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Nuevo diccionario de la teoría de Mijail Bajtin – ARÁN (B-RED)

ARÁN, Olga Pampa. Nuevo diccionario de la teoría de Mijail Bajtin. Córdoba, Argentina: Ferreyra Editor, 2006. 284p. Resenha de: PISTORI, Maria Helena Cruz. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.7 n.2, São Paulo July/Dec. 2012.

Se Aurélio define dicionário como um “conjunto de vocábulos duma língua ou de termos próprios duma ciência ou arte, dispostos alfabeticamente, e com o respectivo significado […]” (grifo nosso), a proposta de um dicionário da teoria de Mikhail Bakhtin poderia se apresentar como a expressão da repetibilidade, do reiterável, da “explicação” monológica de termos. E ainda: se o léxico é apenas um dos aspectos do texto/enunciado/discurso na concepção bakhtiniana, sempre seria bastante complexa a tarefa de reunir o vocabulário do Círculo numa obra, com a finalidade de compreender o significado de cada termo ou conferir-lhe certa estabilidade de sentido. Fiel ao pensamento bakhtiniano, contudo, o diálogo está presente em todos os verbetes deste Nuevo Diccionario: com o autor/autores do Círculo, com o leitor, com diferentes comentaristas e críticos ao redor do mundo, ora com a teoria e/ou crítica literária, ora com a filosofia, a linguística, a psicologia, a antropologia…

O Nuevo diccionario de la teoría de Mijail Bajtin, publicado por Ferreyra Editor, Córdoba, Argentina, é dirigido e coordenado por Pampa Olga Arán, doutora em Letras Modernas e professora de Teoria y Metodología del estudio literario na Escuela de Letras da Facultad de Filosofía y Humanidades na Universidade Nacional de Córdoba. Arán esclarece, no Prólogo, que houve uma primeira edição, em 1998, mas que esta é uma nova versão, fruto do trabalho desenvolvido por ela, com a ajuda de Candelaria de Olmos – mestre em Sociosemiótica no Centro de Estudios Avanzados e chefe de Trabajos Prácticos de Semiótica na Escuela de Letras da Universidade de Córdoba, e uma equipe de investigadores, jovens em sua maioria. As diferentes vozes que se articulam no desenvolvimento dos 55 termos selecionados da obra bakhtiniana estão distribuídas entre as assinaturas de Pampa Olga Arán (13 verbetes), Candelaria de Olmos (8) e Lucas Berone – mestre em Sociossemiótica (9), responsáveis, assim, pela redação de mais da metade dos verbetes; os restantes são trabalhados pela equipe. O projeto contou ainda com o apoio econômico do Centro de Investigaciones de la Facultad de Filosofía y Humanidades e da Secretaría de Ciencia y Técnica.

A obra apresenta uma bem cuidada bibliografia de referência final, dividida em bibliografia específica de textos de Bakhtin; bibliografia específica de textos de Bakhtin e seu Círculo; estudos críticos e biográficos sobre Bakhtin; seleções bibliográficas; publicações periódicas; endereços URL. A seguir, breve notícia biográfica de todos os autores-colaboradores e o índice final dos termos.

Nas palavras da organizadora, “la forma de entradas múltiples y de recorridos simultáneos parece ser la que mejor se adecua al pensamiento abierto e inconcluso de Bajtín para quien nunca había sido dicha la última palabra”. Excelente justificativa, sobretudo ao mencionar as entradas múltiplas e as recorrências simultâneas, porque os termos da obra remetem constantemente uns aos outros, além de apontar para fora de si mesmos. Há mais: todos se inter-relacionam, não há como definir um sem que se defina sua ligação com os demais, constituem um sistema de pensamento “aberto e dinâmico”, em processo, e dependem de uma compreensão responsivo-ativa – de ao menos duas consciências. É por isso que as várias leituras da obra bakhtiniana, e ainda de seus críticos e comentadores, como é o caso deste Nuevo Diccionario, são sempre bem-vindas (ainda que seja para refutá-las, o que não é este caso).

Não há uma justificativa no Prólogo quanto à seleção dos termos. Por exemplo, os verbetes argumentoconhecimentocronotopodialogismogêneros discursivosparódiatexto, na realidade apresentam diferente relevância na obra do Círculo. Isto é, percebemos que não se trata de uma seleção de conceitos-chave para a compreensão da obra bakhtiniana, antes da seleção de noções que, naquele pensamento, assumem sentido e relevo particular.

