexões diversas sobre todas as dimensões da palavra, desde sua constituição morfológica, passando pelas relações semânticas estabelecidas, até seu papel na construção da textualidade (NEVES, 2020).
No primeiro artigo, intitulado “Léxico e acesso discursivo: reflexões para o ensino de língua materna”, Lílian Noemia Torres de Melo Guimarães investiga as relações entre léxico e acesso discursivo, como também discute sobre as possíveis contribuições que o estudo, em sala de aula, de manchetes de notícias publicadas e reescritas por redes sociais pode proporcionar para despertar reflexões críticas acerca das escolhas lexicais do discurso midiático. O corpus do trabalho se restringe ao domínio jornalístico, tendo como foco manchetes de notícias publicadas nas redes sociais da “Caneta desmanipuladora”.
No segundo artigo, intitulado “As relações lexicais como mecanismo de coerência”, Gabriel Dias Vidal Azevedo e Umberto Euzébio focalizam a relação entre coerência e léxico, a partir da análise de redações de exames vestibulares, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No trabalho, os autores também apresentam propostas para o trabalho com a produção de textos na escola.
O terceiro artigo, “Ensino textualizado do léxico: um olhar para o metatexto didático”, escrito por Rochelle Kilvia Nascimento Mendes e Maria Helenice Araújo Costa, investiga como estudantes constroem os sentidos de itens lexicais com base no (con)texto e mediados por metatextos didáticos de língua materna. A pesquisa ajuda o leitor a compreender como os aspectos sociocognitivos se coadunam para a construção de sentidos de itens lexicais. Os resultados da pesquisa sugerem que o ensino do léxico deve ser contextualizado e compartilhado pela turma com base no processo de textualização e que aulas mediadas por metatextos didáticos viabilizam a reflexão e ampliação do conhecimento.
No quarto artigo, “A complexidade da classe dos adjetivos: repercussões para o ensino”, Ana Lima, partindo da evidência de que, na escola, faz-se um estudo superficial e simplificado dos itens adjetivais, apresenta e discute a complexidade da classe dos adjetivos, na expectativa de que as reflexões alcancem aqueles que se dedicam ao ensino dos itens dessa classe. Os exemplos apresentados e analisados no trabalho foram coletados de enunciados e de sintagmas nominais presentes em textos de diversos gêneros, orais e escritos, de ampla circulação. O corpus do trabalho, então, representa os usos reais da língua portuguesa, em sua variedade brasileira.
No quinto artigo, “Léxico ou gramática? A indeterminação em gramáticas escolares do português brasileiro”, Herbertt Neves focaliza o tratamento escolar da indeterminação do sujeito em gramáticas voltadas para o Ensino Médio. O autor analisa duas gramáticas escolares amplamente adotadas nas escolas brasileiras e verifica um enfoque mais voltado para a gramática e distante do léxico, além de uma abordagem descontextualizada do fenômeno linguístico.
No sexto artigo, “O uso do dicionário escolar de Língua Portuguesa no ensino básico brasileiro: algumas reflexões”, Pedro Antonio Gomes de Melo problematiza a subutilização do dicionário escolar em práticas de professores de português que atuam no Ensino Básico em suas diferentes fases e ciclos, reduzindo-o, tão somente, a um instrumento regulador de uso da língua falada e escrita. No trabalho, o autor defende que as atividades com os dicionários escolares, no Ensino Básico brasileiro, precisam ser menos intuitivas e mais sistemáticas e realizadas de forma crítica e reflexiva, alicerçadas por uma formação (inicial e/ou continuada) que possibilite ao professor um melhor conhecimento e um aproveitamento pedagógico mais eficaz do texto lexicográfico nas aulas de língua portuguesa.
No sétimo artigo, “A morfologia no ensino de português para estrangeiros: uma análise de materiais didáticos”, Nildicéia Aparecida Rocha e Thainá Cristina da Silva Ferreira analisam o ensino da morfologia em três materiais de português para estrangeiros. Considerando a não valorização da morfologia no ensino de língua materna no Brasil, as autoras investigam se a morfologia é pensada ao ensinar português para estrangeiros, visto que muitas línguas apresentam processos morfológicos diferentes ou se expressam por outros recursos linguísticos. Especificamente, o trabalho analisa como são apresentados os temas de flexão verbal – no presente e pretérito perfeito do indicativo – e flexão nominal – de gênero e número em vocabulários de família, profissões e nacionalidades – visando verificar se há sistematizações e explicações que considerem os processos morfológicos e morfofonológicos.
