O Brasil e a questão agrária | Manuel Correia de Andrade

A obra “O Brasil e a questão agrária” está dividida em sete capítulos, o primeiro é a introdução e traz um breve resumo do que vai ser tratado na obra como um todo. Os demais apresentam os seguintes títulos: “Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções; novas formas, velhas funções”; “A experiência de colonização: Portugal Brasil e África”; “Nordeste Semi-Árido: Limitações e possibilidades”; “Espaço e tempo na agroindústria canavieira de Pernambuco; “O movimento dos Sem-Terra e sua significação”; “O movimento dos Sem Terra e sua significação”; e “Atualidade da questão agrária”.

Apesar de ser composto por artigos distintos, escritos entre os anos de 2000 e 2001, o livro apresenta uma coerência temática e teórico-metodológica. A preocupação central é a de contextualizar as transformações socioeconômicas do espaço agrário, através dos movimentos da história e tendo como base a abordagem regional. Há também uma análise dialética marxista que fica mais evidente nos capítulos: “Espaço agrário brasileiro: velhas formas, novas funções; novas formas, velhas funções” e “O movimento dos sem terra e a sua significação”, mas sem suplantar a abordagem regional.

Manuel Correia de Andrade, nesta obra, deixa claro o seu papel de geógrafo comprometido com a denúncia dos processos geradores do desenvolvimento desigual e das opressões sofridas pelos trabalhadores do campo. Na citação abaixo é possível perceber sua militância ao expor crimes cometidos por alguns dos agentes do espaço agrário brasileiro, desvendando aos leitores os opressores e os oprimidos.

Por outro lado, a situação no meio rural torna-se explosiva quer nas áreas em povoamento quer nas povoadas desde o período colonial. Assim, pode-se assinalar conflitos em torno da posse e do uso da terra em áreas subpovoadas, onde assassinatos e massacres se sucedem sem que os responsáveis sofram as punições legais, fato que se observou no Acre, com o assassinato de Chico Mendes, que teve repercussão internacional, ou, mais recentemente, com os massacres de Corumbiara, na Rondônia, e do Eldorado dos Carajás no Sul do Pará. E estas lamentáveis ocorrência vêm se repetindo sem que o governo tenha força para coibi-las. (p. 20)

Além do movimento de denúncia, “O Brasil e a questão agrária”, analisa o tema levando em consideração os acontecimentos do passado articulando com os do presente e ainda entrelaçando acontecimentos regionais e nacional. No capítulo “Nordeste Semi-Árido: limitações e potencialidades” essa articulação fica mais evidente. O autor contextualiza territorialmente o polígono das secas e suas características ambientais levando em consideração os domínios físicos e biológicos e apontando alguns problemas ambientais:

A ação do homem, em grande parte predatória, vem acelerando a degradação do meio natural, levando áreas menos favoráveis, como as de Gilbués e Monte Alegre no Piauí, de Irauçuba e Sobral no Ceará, do Seridó no Rio Grande do Norte, do Cariri na Paraíba e de Cabrobó em Pernambuco, à desertificação. Daí o ministério do Meio Ambiente admitir a existência de áreas em risco de desertificação ou já em processo de desertificação (p 49)

A identificação do problema ambiental e o apontamento das suas dificuldades é sucedida pelo panorama das potencialidades do território Semiárido e a indicação da possibilidade de um crescimento sustentável. O autor alerta que o vislumbramento deste cenário só é possível se o Estado entender a particularidade ambiental na qual o Semiárido está inserido e desenvolver ações voltadas para o aprendizado do convívio entre sociedade e natureza.

Ainda no capítulo “Nordeste Semi-Árido: limitações e potencialidades” há uma desmistificação da ideia de que o Semiárido é um território pobre de recursos hídricos e é feito um esclarecimento sobre a irregularidade do regime hídrico. Aponta o contexto atual de armazenamento de água e afirma que […] “a região dispõe de razoáveis reservas de água, sobretudo nos anos de chuvas normais”[…] (p. 52).

Encerra o capítulo com uma série de questionamentos reflexivos sobre a possibilidade do desenvolvimento sustentável para o território, o papel do Estado neste processo e o da sociedade, além de questionar a falta de incentivo para o incremento de outras atividades econômicas, associadas ou não as atividades agrícolas.