A escolha do gênero parece ainda estar motivada pela epígrafe: “mi predilección por las variaciones y por heterogeneidad de términos en relación con un solo fenómeno” (Bajtín “De los apuntes de 1970-1971” Bakhtin, From Notes Made in 1970-71). Nesse sentido, lembramos que o problema terminológico na obra do Círculo não se atém apenas a essa predileção por variações e heterogeneidade de termos, expressa na epígrafe. Na realidade, a isso se acrescentam as traduções desconcertantes, surgidas no Ocidente a partir da década de 1960, publicadas fora da cronologia em que foram redigidas, muitas vezes refletindo e refratando teorias do espaço-tempo correspondente. Brandist, para quem a terminologia do Círculo, e especialmente aquela de Bakhtin ele mesmo, é muito particular e tem uma pluralidade de conotações, lembra que há termos como stanovlenie, que conheceu dez diferentes traduções no inglês, aparecendo de quatro formas distintas num mesmo ensaio. Isso também ocorreu de diferentes formas nas traduções para o francês, italiano, alemão, espanhol e português. É só pensarmos na possível confusão que poderia se formar em torno do vocábulo extraposición/exotopia, presente no Nuevo Diccionario. Constando do Prefácio de Tzvetan Todorov, na edição francesa de Estética da Criação Verbal, é o termo que ocorre na primeira tradução – do francês – que tivemos no Brasil. Paulo Bezerra, ao traduzir diretamente do russo, vai substituí-lo por distância ou distanciamento, com uma bela justificativa para isso na Introdução.

Independente dessas questões, ou talvez até por elas mesmas, este Nuevo Diccionario pode (e deve) ser lido como um hipertexto, que organiza cada um dos verbetes com uma introdução, apresentando o sentido mais geral do conceito na obra do Círculo. A partir daí, o autor rastreia a noção nas obras em que é encontrada, muitas vezes seguindo a ordem cronológica, e oferece ao leitor uma visão de como o conceito vai se estabelecendo ou se complementando (ou até se modificando) ao longo de todas elas, caso dos gêneros discursivos, por exemplo; ou então, como o Círculo restringe sua utilização a umas poucas obras, como é o caso de hibridación ou grotesco. No geral, há ainda uma conclusão mais ou menos avaliativa da fecundidade heurística da noção.

Alguns colaboradores são mais explícitos nos comentários e apreciações do conceito e estendem-se em aproximações com outras teorias. A meu ver, essa interação é extremamente enriquecedora. A esse respeito, o verbete sentido/significado, cuja autoria é de Analía Gerbaudo, é exemplar. Inicialmente, a autora já adverte da riqueza dos “aportes teóricos’ bakhtinianos tanto para a literatura como para a linguística. E aí, enquanto faz uma tomada panorâmica da questão sentido/significado na obra do Círculo, vai aproximando (e distinguindo) essa conceituação de outras, sobretudo de teóricos contemporâneos do Ocidente, como J. Derrida, Blanchot, o Barthes tardio, e mesmo Benjamin. Consciente está, porém, do desacordo entre os críticos dessas possibilidades de confrontação, pois conclui apresentando-nos, num breve balanço, especialmente a posição de comentadores bakhtinianos, como Ponzio, Zavala, Stewart, Morson e Holquist a esse respeito. Justifica-se, porém, com trecho do próprio Bakhtin, quando fala da “infinita heterogeneidade de sentidos” nos Apontamentos de 1970-1971: “La redujimos tremendamente mediante selección y modernización de lo seleccionado. […] Estamos empobreciendo el pasado y no nos enriquecemos nosotros mismos”. Desperta a curiosidade intelectual de nós, leitores, na comprovação das potencialidades de tais diálogos.

