O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar Brasileira – 1934-1961 do historiador José Ricardo Oriá Fernandes traz um conjunto de ideias que aludem ao universo escolar de crianças e jovens dos anos 1930, através da revalorização da obra História do Brasil para crianças, de Viriato Corrêa, reeditada entre os anos de 1930 e 1960.
Os seis capítulos que integram o livro, divididos em três partes – “A literatura escolar para a infância brasileira: livros de leitura e ensino de História”; “Viriato Corrêa e a Companhia Editora Nacional” e “História do Brasil para crianças e o ensino primário” – têm por propósito explorar a produção historiográfica escolar brasileira. Inicialmente o historiador centra as análises nas propagandas feitas pela Companhia Editora Nacional e no processo de divulgação dos livros de História do Brasil para o público infanto-juvenil, com destaque para a História do Brasil para as crianças, sucesso entre os jovens leitores e assinado por Corrêa. Além disso, Oriá propõe discutir a denominação feita entre a literatura escolar e a literatura infantil ressaltando as dificuldades em se estabelecer as devidas diferenças. Referenciando-se nas análises realizadas por Leonardo Arroyo que destaca o exemplo de Monteiro Lobato, Oriá apresenta-nos o panorama editorial dos primórdios republicanos e o florescimento de uma literatura infantil, calcada nas “modernas” propostas educacionais da Escola Nova. Ainda no primeiro capítulo intitulado História do Brasil para crianças: que livro é esse?, o autor traceja os contornos do aparecimento dos primeiros livros para crianças no Brasil, no início do século XX, com o advento da República, associado a uma preocupação veemente em modernizar o país.
O segundo capítulo da obra, A Pátria impressa: os livros de leitura e a formação da infância brasileira, discorre acerca da emergência do nacionalismo como um fenômeno comum em várias partes do mundo durante o século XIX. Esse nacionalismo patriótico pôde ser mais perceptível no desenvolvimento de uma literatura escolar que se ampliou no período inicial do regime republicano. De acordo com Oriá, os livros seriam o que Choppin denominou de “livros-instituição” – obras com grande circulação, com várias edições, lidos por crianças e jovens em idade escolar e que veiculavam valores morais, cívicos e patrióticos – imprescindíveis à criação e ao fortalecimento de uma identidade de Nação. O autor destaca os seguintes exemplos de obras pertencentes à categoria de “livros-instituição”, tais como Coração e Cazuza de Viriato Corrêa e Por que me ufano do meu país do conde Affonso Celso. Outro aspecto levantado pelo autor de O Brasil contado às crianças se refere às obras adotadas pela Escola brasileira encomendadas a poetas parnasianos como Olavo Bilac e Coelho Neto (Contos Pátrios, 1904 e Pátria Brasileira, 1909) e a membros da Academia Brasileira de Letras (ABL) como Sylvio Romero (A História do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis. Livro para as classes primárias, 1890); João Ribeiro (História do Brasil, 1900); Afrânio Peixoto (Minha Terra, minha gente, 1915), Rocha Pombo (Nossa Pátria, 1917) e Manoel Bonfim (Através do Brasil: prática da língua portuguesa. Narrativa. 1910, lançado pela Livraria Francisco Alves). Todo esse panorama historiográfico levantado por Ricardo Oriá reforça a tese de que a segunda fase da literatura escolar brasileira contou com a autoria de renomados intelectuais membros das academias literárias e científicas, como o IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) e ABL (Academia Brasileira de Letras).
No terceiro capítulo intitulado A Companhia Editora Nacional e a Literatura Escolar, Ricardo Oriá começa por traçar uma breve trajetória biográfica de Viriato Corrêa e o processo de “vulgarização histórica” desenvolvido por esse autor. Nascido no Maranhão em 1884, Corrêa chegou ao Rio de Janeiro no período da Belle Époque brasileira, ambiente de efervescência artística e intelectual. Em 1908 lançou seu primeiro livro intitulado Era uma vez… contos infantis em parceria com João do Rio e publicado pela editora Francisco Alves. Consagrou-se no gênero da escrita histórica com o objetivo de torná-la mais acessível e atraente ao grande público. De acordo com Oriá, Corrêa acreditava que a “culpa” pelo desconhecimento da História do Brasil não era do povo, mas dos historiadores que não sabiam divulgá-la de maneira interessante. O maior trabalho de divulgação histórica assinado por Viriato Corrêa se deu através da produção literária de cunho infantil, trabalhando a imagem do vovô que conta histórias às crianças numa chácara. Suas principais obras podem ser resumidas em História do Brasil para crianças (1934); As belas histórias da História do Brasil (1948) e Curiosidades da História Brasileira para crianças (1952).
