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O comércio de marfim no mundo atlântico: circulação e produção (séculos XV a XIX) | Vanicléia Silva Santos, Eduardo França Paiva e René Lommez Gomes

Lançada em 2018 pela Clio Gestão Cultural e Editora, a obra O comércio de marfim no mundo atlântico: circulação e produção (séculos XV a XIX) integra o sétimo volume da série Estudos Africanos, promovido pelo Centro de Estudos Africanos da Universidade Federal de Minas Gerais (Diretoria de Relações Internacionais). A proposta da série é fomentar um pensamento multidisciplinar e etnicamente diverso ao criar e fortalecer parcerias entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros em diferentes áreas de atuação. Sônia Queiroz, professora do departamento de Letras da UFMG e membra do Centro de Estudos Africanos (CEA), na apresentação da série, afirma ser pretensão do volume “dar materialidade à cooperação Brasil-África” (SANTOS; PAIVA; GOMES, 2018, p. 10).

O livro faz parte de uma consistente parceria de pesquisa entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Lisboa (UL), que objetiva realizar o levantamento de novas fontes e dados sobre a produção, circulação e usos do marfim no contexto atlântico. Tal parceria foi criada em 2013 e reafirmada em 2015 no projeto Marfins Africanos no Mundo Atlântico: uma reavaliação dos marfins luso-africanos, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) de Portugal. A intenção do projeto, e das produções acadêmicas financiadas por ele, como o volume em questão, é compreender a circulação atlântica dos marfins africanos e suas articulações com o Índico; investigar a diversidade de centros produtores de objetos de marfim na África e suas linguagens artísticas; complexificar os estudos do marfim africano em seus aspectos cultural, intelectual e material; e trazer novas informações a respeito da multiplicidade de intercâmbios culturais estabelecidos em diversas áreas do Atlântico e do Índico. Os pesquisadores buscam, assim, preencher a lacuna historiográfica sobre o tema em relação ao Brasil, à África em suas diversidades culturais e econômicas e às rotas atlânticas.

A principal referência bibliográfica, em diálogo com todos os capítulos, é uma coletânea organizada por Vanicléia Silva Santos, intitulada O marfim no mundo moderno: comércio, circulação, fé e status social (séculos XV-XIX), publicada um ano antes, 2017. Nela, os autores já se propunham repensar a cultura material envolvendo o marfim em seu contexto supranacional. O livro analisado nesta resenha configura-se, assim, como um amadurecimento de pesquisas já realizadas. Fruto de debates, os trabalhos que o compõem também resultam do II Seminário Internacional de Pesquisa “Marfim Africano no Espaço Atlântico: circulação, manufatura e colecionismo”, realizado em maio de 2017 em Belo Horizonte (MG).

Com introdução de Vanicléia da Silva Santos, o volume apresenta dez capítulos e é dividido em duas partes. Na primeira, intitulada “O marfim africano: o comércio e a produção em África e no Brasil”, os autores investigam a trajetória do marfim desde a produção até o comércio e os usos na África, no Brasil e em outras áreas do Atlântico. Na segunda parte, “Objetos devocionais em marfim no Brasil Colonial”, os autores abordam a confecção e circulação de artefatos com este material, com destaque para objetos religiosos, seus usos e significados para diferentes grupos sociais no período colonial e, ainda, a importância da fotografia digital para a realização de pesquisas. Nesta parte, a obra nutre um diálogo, muitas vezes bem específico e denso, com as áreas da Museologia, Restauração e Conservação e da História da Arte.

O marfim é um material orgânico, durável, de ótima plasticidade e utilizado desde as antigas civilizações para a fabricação de uma diversidade de peças. A obra em questão abre perspectivas para o estudo do material voltado ao Mundo Moderno, afastando-se das abordagens tradicionais sobre sua presença em coleções de gabinetes de curiosidades europeus e sobre o hibridismo cultural euro-africano nas peças lavradas. Não que essas questões sejam irrelevantes, mas elas foram abordadas em uma série de estudos consistentes1 acerca de objetos em marfim distintos daqueles identificados no Brasil, objetos com finalidade devocional ou utilitária. Para isso, as diferentes contribuições analisam o contexto de extração, produção e comercialização do marfim no próprio continente africano, mais especificamente ao longo da costa ocidental, bem como os destinos e usos finais das peças in natura ou lavradas que cruzaram o Atlântico e chegaram ao território brasileiro.