Convém assinalar que o referido problema de tradução eventualmente dificulta até nossa leitura de brasileiros, ainda que espanhol e português sejam línguas tão próximas. É o que pode ocorrer ao buscarmos o termo discurso. À primeira vista, o Diccionario não trata desse conceito essencial na obra do Círculo… Mas aí nos damos conta da existência do verbete palabra/discurso, assinado por Cristian Cardozo. E evocamos o conhecido ensaio de Voloshinov: no francês, Le discours dans la vie et le discours dans la poésie, Contribution à une poétique sociologique; no espanhol, La palabra en la vida y la palabra en la poesia. Hacia uma poética sociológica; na recente tradução para o português organizada pela equipe de Valdemir Miotello, A palavra na vida e discurso na arte. Introdução ao problema da poética sociológica. No entanto, palabra/discurso estão muito mais próximas no espanhol, diferentemente do que acontece em português (e também parece ser o caso do russo slovo). A partir de uma definição mais geral do termo na obra do Círculo, atribuindo-lhe inclusive a responsabilidade de conceituar toda a obra bakhtiniana como “una larga reflexión sobre ‘la vida de la palabra’ y sus modos históricos y sociales de producción de sentido, apropiación y refración” (p.203), o autor conclui o verbete com a importante afirmação de que “para estudiar la palabra como discurso no se la puede cosificar…” (p.211).

Em alguns momentos da consulta do Diccionario encontramos analogias intrigantes, como a de Candelaria de Olmos ao afirmar que Bakhtin parece substituir o binômio saussuriano langue/parole pelas relações dinâmicas entre gênero/enunciado: “a pesar de ser individual e irrepetible, el enunciado tiene un carácter social, mientras que el género – lejos de ser un sistema abstracto y normativo – , se presenta como un reservorio de reglas más o menos flexibles según el caso, elaboradas a lo largo de su uso, en situaciones histórico-sociales concretas” (p.138). Ou, ao consultarmos o verbete texto, também de responsabilidade de Olmos, constatamos a falta de referências importantes para a compreensão bakhtiniana do conceito, na medida em que a autora não busca o diálogo com as importantes obras de autoria disputada Voloshínov/Bakhtin, que poderiam enriquecê-lo… Por outro lado, há aí o posicionamento crítico frente à noção, situando-a em oposição ao estruturalismo ou ao pensamento sistêmico de Lotman, destacando a perspectiva polêmica bakhtiniana e apontando-lhe uma possível ambiguidade: “Hay que decir, pues, que la definición bajtiniana de texto es, cuanto menos, ambigua y que si en un sentido el término funciona como sinónimo del de enunciado; en otro, es su opuesto diametral y señala más bien, la materialidad del fenómeno (impresión, reproducción, etc). Esta ambigüedad es particularmente notable en ‘El problema del texto en la filología, la lingüística y otras ciencias humanas”. Sem dúvida, a compreensão responsivo-ativa do leitor deve levá-lo a refletir a esse respeito, instaurando novo diálogo com as obras do Círculo.

Cabe ainda um breve comentário sobre o verbete dialogismo, de importância primordial no pensamento bakhtiniano, muito bem organizado e de grande utilidade para o estudioso da linguagem (entre outros). Assinado pela coordenadora da obra, Pampa Olga Arán, de início apresenta uma visão cronológica de seu desenvolvimento e das várias ocorrências na obra do Círculo para, ao final, defini-lo como um “postulado que al condensar el imaginario de la dinámica histórica y social, atraviesa todos los conceptos, los une y les otorga sentido”.

Concluindo, apenas alguns poucos comentários: como esperado em obras coletivas, há diferentes profundidades e perspectivas na exposição e apreensão dos conceitos, o que de nenhum modo invalida o Diccionario. Em termos de complementação, a obra ganharia bastante – e também o estudioso de Bakhtin e seu Círculo, se houvesse a correspondência de cada um dos verbetes com outras línguas (o francês e o inglês); mas esbarramos aí novamente no problema da tradução. Por fim, é preciso destacar que livros organizados ou redigidos por especialistas brasileiros da obra bakhtiniana, como Beth Brait, Carlos A. Faraco, Irene Machado, Gilberto de Castro e Cristóvão Tezza foram consultados e fartamente citados.

Enfim, o Nuevo diccionario de la teoría de Mijail Bajtin revela-nos, antes de tudo, a penetração e a vitalidade da teoria do Círculo no país vizinho e, especialmente, na Universidade Nacional de Córdoba. Mas se, como nos diz Bakhtin, “um enunciado sempre cria algo novo”, na luta constante pela compreensão, este Nuevo Diccionario permite enriquecimento e mudança de todos nós, leitores/autores. Vale a pena! 

Maria Helena Cruz Pistori – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP/FAPESP, São Paulo, São Paulo, Brasil; mhcpist@uol.com.br.

Itamar Freitas

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