O capítulo três, “A experiência da colonização Portugal, Brasil e África”, é marcado pelo contexto histórico colonial e pré-colonial do Brasil para a compreensão da sua formação sociocultural. Retoma a ocupação indígena do hoje território brasileiro para explicar o como os Portugueses conseguiram dominar e aculturar essa população. O autor mostra alguns dos elementos que causaram o aculturamento indígena: […] “no Brasil os grupos indígenas estavam ainda em níveis de civilização primitivos e, embora lutando denodadamente contra os invasores não puderam fazer valer os hábitos culturais que adotavam” (p. 30). É válido atentar que o processo de aculturamento indígena não se deu de forma permissiva, mas sim, pela coerção. Os instrumentos de batalha e luta dos indígenas eram, naquele momento histórico, de força inferior aos dos Portugueses recém-chegados, que viam os nativos como possuidores de uma cultura inferior que deveria ser suplantada.

A distribuição dos indígenas no território e a sua fragmentação em várias tribos, aparece como outro ponto na estruturação da cultura com base predominantemente europeia no Brasil até os dias de hoje. Mesmo o autor relatando a centralidade cultural europeia não deixa de mencionar a formação cultural e étnica miscigenada do Brasil. Essa análise de Andrade dialoga com a do historiador Caio PRADO JUNIOR (2012), no livro História Econômica do Brasil, que teve a sua primeira edição publicada no ano de 1945.

Fica explícito, neste tópico, que o autor não descarta a relevância contingencial da população indígena e negra no processo de formação sociocultural brasileira, mas indica que influência europeia conseguiu se fazer dominante na integração cultural das três raças nos século XIX e XX.

O caráter predominantemente descritivo e histórico no capítulo três não exclui o perfil de geógrafo militante e de denuncia dos problemas das questões sociais do campo, como a reforma agrária e as relações de trabalho no espaço agrário. Sobre os problemas gerados com o fim oficial da escravidão Andrade afirma: “A falta de efetividade da Abolição contribuiu para que o processo de democratização da educação e as condições de saúde não se difundissem nas várias classes sociais” (p. 39).

O capítulo como um todo aponta a formação sociocultural, trazendo elementos históricos que auxiliam na compreensão de problemas de reverberam no contexto atual, não só do espaço agrário, mas no território nacional e na sociedade em sua totalidade.

No “Espaço e tempo na agroindústria canavieira de Pernambuco” há uma contextualização histórica territorial do setor agroindustrial canavieiro, mas que não se atém apenas ao estado de Pernambuco. O autor articula a região produtiva do estado, a crise produtiva, a pulverização do capital financeiro do setor para outros estados articulando com os conflitos pela terra. Indica diferentes temporalidades e causalidades da crise e da produção. Para isto se utiliza de inúmeros dados quantitativos como os da produção de cana de açúcar no Brasil e nas regiões Centro-Sul e Nordeste, o quantitativo das usinas de cana de açúcar em diferentes temporalidades do século XIX em Pernambuco e dados sobre ocupação, assentamentos e acampamentos de reforma agrária.

Por fim, a obra proporciona ao leitor a possibilidade de conhecer inúmeros espectros de homogeneidade e heterogeneidade do espaço agrário brasileiro a partir de temas, como: Políticas e ações do Estado, a convivência do homem com o meio ambiente, histórico das lutas pela terra, as relações de trabalho no campo, a formação da estrutura fundiária, o histórico da produção agrícola e suas articulações com o mercado global. Todos esses pontos são abordados seguindo o escopo da geografia regional, mas sem deixar de evidenciar análises críticas do autor sobre essas problemáticas. Assim, o conjunto desses artigos leva o leitor a inúmeros questionamentos e reflexões sobre o contexto da questão agrária brasileira, mesmo tendo se passado mais de quinze anos da redação desses artigos.

Referência

ANDRADE, Manuel Correia de. O Brasil e a questão agrária. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2002. 132p.


Resenhista

Maria Rita Ivo de Melo Machado – Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: mariaritamachado@yahoo.com.br


Referências desta Resenha

ANDRADE, Manuel Correia de. O Brasil e a questão agrária. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2002. Resenha de: MACHADO, Maria Rita Ivo de Melo. Ensaios de Manuel Correia de Andrade. Rural Urbano. Recife, v.4, n.1, p. 104-108, 2019.

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