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O agente comunitário de saúde: práticas educativas – MIALHE (TES)

MIALHE, Fábio Luiz (Org.). O agente comunitário de saúde: práticas educativas. Campinas: Editora Unicamp, 2011, 152 p. Resenha de: MOROSINI, Marcia Valéria Guimarães Cardoso. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.10 n. 2, p. 347-351, jul./out.2012

O livro organizado por Fábio Luiz Mialhe é uma coletânea de cinco artigos que abrangem temas que transitam entre a organização do modelo de atenção no marco da atenção primária no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), os desafios da educação em saúde, o trabalho educativo dos agentes comunitários de saúde (ACS) e o ensino em serviço.

No primeiro artigo, “A Saúde da Família no Brasil e seus agentes”, Samuel Jorge Moysés identifica e problematiza as tensões que perpassam a Estratégia Saúde da Família (ESF), localizada entre a perspectiva de reorientação do modelo de atenção e de conservação da segmentação sanitária, típica dos pacotes seletivos de atenção à saúde. Suas análises discutem os avanços obtidos com a implementação da ESF no âmbito do SUS, especialmente quanto a alguns indicadores de saúde, mas enfatizam as contradições ainda existentes no que diz respeito à organização do trabalho em saúde e às possibilidades do trabalho em equipe e da transformação das práticas de atenção à saúde, no sentido da integralidade e da equidade.

O segundo artigo, “Educação em Saúde no mundo contemporâneo”, de autoria de Fernando Lefèvre e AnaMaria Cavalcanti Lefèvre, debate a representação hegemônica de saúde, associada ao corpo doente, refletindo sobre os aspectos da sociedade contemporânea que reforçam o fenômeno da individualização da doença, especialmente a imperiosa orientação ao consumo crescentemente individualizado de mercadorias e serviços, no qual a assistência à saúde e seus produtos restauradores se inserem. Os autores propõem uma mudança de perspectiva na qual a saúde/doença possa ser vista como resultante de uma sociedade que estruturalmente gera adoecimento; criticam a hiperespecialização em curso no campo da saúde e defendem haver um conflito entre a lógica leiga e a lógica técnica/ sanitária na saúde, que poderia ser enfrentado por meio da pedagogia do diálogo de Paulo Freire, promovendo a interação dessas lógicas e a sua modificação mútua.

Helena Maria Scherlowisk Leal David, autora do terceiro artigo, “Educação em Saúde e o trabalho dos agentes comunitários de saúde”, recupera elementos importantes do trabalho do agente comunitário de saúde, no qual destaca a centralidade da dimensão pedagógica e da prática educativa. A autora ressalva, entretanto, referindo-se a Bornstein (2007) e Luckesi (1980), que a mediação educativa realizada pelo ACS pode ser tanto transformadora quanto conservadora, sendo esta última preponderante nos serviços de saúde, o que indica uma inconsistência entre discurso e prática na atenção básica.

A autora analisa ainda outras contradições que se produzem na interseção entre a origem comunitária do ACS, a visão de mundo e o conhecimento deste trabalhador, produzidos na relação com a realidade, e a perspectiva tecnicista, baseada na racionalidade biomédica que predomina no âmbito dos serviços e dos profissionais de saúde. Ela anuncia que, mesmo não sendo reconhecido ou valorizado, o trabalho do ACS como um educador popular em saúde é o papel que melhor expressa as possibilidades de compreensão, crítica e transformação da realidade praticadas pelos ACS na relação com os outros sujeitos da comunidade. Por fim, David indica a necessidade de se reinventar a prática educativa, explorando outras possibilidades de aproximação entre ciência e senso comum, experimentadas, por exemplo, na perspectiva da construção compartilhada do conhecimento, e conciliando em bases críticas o projeto histórico com as transformações produzidas no cotidiano da vida das classes populares.