Os autores utilizam diversos tipos de fontes: testamentos e inventários post-mortem; relatos de viajantes; balanços comerciais oficiais; documentos alfandegários; registros de entradas e saídas de navios; relatos de jesuítas; jornais; documentos cartoriais e imagens de acervos privados. Rico em informações, o livro traz uma série de tabelas com detalhes sobre conteúdo das embarcações, preços, descrição de itens em marfim etc.

Extraído principalmente nas regiões da Senegâmbia, Congo, Angola e Golfo do Benim, o marfim era destinado principalmente à Europa e ao Brasil, nas regiões da Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Grão-Pará, Maranhão e Minas Gerais, mas também à Índia e China. Dentre as imagens devocionais, o Cristo Crucificado foi aquele que mais circulou entre as possessões portuguesas, destinado geralmente a igrejas e religiosos. O perfil dos proprietários de objetos de marfim no Brasil, conforme demonstraram os testamentos e inventários post-mortem e relatos de viagem, analisados pelos autores, eram homens brancos integrantes da elite e uma minoria de mulheres brancas e africanas forras que consumiam os produtos como forma de distinção e status social, tal como sucedia na África e na Europa.

Todavia, apenas a partir do século XVII, devido à intensificação do tráfego marítimo entre as regiões do Império português, o marfim, in natura ou lavrado, se tornou comercializável de forma sistemática em diversos portos do mundo, consolidando-se como um item de luxo em escala global. Entretanto, mesmo no século XIX, ele ainda era um produto de consumo limitado e suas peças continham alto valor agregado.

Por exemplo, com a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, e com a independência do Brasil, em 1822, a nova sociedade carioca, alicerçada por padrões de distinção social, intensificou o consumo de objetos de luxo, inclusive de marfim, com vistas a promover e solidificar hierarquias. Faziam parte desse consumo ostentatório colheres, saleiros, louças, punhos para adaga, peças de xadrez, seringas, canudos, leques, pentes, bengalas, crucifixos etc. O Brasil, portanto, estava plenamente inserido em um mercado global de marfim.

Trilhando esta seara, o volume se alinha a uma tendência historiográfica denominada História Atlântica, que busca desnaturalizar marcadores temporais e espaciais sedimentados na tradição acadêmica, a exemplo da divisão do tempo em Eras (Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea) e da geografia em fronteiras nacionais. Nesse diálogo, atesta que o Estado-nação perdeu espaço como vetor para a construção de arcabouços conceituais e metodológicos.

No capítulo “Novas aproximações sobre o comércio, produção e o uso de marfim”, por exemplo, Felipe Malacco se vale do conceito de “mundo atlântico” postulado por Bernard Baylin (2005, p. 61). Baylin afirma que utilizar o termo envolve não só uma alteração de vocabulário, mas sim construir um olhar de pesquisa fora de padrões temporais e geográficos tradicionais. Procurar uma definição de “mundo atlântico” estática, que abarque três séculos de constantes conexões, é impossível e pode criar paralelos e interpretações irreais ou inconsistentes. O “mundo atlântico” é multicultural, e sua história deve ser construída analisando as redes de troca em suas conjunturas específicas.

No entanto, não é possível compreender a história do atlântico sem considerar a escravidão. Nesse sentido, a obra correlaciona a circulação do marfim com o comércio de escravos, seja porque o material, e seus objetos lavrados, vinham muitas vezes nos mesmos navios que os africanos escravizados, seja porque o tráfico de pessoas foi a atividade que mais movimentou as rotas comerciais do atlântico na idade moderna, tendo influência direta sobre diferentes produtos, como o marfim. Pierre Verger (2002), John Thornton (2004) e Luís Felipe de Alencastro (2000) são, nesse contexto, importantes referências historiográficas, pois abriram caminhos de investigação fundamentais no que diz respeito às conexões diretas e influências mútuas entre Brasil e África Ocidental. A sociedade brasileira foi formada a partir dessas trocas não só econômicas, mas também culturais, políticas, biológicas etc. A História do Brasil, assim, integra-se à História da costa ocidental africana por meio do atlântico e vice-versa.

Portanto, a opção da maioria dos autores em trabalhar com o conceito de História Atlântica foi positiva, visto que eles(as) pretenderam compreender o Atlântico como um sistema de circulação contínuo, como espaço de redes de trocas culturais e econômicas2 . A obra mantém, assim, um forte diálogo com a conjuntura atual, que vivencia, de forma cada vez mais intensa, intercâmbios, redes, conexões e fluxos globais, tanto de ideias quanto de pessoas e produtos.

