Um livro de mais de mil páginas assustaria grande parte dos leitores contemporâneos, ávidos por literatura ligeira, descartável e de linguagem fácil. A esse leitor desapercebido, sem interesse ademais por um substantivo discurso jurídico a incluir a dimensão de um “mundo em transformação”, quando o que lhe interessaria seria a “conservação do mundo”, da sua paróquia, da sua tribo, como nos faz recordar Mafesoli o novo livro de Antonio Augusto Cançado Trindade nada lhe dirá.
A todos nós, no entanto, que acompanhamos desde os anos 1970, a difícil forja de um pensamento brasileiro de relações internacionais, não mais prisioneiro da cópia e da reprodução colonial que insiste em imperar nas salas de aula dos nossos cursos de graduação e pós-graduação na área, nada poderia ser mais bem recebido que o novo livro do grande internacionalista. Reagindo de forma explícita à reprodução do discurso dos outros, especialmente dos centros hegemônicos, mas antenado à revolução conceitual e na jurisprudência do Direito Internacional Público nas últimas décadas em muitas partes do mundo, a obra do elegante professor e jurista brasileiro das relações internacionais traz um contentamento elevado para todos aqueles que militam no campo.
O prefácio de Celso de Albuquerme Mello fala por si: “o presente livro é uma relevante contribuição à ciência jurídica por parte de um brasileiro. Os estudos que nele constam são notáveis e da maior importância para quem pretende se dedicar ao Direito Internacional Público no Brasil.” (p. x). Cançado Trindade completa, ainda moço, uma obra da maturidade que apenas o sacrifício, o talento e a dedicação permitem construir. Em torno de vinte e quatro capítulos, estão produzidos 24 estudos, publicados nos últimos 25 anos, de forma dispersa, em diferentes meios de divulgação, mas encontram agora sua perenidade na obra essencial aos cultores e aprendizes do Direito Internacional Público.
Como chama a atenção Cançado Trindade, o Direito não opera no vácuo, mas no ambiente processual que faz do mundo cada vez mais mundo, diverso em sua experiência e no tempo. Essa evolução do campo é por ele observada, de forma magistral, ao desvendar a densidade histórica dos últimos 25 pela via da transformação alcançada, em especial a partir da criação da Organização das Nações Unidas.
Seu texto mais longevo na obra, aquele dedicado ao “Domínio Reservado dos Estados na Prática das Nações Unidas e das Organizações Regionais”, 1976, que é versão resumida do relatório apresentado ao Centro de Pesquisas da Academia de Direito Internacional da Haia, na sessão de 1974 depois traduzido e reproduzido para o International and Comparative Law Quarterly, de Londres (1976), às páginas 713-765 expõe, há quase trinta anos, o vigor de sua escritura concisa e do argumento forte: “À medida que o direito internacional tradicional evoluía com a finalidade primordial de regulamentar as relações entre Estados independentes e soberanos, certas técnicas e medidas desenvolviam-se, tanto na prática quanto na teoria, para a preservação do domínio reservado estatal”. Postulava o jovem estudioso uma matriz para uma tensão altamente contemporânea e viva no transcurso da vida política internacional desses dias.
Obedecendo a escolhas das mais apropriadas, os 24 textos que se sucedem na obra nos trazem até o tempo mais recente são lições acerca de determinados capítulos do Direito Internacional na época em que os escreveu. Organizados em torno dos grandes temas formação e fontes do Direito Internacional, teoria geral e fundamentos do Direito Internacional, tratados internacionais, regulamentação dos espaços direito do mar, responsabilidade internacional dos Estados, jurisdição internacional, proteção internacional dos direitos humanos e dos povos, solução pacífica de controvérsias internacionais, não-uso da força no Direito Internacional, novas dimensões e desafios do Direito Internacional o livro se constitui no manual mais importante nessa área publicado por um brasileiro, no Brasil, e certamente um livro essencial e várias partes do mundo, a ser julgado pelo tempo.
Essencial para a afirmação da criatividade brasileira no campo internacionalista, atrevo-me a dizer que a nova obra de Antonio Augusto Cançado Trindade, pelo seu caráter arqueológico (a colher visões em tempos distintos nos últimos 25 anos) também traz a alma do nascedouro da primeira experiência acadêmica brasileira nos estudos internacionais, quando o jovem estudioso chegava à Universidade de Brasília, em 1978, para conduzir a experiência pioneira de criação da primeira graduação brasileira em Relações Internacionais. Que as lições do mestre, hoje presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sejam bem percebidas pelos seus seguidores.
Resenhista
José Flávio Sombra Saraiva
Referências desta Resenha
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. O Direito Internacional em um mundo em transformação. São Paulo-Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Resenha de: SARAIVA, José Flávio Sombra. Revista Brasileira de Política Internacional, v.45, n.2, 2002. Acessar publicação original [DR]
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