A discussão sobre o trabalho educativo dos ACS ganha novos dados no artigo seguinte, “Os discursos dos agentes comunitários de saúde sobre suas práticas educativas”. Nesse texto, David e Mialhe apresentam os resultados de uma pesquisa sobre o tema, desenvolvida no município de Piracicaba, no estado de São Paulo, analisando informações obtidas por meio de entrevistas semiestruturadas com oitenta ACS integrantes das equipes de Saúde da Família desse município.

A pesquisa utiliza uma abordagem ‘qualiquantitativa’, baseada no método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), segundo Lefèvre e Lefrève (2005), no qual o pensamento expresso na fala dos sujeitos é tratado como uma variável Os autores reforçam a necessidade de as práticas educativas desenvolvidas pelos ACS serem revistas de forma a superarem os limites da adequação normatizadora e das decisões individuais e passarem a compreender outros macrodeterminantes que concorrem para o processo saúde-doença. Indicam também que, para a construção de um novo modelo de prática educativa, é preciso que os gestores apoiem os processos de educação permanente para todos os trabalhadores da Saúde da Família, assim como a qualificação profissional dos ACS por meio do Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde.

David e Mialhe concluem o capítulo afirmando que o trabalho educativo do ACS se enriquece na medida em que este se aproxima e se torna capaz de expressar as contradições presentes nas condições de vida das classes menos favorecidas, sendo esta a única justificativa para mantê-lo como membro das equipes de saúde da família.

O último artigo, “Ensino em serviço para o desenvolvimento de práticas educativas no SUS pelos agentes comunitários de saúde”, de autoria de Lúcia Rondelo Duarte, fecha a coletânea apresentando o relato de várias experiências – o trabalho “A construção de um programa de educação com agentes comunitários de saúde”, o Projeto Club Pink de promoção da saúde e um projeto envolvendo alunos do Curso de Graduação em Enfermagem e agentes comunitários de saúde, visando à melhoria da qualidade de vida desses no trabalho.

Entre as questões abordadas pela autora, destaca-se a posição que assume em relação à formação dos ACS, quando esta afirma que as habilidades e potencialidades desses trabalhadores serão mais bem desenvolvidas por meio de programas educativos que priorizem suas necessidades e das comunidades em que atuam, assim como, sejam construídos com eles e não para eles. Nesse sentido, a autora aponta a importância de haver partido de um diagnóstico inicial das percepções, dificuldades e angústias dos ACS acerca do processo de trabalho e das atividades que realiza.

O texto trata ainda do trabalho educativo dos ACS e do papel dos enfermeiros na supervisão dos agentes, discorrendo sobre promoção da saúde, empoderamento, educação permanente e autoestima. Essas noções, entretanto, são tomadas de forma naturalizada, sem contemplar as contradições que as acompanham, o que termina por dificultar uma análise crítica destas em relação a elementos importantes também presentes no artigo, como a concepção ampliada do processo saúde-doença, a educação popular em saúde, a construção compartilhada do conhecimento e a emancipação.

De maneira geral, a coletânea centra-se em temas relevantes e atuais para a compreensão dos conflitos que permeiam o trabalho do agente comunitário de saúde, iluminando o papel educativo desse trabalhador e o seu potencial transformador.Dessa forma, oferece contribuições importantes para a compreensão das contradições e dos desafios percebidos nas práticas cotidianas dos agentes comunitários de saúde na principal política de orientação do modelo de atenção à saúde no SUS – a Estratégia Saúde da Família.

Referências

BORNSTEIN, Vera J. O agente comunitário de saúde na mediação de saberes. Tese de Doutorado (Saúde Pública) – Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fiocruz, 2007.

LEFÈVRE, Fernando; LEFRÈVE, Ana Maria C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: Educs, 2003.

LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1980.

Marcia Valéria Guimarães Cardoso Morosini – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: mguima@fiocruz.br>

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[MLPDB]
Itamar Freitas

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