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Not all dead white men: classics and misogyny in the digital age | Donna Zuckerberg

A presença de referências ao mundo clássico em discussões realizadas nas redes sociais vem despertando a atenção de diversos estudiosos. Ainda que a tradição clássica tenha sido amplamente utilizada para justificar e legitimar posições ideológicas e regimes políticos ao longo da história, e, embora o estudo destas apropriações seja recorrente, a amplitude do universo on-line e a forma como esses discursos são criados e apropriados em plataformas virtuais trazem novas nuances para a situação, ou como é apontado por Donna Zuckerberg, as redes sociais amplificaram estes movimentos. A estudiosa, doutora em estudos clássicos pela Universidade de Princeton, é também fundadora e editora do site Eidolon, dedicado a apresentar os estudos clássicos para além dos meios acadêmicos tradicionais, considerando os aspectos políticos envolvidos e a partir de uma perspectiva feminista2.

Assim, em Not all dead white man, Zuckerberg se propõe a apresentar uma análise detalhada sobre como comunidades presentes na internet vêm se apropriando de símbolos, referências e personagens do mundo greco-romano com a finalidade de justificar posturas misóginas na contemporaneidade. Nesse sentido, dedicou-se ao mapeamento dos diferentes grupos que compartilham essas opiniões e apresenta um quadro minucioso dos mesmos, suas especificidades e diferenças, bem como de que forma eles se relacionam entre si.

Para tanto, a autora investigou quais são os ideais que esses grupos vinculam ao passado clássico e como eles associam sua condição contemporânea aos modelos antigos. No que se refere à organização, a obra é dividida em quatro capítulos, sendo o primeiro denominado “Arms and the Manosphere”, voltado ao entendimento de quem são e por que estas comunidades se interessam pelo mundo clássico, e como, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, apresentam divisões internas relevantes, desde subgrupos dedicados a ativistas de direitos dos homens, passando por homens voltados a dicas de sedução e autoajuda, ou até mesmo coligações que visam se distanciar de qualquer influência feminina (entendida como nociva). Zuckerberg destaca que, dentre os pontos de aproximação desses grupos está o desprezo pelos “Social Justice Warriors”, como eles denominam os defensores de direitos humanos, feministas e ativistas em geral. Ela afirma que, ao defender o estudo do passado clássico, esses grupos o fazem porque percebem similaridade entre seus interesses misóginos contemporâneos e textos greco-romanos (analisados sem considerar a sua especificidade histórica), utilizando o mundo antigo para justificar o patriarcado e o preconceito contra minorias, bem como uma ferramenta retórica relevante para defesa de seus ideais.

Em seguida, “The Angriest Stoics” discute como os membros da “RedPill” (como são denominadas essas comunidades, em referência ao filme Matrix) se identificam e apropriam de ideais que afirmam serem oriundos do estoicismo. Ao longo desse capítulo a autora estabelece um diálogo entre os textos de autores estoicos, suas análises acadêmicas e como são consumidos e interpretados virtualmente. Ela ressalta como a recepção do estoicismo se dá com a finalidade de aplicar princípios na vida amorosa ou de aperfeiçoamento pessoal, aproximando-se de um ideal de autoajuda, a partir de versões simplificadas dos textos clássicos.

O terceiro capítulo, “The Ovid Method”, demonstra como a obra de Ovídio é interpretada como uma espécie de manual de práticas afetivas e sexuais por parte da Red Pill Community, análise elaborada a partir de textos encontrados em blogs frequentados por membros da comunidade, mas também em livros dedicados ao ensino de técnicas de sedução. Nestes espaços, a obra de Ovídio, em especial a Ars Amatoria, é amplamente citada como um manual de conquista. Zuckerberg destaca como tais prerrogativas partem do princípio da existência de uma essência feminina (desconsiderando as mudanças relativas aos papéis de gênero na contemporaneidade em relação à Roma de Ovídio) e como esta simplificação do olhar sobre o passado clássico serve para justificar e defender práticas de assédio a partir da obra Ovidiana.

Por último, “How to Save Western Civilization” assinala como a literatura clássica vem sendo utilizada para criar modelos comportamentais baseados em uma visão bastante particular do que seria a civilização ocidental. A autora aponta como os membros da Red Pill defendem a necessidade de um maior controle masculino sobre as mulheres, criticam o sufrágio feminino e associam a liberdade feminina à decadência nas sociedades contemporâneas, recorrendo, mais uma vez, ao mundo clássico, em especial à mitologia, para defender a necessidade de controle masculino sobre as mulheres e seus corpos.

Cabe destacar que, muito embora Zuckerberg aponte erros e interpretações simplistas presentes nos fóruns de discussão, o foco da autora não é meramente corrigir possíveis erros nas explanações, mas centra-se na compreensão de como os membros desses grupos on-line se apropriam do passado e o utilizam como uma arma retórica para a defesa de seus ideais.

Ao longo do livro, somos apresentados a como especificidades do mundo clássico, em especial aquelas associadas ao gênero, são subtraídas pelos membros da Red Pill para justificar sua prerrogativa acerca da superioridade masculina, bem como para explicar a existência de uma suposta “essência” feminina, a qual não teria sofrido alterações, validando a aplicação de uma moral e costumes similares àqueles presentes no mundo greco-romano, ou seja, como, para eles, o passado serviria como um exemplo de como as mulheres deveriam ser tratadas, seja por seus companheiros e familiares, seja pelo Estado.

Neste sentido, um dos méritos da obra de Zuckerberg é a amplitude de dados e detalhes sobre os grupos analisados. Classicista de formação, a autora apresenta um grande panorama destas comunidades virtuais e da forma como elas se relacionam entre si e com cenários externos, como a academia (amplamente desprezada) e com o mundo clássico (idealizado e com o qual buscam aproximação)

Nota

2 In: https://eidolon.pub/eidolons-mission-statement-d026012023d5, acessado em 20/10/2019.


Resenhista

Lorena Pantaleão da Silva – Doutoranda em História na Universidade Federal do Paraná (UFPR). http://lattes.cnpq.br/2032944123531948


Referências desta Resenha

ZUCKERBERG, Donna. Not all dead white men: classics and misogyny in the digital age. Cambridge: Harvard University Press, 2018. Resenha de: SILVA, Lorena Pantaleão da. Os estudos clássicos e a internet. Revista Hydra. São Paulo, v.4, n.7, p. 389- 392, dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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