Por fim, no último trabalho, intitulado “Variação lexical e ensino da língua portuguesa em Moçambique”, Rajabo Alfredo Mugabo Abdula reflete sobre a variação lexical e o ensino do léxico nas escolas moçambicanas, olhando pela forma como a escola deve tratar as variedades linguísticas faladas pelos alunos em função de a escola ensinar a norma-padrão europeia, que não é a variedade falada pela maioria da população moçambicana falante de português.
Há, ainda, dois trabalhos que pertencem a este dossiê, uma resenha e uma entrevista. Na resenha “Por um ensino de língua que reflita a realidade linguística brasileira”, Ana Lima reflete sobre a obra “Variação, gêneros textuais e ensino de Português: da norma culta à norma-padrão”, organizada por Silvia Vieira e Débora Lima. No texto, são retomadas questões sobre o português brasileiro e sua relação com o ensino dessa língua. Alguns aspectos lexicais são estudados, portanto, em reflexões sobre a análise linguística na aula de português.
Em “Conversando sobre o ensino do léxico: uma entrevista com Maria Auxiliadora Bezerra”, Herbertt Neves, Evanielle Freire Lima e Maria Aline Rodrigues Bezerra entrevistam a renomada professora e linguista brasileira Maria Auxiliadora Bezerra, que, durante vários anos, dedicou-se a refletir sobre o ensino do léxico/vocabulário na aula de português. Na conversa, como indicam os autores, a professora dialoga sobre os principais aspectos envolvidos no ensino do componente lexical do português e sua relação com as diversas práticas de linguagem.
No conjunto, os trabalhos deste dossiê corroboram a perspectiva de que o léxico não deve ser estudado de maneira isolada e descontextualizada, pois, sendo “o lugar da estocagem da significação e dos conteúdos significantes da linguagem humana” (BIDERMAN, 1996, p. 27), tem alta relevância para o desenvolvimento da competência comunicativa dos usuários da língua.
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A seção de artigos livres é iniciada com o artigo “Ensino de sintaxe em videoaulas para exames de larga escala” de João Vitor Bezerra Laurentino e Williany Miranda Silva, objetivando identificar os conteúdos de sintaxe presentes em videoaulas de sites para exames de larga escala e o tratamento teórico-metodológico concedido a esses conteúdos. Em seguida temos “Romeu e Julieta no palco dos pecadores: um diálogo entre Shakespeare, Athayde e Suassuna” de Davi Ferreira Alves Nóbrega e Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega que aproxima o texto suassuniano das outras versões da tragédia, atentando para o emprego estético do intertexto como um aspecto central em Dom Pantero. Em “A objetificação do espectador: cinema, indústria cultural e semiformação”, Adriana Vieira de Souza apresenta o cinema a partir da ótica da filosofia de Adorno, no âmbito de pesquisas acadêmicas e discute as categorias indústria cultural e semiformação, sobre cinema concebido como mercadoria, e seus impactos no processo semiformativo do espectador. Fechando o conjunto de artigos da seção temos “A avaliação de língua estrangeira no enem: um diálogo entre as questões de espanhol e os documentos orientadores da educação brasileira” das autoras Giovana Lazzaretti Segat e Juliana Roquele Schoffen que analisa as questões da prova de espanhol do Enem a fim de registrar possíveis regularidades do exame, traçando um paralelo entre as orientações curriculares para o Ensino Médio e o Enem, a partir de um corpus de 45 questões, aplicadas no exame entre 2010 e 2018.
Queremos finalizar esta Apresentação fazendo um convite aos leitores, em uníssono com o poeta Drummond:
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave? (Carlos Drummond de Andrade, em “Procura da Poesia”)
Boa leitura!
Referências
BIDERMAN, M. T. C. Léxico e vocabulário fundamental. In: ALFA, São Paulo, 40: 27-46, 1996.
NEVES, H. Argumentatividade das palavras: construção de aparato textual-interativo para o estudo do léxico e análise em textos do jornalismo recifense sobre as eleições de 2018. 2020. 259 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2020.
Organizadores
Herbertt Neves
Lílian Noemia Torres de Melo Guimarães
Ana Maria Lima
Referências desta apresentação
NEVES, Herbertt; GUIMARÃES Lílian Noemia Torres de Melo; LIMA, Ana Maria. Apresentação. Leia Escola. Campina Grande, v. 21, n.2, p. 06-08, ago. 2021. Acessar publicação original [DR]