Nesse diapasão, diversos pesquisadores propuseram-se a investigar historicamente produtos relevantes da economia-mundo, no contexto de sua expansão e dinamização pelos diversos impérios, a respeito dos quais podemos citar os trabalhos de Sven Beckert (2014), sobre o algodão; Andrew Smith (2015), sobre o açúcar e Gregory Cushman (2014), sobre o guano. Os pesquisadores reunidos no livro ora resenhado dialogam, portanto, com uma historiografia atualizada em torno das questões da história global.

No entanto, um diferencial em relação aos demais trabalhos investigativos que focam produtos/mercadorias em escala global, está no fato de que a obra consegue evidenciar a atuação de diversas sociedades envolvidas no comércio do marfim, e não somente a sede do poder imperial. Assim, em O comércio de marfim no mundo atlântico: circulação e produção (séculos XV a XIX), os autores conseguem introduzir múltiplas vozes do sistema-mundo Atlântico do período moderno.

A primeira parte é composta por quatro capítulos. O primeiro, “Novas aproximações sobre o comércio, produção e o uso de marfim Guiné do Cabo Verde (1448-1699)”, escrito por Felipe Malacco, estuda o comércio e circulação do marfim sob o enfoque da região conhecida como Guiné do Cabo Verde. Para isso o autor analisa principalmente a coletânea documental intitulada Monumenta Missionária Africana, em diálogo com uma historiografia especializada nos assuntos relativos aos marfins “afro-portugueses”. Sob uma perspectiva africana, ele reflete que, mesmo em momentos de tensão política e suspensão do comércio com os europeus, houve a continuidade da produção e dos usos locais dos objetos artísticos de marfim pela população. Dessa forma, concluiu que o uso do material e a sua importância na cultura interna da região eram independentes da presença europeia. Malacco também argumenta em favor do protagonismo das sociedades africanas nos procedimentos de extração, produção e comércio do marfim.

O capítulo dois, “Múltiplos de papel e marfim: Islã, cultura escrita e comércio atlântico na Senegâmbia (século XVI-XVII)”, escrito por Thiago Henrique Mota, aborda o comércio e o uso do papel na região da Senegâmbia, analisando para isso a relação entre o mercado atlântico em formação e a expansão do Islã na África Ocidental. O autor argumenta que as navegações portuguesas proporcionaram maior acessibilidade do papel à população local e, assim, fortaleceram a cultura escrita de âmbito religioso, por ser essencial para pregadores muçulmanos nas escolas corânicas. Isso porque o marfim desempenhava uma importante função como moeda de troca para a obtenção do papel, além de estimular e movimentar o comércio interno africano por meio de trocas intermediárias envolvendo outros produtos, como o sal.

O capítulo três, “Marfins na rota atlântica: a circulação do marfim entre Luanda, costa brasileira e Lisboa (1724-1826)”, escrito por Rogéria Cristina Alves, enfoca as conexões entre Luanda, Lisboa e a costa brasileira no que tangem o comércio do marfim. A autora destaca a agência africana nesse importante comércio, principalmente de Angola, e a grande movimentação material e cultural que ele proporcionava nos portos da costa centro-ocidental da África e na costa brasileira. Com isso ela pretende levantar possibilidades de estudo sobre a circulação desse material no Brasil e desvincular a história da África no Atlântico do viés da escravidão, que, apesar de intenso, não deve ser considerado o único foco de análise. O trato do marfim, nesse contexto, desempenhou papel fundamental no circuito econômico do Atlântico Sul.

Já o capítulo quatro, “De presas de elefante a leques, bengalas, placas para retratos e crucifixos. Notícias sobre o comércio e o uso de objetos em marfim no Brasil imperial”, escrito por André Onofre Limírio Chaves e René Lommez Gomes, encerra a primeira parte. Os autores analisam notícias e anúncios oitocentistas, publicados no Rio de Janeiro, Salvador e Recife, e traçam um painel do comércio, manufatura e utilização do marfim nessas regiões, alegando que a mudança da corte para o Rio de Janeiro e a independência do país ampliaram o mercado interno do material in natura e lavrado. Além disso, investigam os valores simbólicos projetados sobre os objetos de marfim, usados pela sociedade imperial, principalmente pela nova elite nacional. Os autores ainda destacam a frequência da importação do material e o rico comércio da costa ocidental da África com o Brasil, cujas trocas não se limitavam ao tráfico de escravos.

