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O capital financeiro no Ensino Superior brasileiro (1990-2018) | Allan Kenji Seki

O livro O capital financeiro no Ensino Superior brasileiro (1990-2018) é um título de grande fôlego e de leitura essencial para aqueles que buscam desvendar os rumos que a educação brasileira tem percorrido durante os últimos 20 anos. A obra é resultado da pesquisa de doutorado realizada por Allan Kenji Seki, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), como continuação de sua produção de mestrado bem como de seu desenvolvimento intelectual, a qual teve como objetivo analisar as transformações ocorridas no Ensino Superior com a entrada de grandes bancos e fundos de investimento nesse setor.

Allan Kenji Seki é mestre e doutor em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC) e atualmente realiza sua pesquisa de pós-doutorado na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/Unicamp), com bolsa FAPESP. É pesquisador colaborador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE) e pesquisador do Grupo de Investigação sobre Política Educacional (GIPE-MARX). Seki vem desenvolvendo importantes estudos sobre a universidade, educação superior, trabalho e educação, privatizações e financeirização. Além do livro aqui resenhado, possui como publicadas as obras Desventuras dos professores na formação para o capital e Formação de professores no Brasil: leituras a contrapelo. O compromisso e o rigor que demonstra em suas produções intelectuais resultam em uma contribuição brilhante com as lutas pelo socialismo.

Além disso, Allan possui também uma importante trajetória como militante e, desde o início de seu percurso na universidade, esteve atento aos dilemas que a conjuntura apresenta para que fosse possível elaborar um horizonte de lutas, fazendo parte de gestões do Centro Acadêmico Livre de Psicologia e do Diretório Central dos Estudantes quando estudante de graduação na UFSC; tendo importante participação na greve dos professores em 2015, quando docente na UFSC; e, em 2019, incentivando a juventude da mesma universidade a se levantar e lutar contra o Future-se.

Em sua dissertação de mestrado, o autor compreendeu que os capitais monetários se aliaram, de forma cada vez mais estreita, aos capitais industriais, gerando novas contradições na organização da base produtiva brasileira. Já em seu doutorado – cujo resultado é a obra trabalhada nesta resenha –, Seki (2021) desvela que esse movimento ocorre atrelado à privatização de recursos do Estado brasileiro, o qual oferece aos capitais monetários direitos sociais como forma de rentabilização. O resultado disso é que, no período avaliado (1990-2018), as frações de capitais industriais e os setores de serviço não se comportam tais quais seus nomes indicam.

A obra é organizada em seis capítulos1, através dos quais se realiza uma análise desde a crise do ensino superior privado na década de 1990, fazendo a necessária diferenciação entre as grandes e pequenas Instituições de Ensino Superior (IES), até o crescimento e consolidação dos grandes grupos de ensino na passagem para os anos 2000, os quais se tornaram grandes centros de colocação de capitais financeiros abertos à rentabilização. No percurso dessa análise, Seki (2021) apresenta como desde a raiz da expansão do Ensino Superior privado encontra-se como base uma relação estreita com o Estado, o qual dá abertura legal para uma maior mercantilização e privatização do Ensino Superior, garantindo formas de transferência do fundo público para as IES privadas.

Nesse sentido, o autor demonstra, a partir dos dados levantados e analisados em sua pesquisa, como as políticas educacionais para o Ensino Superior levadas a cabo pelo Estado nos últimos 20 anos, em diferentes governos, foram fundamentais para que as grandes IES pudessem se consolidar no mercado e se expandir cada vez mais. Como exemplo de políticas educacionais mais recentes que cumpriram essa função, estão o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies). Seki (2021) afirma que,

combinados, FIES, Prouni e Proies formam um conjunto de políticas com propósito de transferência de recursos do fundo público em favor dos capitais de Ensino Superior cuja dimensão total dos recursos orçamentários é de difícil apuração. Os dados estimados são alarmantes, especialmente no contexto de ajuste brutal das despesas primárias nacionais. (SEKI, 2021, p. 190)

Ainda como exemplo dessas políticas, há as diversas reformas realizadas por frações da classe dominante em associação com capitais internacionais – principalmente os capitais americanos – com o objetivo de moldar as instituições de acordo com seus interesses conjunturais, de forma que as IES privadas foram dispensadas da obrigatoriedade da pesquisa e extensão, focando somente no ensino. Isso porque a vinculação entre pesquisa, ensino e extensão custava caro às IES particulares, uma vez que exigiam uma infraestrutura mais cara, a qual se contrapunha à lógica de eficiência máxima dos resultados econômicos que propunham. Não por acaso, essas IES são em sua maioria faculdades que comercializam o ensino (Seki, 2021).