Analisando o campo intelectual brasileiro da primeira fase da República, Ricardo Oriá salienta as transformações e o processo de modernização ocorrido no parque editorial, caracterizado principalmente pelo “empreendorismo” do paulista Monteiro Lobato (1882-1948). Lobato iniciou suas atividades editoriais com a fundação da empresa Monteiro Lobato & Cia em 1919. Foi responsável pelo lançamento de autores que tinham pouco espaço no mercado editorial nacional do século XX, como Ribeiro Couto, Paulo Setúbal, Oliveira Viana, entre outros. Monteiro Lobato ficou conhecido como “editor revolucionário” ao montar uma estratégia de divulgação que consistia na escrita de uma carta dirigida aos comerciantes de bancas de jornal, papelarias, farmácias e armazéns pelo Brasil para propagar os livros que editava. Apesar dessas tentativas propagandísticas, a incapacidade de honrar com os compromissos financeiros conduziram Lobato a pedir falência em 1925. No entanto mais tarde mantendo ainda o viés de editor e juntamente com a parceria de Octalles Marcondes Ferreira, Monteiro Lobato fundou a Companhia Editora Nacional – CEN. Em 1931 a CEN criou a Biblioteca Pedagógica Brasileira e entregou para a direção, o educador escolanovista Fernando de Azevedo.
No quarto capítulo intitulado História do Brasil para crianças: processo de elaboração, Ricardo Oriá inicia a narrativa questionando qual seria a razão que motivara Viriato Corrêa a escrever um livro de História do Brasil destinado ao público infantil, tendo em vista que este último não fora professor na escola primária ou secundária nem tampouco membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Baseando-se em entrevistas concedidas aos jornais do Rio de Janeiro, Oriá destaca que Viriato resolvera escrever livros de História visando tornar a linguagem mais acessível ao universo infanto-juvenil dada a dificuldade que as crianças teriam em compreender os textos de história.
O objeto da análise de Ricardo Oriá é a obra História do Brasil para crianças assinado por Viriato Corrêa como já mencionado. No capítulo em questão, são analisadas a confecção dessa obra, sua circularidade e a receptividade que teve em meio ao público. No que concerne à estrutura física do livro, História do Brasil para crianças possui a capa e as ilustrações desenhadas pelo escritor, jornalista e caricaturista Benedito Carneiro de Bastos Barreto, também conhecido por Belmonte. Além desse livro em questão, Belmonte foi responsável pela ilustração de outras quatro obras infantis de Viriato Corrêa, todas publicadas pela CEN: Meu Torrão; A Descoberta do Brasil; História de Caramuru e A Bandeira de Esmeralda.
O capítulo 5, O Ensino de História na Escola Primária (1934-1961), tem por objetivo analisar os currículos e programas escolares de História para a escola primária e de que maneira os conteúdos desses programas se fizeram presentes na obra de Viriato Corrêa. Procurando iniciar essa discussão, Ricardo Oriá nos leva a refletir sobre a constituição da disciplina “História” e sua ligação com a formação do Estado brasileiro na tentativa de forjar uma identidade nacional. O autor destaca que desde a formação do Estado Nacional brasileiro após a emancipação de Portugal em 1822, a História serviu de elemento de afirmação da nossa identidade e seu ensino já estava previsto na Lei de 15 de outubro de 1827. Conforme salienta Oriá, Circe Bittencourt, ao examinar a trajetória do ensino de História no Brasil, conclui que este sempre esteve associado à constituição da identidade nacional, de um nacionalismo patriótico e do culto a heróis. Na intenção de construir uma identidade para o país, na qual o século XIX pôde ser considerado o momento crucial, foi necessário recorrer à pesquisa, ao ensino e à divulgação da História destacando-se as duas Instituições criadas em 1838 no Rio de Janeiro então capital federal, que assumiram essa função, o IHGB e o Colégio Pedro II.
No último capítulo de sua obra, História do Brasil para crianças: entre textos e imagens, Ricardo Oriá analisa minuciosamente o conteúdo da obra História do Brasil para crianças de Viriato Corrêa. Uma das primeiras características levantadas pelo autor se refere à forma de escrita adotada por Corrêa, tendo este optado por utilizar a narrativa para tecer os fatos da História do Brasil. Além disso, Viriato concentrou o desenrolar dos acontecimentos na figura do “vovô” que conta histórias às crianças cercado por uma paisagem campestre.
Por fim se faz necessário ressaltar que no âmbito da literatura infantil, os maiores destaques de Viriato Corrêa foram Cazuza (1938) e o livro ainda hoje editado, História do Brasil para crianças, publicado em 1934. Em toda a sua obra, o objetivo principal de Corrêa era promover uma “vulgarização” da história pátria tornando acessível a crianças e jovens a produção acadêmica. Ricardo Oriá, num trabalho magistral e incansável resgata o gosto pela brasilidade de Viriato, autor que soube explorar vastamente o viés literário de grande aceitação junto ao público, por meio de crônicas históricas e livros infantis. Viriato Corrêa soube divulgar o conhecimento histórico de maneira agradável e simples às crianças, por considerar que a elas caberia a construção da Nação brasileira. Foi por meio da história e da produção literária de Viriato Corrêa que Ricardo Oriá teceu O Brasil contado às crianças, obra que valoriza a intelectualidade brasileira da Primeira República atualmente tão pouco tratada pela historiografia.
Resenhista
Mariana Rodrigues Tavares – Graduanda em História pela UFF. E-mail: historia.mari@gmail.com
Referências desta resenha
ORIÁ, Ricardo. O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar Brasileira (1934- 1961). São Paulo: Annablume, 2011. Resenha de: TAVARES, Mariana Rodrigues. Temporalidades. Belo Horizonte, v.4, n.1, p.323-326, jan./jul. 2012. Acessar publicação original [DR]
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