O capítulo cinco, “Imaginária sacra em marfim presente no inventário da expulsão dos jesuítas (1760)”, escrito por Isis de Melo Molinari Antunes, inaugura a segunda parte da coletânea, que enfoca a circulação e produção local de objetos em marfim, principalmente nas regiões de Minas Gerais e do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Nele a autora realiza um estudo do inventário dos bens dos jesuítas, no Estado do Grão-Pará e Maranhão, encontrando 21 peças de marfim. Uma das peças, um Cristo Crucificado indiano, foi encontrada no Museu de Arte Sacra do Maranhão. A autora discute a biografia do objeto, concluindo que é possível supor a existência de produção local de imaginária católica em marfim nas oficinas inacianas da região nos séculos XVII e XVIII. Nesse sentido, o capítulo debate quem seriam as pessoas que trabalharam nessas oficinas, bem como o intercâmbio de peças de marfim realizados em forma de doação por integrantes da Companhia de outras partes do mundo.

O capítulo seis, “A presença de objetos de marfim em Minas Colonial: estética, materialidade e hipóteses acerca da produção local”, escrito por Yacy-Ara Froner, investiga procedência, técnica de construção dos objetos e configuração estética das peças de marfim devocionais encontradas nos acervos de igrejas e museus de Minas Gerais. A autora defende a existência de oficinas escultóricas mineiras nos séculos XVIII e XIX, proporcionadas pelo desenvolvimento aurífero da região, que complexificou as atividades econômicas urbanas, sendo exemplo o exercício das artes e ofícios mecânicos. Nesse processo, o capítulo analisa imagens devocionais de Santo Antônio, Nossa Senhora e de construções de Cristo Crucificado, pensando em questões de tradução de suportes materiais, formação de mão de obra local e apropriação e hibridização.

O capítulo sete, “Marfins e outros suportes – transposições, traduções, associações e ressignificados de objetos nas Minas Gerais (século XVIII)”, escrito por Eduardo França Paiva, estuda a transferência de objetos em marfim para outros materiais de suporte, como madeira, metal, barro e coral, bem como os valores simbólicos, significados culturais e cultos envolvidos nesse processo. Analisando testamentos e inventários post-mortem mineiros do século XVIII, o autor examina o culto a Santo Antônio entre os não brancos a partir da impressão imagética do Santo em materiais outros que o marfim, principalmente a madeira. Ele conclui que a expressão religiosa em peças devocionais era repartida e consumida de forma distinta entre gêneros e grupos sociais, refletindo uma sociedade marcada pela diferença e pela mistura biológica e cultural, mas critica uma leitura superficial, que não leve em conta questões como escassez de material e tradições oriundas do continente africano.

O capítulo oito, “Devoção e arte em marfim: o processo de construção e ornamentação das igrejas da sede do Bispado de Minas Gerais (século XVIII)”, escrito por Renata Romualdo Diório, investiga a utilização de peças de marfim na instalação do Bispado de Mariana, a partir de 33 livros de inventários de igrejas e irmandades. Apenas em um deles foram encontradas peças em marfim: um Cristo Crucificado e duas rodas de cortar hóstia. A autora conclui que objetos de arte sacra neste material eram raros e provavelmente chegavam através de padres e portugueses abastados, levantando a hipótese de serem os párocos aqueles que mais colecionavam objetos de arte sacra em marfim, devido a condições mais favoráveis de acesso. Além disso, também são discutidas as possíveis origens e simbologias dos itens cedidos ao Bispado de Mariana, bem como a relação do material com o intenso comércio atlântico de pessoas e mercadorias.

O capítulo nove, “Influências e correlações da circulação de marfim na arte colonial brasileira: o bom Pastor da Fundação Ema Klabin”, escrito por Jorge Lúzio, examina a relação entre as imagens devocionais do Menino Jesus e do Bom Pastor, a partir da análise estilística de peças da Fundação Ema Klabin. Para o autor, essas imagens e seus simbolismos religiosos formaram uma estética híbrida na Índia portuguesa, com elementos referentes à soberania divina de Jesus ou de Krishna, em um dualismo permanente entre catolicismo e hinduísmo. Ele argumenta que os estudos iconográficos das representações do Menino Jesus e do Bom Pastor em marfim permitem investigar a circulação do material no Brasil colonial, a arte como ferramenta de difusão da fé e o culturalismo plural que existia nos espaços lusófonos.