Pensando ainda nessa expansão das IES e em como algumas políticas de Estado contribuíram para esse movimento, Seki (2021) aponta que os períodos de maior expansão do ensino superior privado foram o da ditadura empresarial-militar, quando ocorreram as reformas educacionais realizadas em decorrência do acordo MEC-USAID e da Reforma Universitária de 1968; e no período que vai dos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) até o de Dilma Rousseff (PT). Foi nesses períodos que houve as maiores taxas de crescimento de matrículas no ensino privado.

Seki (2021) inclusive reforça que, apesar da retórica dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), o setor privado se expandiu vigorosamente e a concentração de matrículas nas IES privadas cresceu. Em seu governo, Lula não levou à conclusão parte do projeto de lei enviado ao Congresso Nacional que propunha a restrição de até 30% do controle das instituições privadas estrangeiras, proposta pelo Ministério da Educação (MEC), e nem o projeto de lei de Ivan Valente2 que tinha por objetivo proibir qualquer participação de capitais internacionais nas instituições educacionais brasileiras, de tal modo que os capitais internacionais não enfrentaram praticamente nenhuma barreira para obter o controle acionário dessas empresas.

Além da observação dos governos e seus referentes partidos nesse período, é também importante observar a movimentação da burguesia e sua relação com o aparato estatal no avanço dessas políticas educacionais, análise que Seki (2021) realiza de forma precisa em toda sua obra, sobretudo no capítulo 2. Raízes da expansão do Ensino Superior privado: elementos para a compreensão do tema. Para articular e disputar suas posições no âmbito do Estado, o capital do Ensino Superior se organiza de forma associativa em entidades que elaboram as agendas burguesas para as políticas educacionais no Brasil e que as disputam a partir de diferentes métodos nos diversos espaços em que se propõem ocupar. A partir das contribuições da teoria gramsciana, Seki (2021) compreende essas entidades, federações e associações como Aparelhos Privados de Hegemonia (APHs), os quais a todo momento buscam “constituir seus interesses burgueses na relação com as demais frações capitalistas e, sobretudo, em justaposição à classe trabalhadora e suas formas organizativas” (Seki, 2021, p. 119). A pesquisa aponta que, desde a década de 1930 no Brasil, há uma grande teia de associações empresariais que atuam nos embates educacionais, de caráter tanto nacional quanto internacional, e que no centro dessas relações encontra-se o Estado.

O número de APHs com capacidade de intervenção nas políticas para o Ensino Superior e em estreita relação com o aparato estatal é grande e Seki (2021) os organiza de forma sistemática em sua pesquisa. Com destaque dentre esses APHS, está o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior (SEMESP), o qual possui no escopo de suas intervenções políticas o acompanhamento da tramitação de mais de duzentos projetos de lei, decretos e normas; a posse de uma “universidade corporativa” com o objetivo de formar quadros técnicos e gestores para as IES privadas; a presença frequente no Ministério da Educação (MEC) e no Conselho Nacional de Educação (CNE); e a articulação com organismos multilaterais como o Instituto Internacional para la Educación Superior en América Latina y el Caribe (IESALC) e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (SEKI, 2021). Esses são apenas alguns exemplos que mostram as articulações e intervenções políticas que estão ao alcance, e que são de fato levadas a cabo por esses APHs rumo à elaboração de políticas educacionais que contribuem para a oligopolização do Ensino Superior privado.

Com o avanço e, infelizmente, “sucesso” desse movimento, os impactos sobre o Ensino Superior são graves e atingem os mais diversos aspectos sobre a educação. Uma das consequências muito bem trabalhadas pelo autor, por exemplo, é o impacto no trabalho dos professores. Já que o ensino passa a se transformar em uma plataforma de rentabilização de capitais monetários, uma aula pode ser ministrada por meio de um vídeo e o aluno ter contato apenas com tutores ou mediadores. Em um sistema como esse, os professores não sabem quem são seus alunos e muito menos acompanham seu desenvolvimento intelectual. Para esses capitais, a profissão docente pode até mesmo ser substituída pelo trabalho de robôs, tal como foi denunciado pelo jornal Agência Pública, em 2020, quando a Laureate, um dos maiores conglomerados privados de educação que controla universidades como FMU e Anhembi Morumbi, passou a utilizar robôs para a correção de atividades dissertativas na plataforma digital em que os estudantes têm suas aulas.