Por fim, o capítulo dez, “A fotografia digital como ferramenta de estudo dos marfins nos acervos de Minas Gerais e sua inclusão em banco de dados”, escrito por Alexandre Cruz Leão, Luiz Antônio Cruz Souza, Alexandre Oliveira Costa, Danielle Luce Cardoso e Eduardo Augusto da Silva Leite, encerra a coletânea pesquisando a fotografia científica. Os autores pesquisam como produzir imagens fidedignas dos marfins presentes nos acervos de Minas Gerais, respeitando suas cores, tons e características construtivas. Para isso, eles examinam as características gerais do material e os procedimentos escolhidos para a geração e tratamento das imagens, uma metodologia que crie protocolos confiáveis, passíveis de reprodução sistemática e inserção em um banco de dados compartilhado entre os pesquisadores. O capítulo defende como a fotografia digital pode ser uma ferramenta de estudo dos marfins e contribuir para a construção do conhecimento científico.

É possível dizer que a obra é bem-sucedida em cumprir a promessa de oferecer um estudo multidisciplinar do marfim, já que participaram da escrita dos dez capítulos desta coletânea não só historiadores, mas também restauradores e conservadores, museólogos, historiadores da arte, artistas visuais e técnicos em informática gerencial. No entanto, embora a estrutura da obra configure-se como multidisciplinar, os capítulos mantêm suas separações de áreas de estudo. Não é um volume recomendado para se ler de forma contínua ou despretensiosa, sendo voltado, em sua linguagem e assunto, para profissionais das áreas de interesse citadas, ou ainda pessoas que tenham o marfim como objeto de estudo.

Os autores que compõem o volume abordam a história da produção e circulação do marfim inserindo-o nas redes de trocas do mundo atlântico na Idade Moderna. Percebe-se que, mais do que encaixar o marfim em um plano de fundo já conhecido, o mundo atlântico, eles conduziram as pesquisas a partir do material, levantando novas fontes e questões e contribuindo para as investigações a respeito da História do Brasil e da África centro-ocidental. Assim, esta obra consegue agregar tanto para os estudos sobre o mundo atlântico, quanto para os estudos sobre os itens materiais de circulação global, realizando sua pretensão de “dar materialidade à cooperação Brasil-África”.

Notas

1 Exemplos desses estudos são Fagg (1959) e Mark (2007). Para mais cf. Santos, Paiva e Gomes (2018, p. 15).

2 Braudel já havia feito análise semelhante sobre o Mediterrâneo há mais de 50 anos, quando escreveu O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na época de Filipe II (1949). Ver Braudel (2000)

Referências

ALENCASTRO, Luís Felipe. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul (séculos XVI e XVII). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

BAYLIN, Bernard. Atlantic History: Concepts and Contours. Londres: Harvard University Press. 2005.

BECKERT, Sven. Empire of Cotton: a Global History. New York: Vintage Books, 2014.

BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na época de Filipe II. São Paulo: Edusp, 2000.

CUSHMAN, Gregory T. Guano and the Opening of the Pacific World: a Global Ecological History. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.

FAGG, W. B. Afro-Portuguese Ivories. London: Batchworth Press, 1959.

MARK, Peter. Towards a reassessment of the dating and the geographical origins of the luso-african ivories, fifteenth to seventeenth centuries. History in Africa, Waltham, v. 34, p. 189-211, 2007.

RODNEY, Walter. Portuguese Attempts at Monopoly on the Upper Guinea Coast, 1580-1650. The Journal of African History, Cambridge, v. 6, n. 3, p. 307-322, Nov. 1965.

SMITH, Andrew. Sugar: A Global History. London: Reaktion Books, 2015.

THORNTON, John. A África e os africanos na formação do Mundo Atlântico 1400- 1800. São Paulo: Campus, 2004.

VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos XVII a XIX. 4ª edição. Salvador: Corrupio, 2002.


Resenhista

Alice Mabel Prates Monteiro – Graduada. Mestranda. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Centro de Ciências Sociais, Departamento de História, Rio de Janeiro. https://orcid.org/0000-0001-8804-5577  E-mail: alicemabelprates@yahoo.com.br


Referências desta Resenha

SANTOS, Vanicléia Silva; PAIVA, Eduardo França; GOMES, René Lommez (Orgs.). O comércio de marfim no mundo atlântico: circulação e produção (séculos XV a XIX). Belo Horizonte: Clio Gestão Cultural e Editora, 2018. Estudos africanos do CEA/UFMG; v. 7. Resenha de: MONTEIRO, Alice Mabel Prates. Poder e agência nas redes atlânticas do comércio de marfim no mundo moderno: perspectivas multidisciplinares. Esboços. Florianópolis, v. 27, n. 45, p. 329-337, maio/ago. 2020. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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