Não à toa, grandes oligopólios, como a Laureate, passaram a se dedicar à formação de uma grande massa de professores de acordo com seus próprios critérios, de maneira que garantem a si uma grande massa de força de trabalho docente, capaz de facilmente substituir aqueles que não “vestem a camisa da empresa” e possuem aproximação com sindicatos, tornando-os descartáveis. Além do mais, o que importa de fato aos capitais inseridos na educação é somente o professor como força de trabalho e o estudante como massa pagadora de mensalidades e financiamento estudantil (SEKI, 2021).

O avanço da oligopolização do Ensino Superior privado, sua estreita relação com o Estado brasileiro e as consequências desse movimento para a educação em seus diferentes âmbitos são temas abordados e sistematicamente analisados no trabalho de Allan Kenji Seki. Nesta resenha, buscamos apenas apontá-los de forma introdutória, apresentando algumas de nossas reflexões com o objetivo de instigá-los a realizar a leitura do texto na íntegra, de forma que possam tirar suas próprias conclusões sobre a importância da obra para o pensamento educacional brasileiro. De nossa parte, compreendemos ser uma obra fundamental e que, inclusive, deveria estar presente em currículos de licenciaturas nas universidades públicas, uma vez que instiga à reflexão daquilo que fica nas entrelinhas das políticas educacionais em curso no Brasil. A obra consegue abordar de forma leve e clara temas extremamente densos e complexos, como se as palavras escolhidas por Seki fossem justamente para nos colocar em movimento para lutar e criar uma educação efetivamente libertadora para a classe trabalhadora.


Notas

1 O título e a ordem dos capítulos assim se apresentam: 1. O Ensino Superior privado na passagem para os anos 2000, 2. Raízes da expansão do Ensino Superior privado: elementos para a compreensão do tema, 3. Desonerações tributárias e financiamento estatal: a disputa dos capitais de ensino em torno do fundo público, 4. Direcionamento do Estado no processo de mercantilização e privatização do Ensino Superior, 5. Das joint ventures às IPOS, algumas estratégias de financeirização do Ensino Superior e 6. Elementos sobre o modo de operação de finança no Ensino Superior.

2 À época, deputado federal pelo PT de São Paulo e, posteriormente, pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL.


Referências

DOMENICI, Thiago. Laureate usa robôs no lugar de professores sem que alunos saibam. Agência Pública. 30 de abril de 2020. Disponível em: https://apublica.org/2020/04/laureate-usa-robos-no-lugar-de-professores-sem-que-alunos-saibam/?fbclid=IwAR2-8KlUKOOYaKXiRzjj09gRWG7YunciVcpu8pPaHEHStU7Cq22TDNQdDak

EVANGELISTA, Olinda (Org.); SEKI, Allan Kenji (Org.). Formação de professores no Brasil: leituras a contrapelo. 1. ed. Araraquara, SP: Junqueira & Marin, 2017.

EVANGELISTA, Olinda; SEKI, Allan Kenji; SOUZA, Artur Gomes; TITON, Mauro; AVILA, Astrid Baecker (Orgs.). Desventuras dos professores na formação para o capital. Campinas: Mercado das Letras, 2019.

SEKI, Allan Kenji. O capital financeiro no Ensino Superior brasileiro (1990-2018). Florianópolis: Editoria Em Debate/UFSC, 2021.


Resenhistas

Caroline Cristine Custódio – Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. E-mail: carol.cristine08@gmail.com

Giulia Molossi Carneiro – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. E-mail: giuliamcarneiro@gmail.com


Referências desta Resenha

SEKI, Allan Kenji. O capital financeiro no Ensino Superior brasileiro (1990-2018). Florianópolis: Editoria Em Debate; UFSC, 2021. Resenha de: CUSTÓDIO, Caroline Cristine; CARNEIRO, Giulia Molossi. Linhas. Florianópolis, v. 23, n. 52, p. 363-369, maio/ago. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

Itamar Freitas

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