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NGOENHA Severino E. (Aut), Resistir a Abadon (T), Paulinas (E), QUITUNGA Asbel D. (Res), Monções UFGD (Mçr), Filosofia, Relações Internacionais, Pensamento Alemão, Ulrich Beck, Sociólogo | Carlos R. S. Milani

A obra “Solidariedade e interesses: motivações e estratégias na cooperação internacional para o desenvolvimento”, escrita por Carlos Milani e publicada em 2018, é uma importante contribuição recente para a área das Relações Internacionais, em especial para os estudos da cooperação internacional para o desenvolvimento (CID). Ao longo de quatro capítulos, Milani (2018) analisa diferentes temas e dimensões da cooperação internacional para o desenvolvimento tendo como fio condutor a coexistência de solidariedade e de interesses nas práticas enquadradas sob a categoria da CID1.

A primeira grande contribuição consiste na apresentação, na Introdução, de uma definição parcimoniosa, e por isso, com grande potencial de generalização, para a cooperação internacional para o desenvolvimento. Nas palavras do autor, define-se a CID “[…] como um campo político – portanto, necessariamente, permeado por relações de poder – em que inúmeros atores competem por legitimidade, reconhecimento e recursos materiais […]” (MILANI, 2018, p. 23). Tal definição abrange tanto as práticas tradicionais e históricas dos países doadores do Norte, quanto as ações dos parceiros emergentes, como China, Turquia, Brasil, Índia e México.

No primeiro capítulo, intitulado Histórico, Institucionalização e Relações de Poder, apresenta-se a trajetória da CID. De maneira sucinta, o autor apresenta os antecedentes que contextualizam este campo político, destacando exemplos que voltam à antiguidade2 e chegam ao início do Século XX, no período entre Guerras, marcado pelas influências liberais de Woodrow Wilson e as tentativas de estabelecer uma ordem internacional estável e pacífica. A breve análise dos antecedentes da cooperação internacional do desenvolvimento explicita, de acordo com o autor, que tal campo segue as dinâmicas dos sistemas econômico e político estabelecidos internacionalmente no pós-Segunda Guerra Mundial. Para exemplificar tal argumento, o autor apresenta de forma organizada os marcos da institucionalização da CID, com destaque para o Plano Marshall (1947) e para a criação da Organização para a Cooperação Econômica Europeia, que a partir de 1961 passou a ser denominada de Organização para a Cooperação e para o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ambos são entendidos como grandes fontes normativas para a CID. Na sequência, apresentam-se as implicações da Crise do Estado de Bem-Estar Social, no contexto da década de 1970, da expansão da ideologia Neoliberal na década de 1980, e das mudanças sistêmicas desencadeadas pelo fim da Guerra Fria para o campo da CID. Por fim, Milani (2018) sistematiza a tipologia dos atores, das modalidades e dos fluxos financeiros na cooperação internacional para o desenvolvimento, destacando o debate conceitual sobre a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD).

No segundo capítulo (Organizações Multilaterais: normas, práticas e ideologias), analisa-se o papel das Organizações Multilaterais, sejam elas de caráter global (como a Organização das Nações Unidas e o Banco Mundial), ou regionais (como a União Europeia e o Banco Interamericano de Desenvolvimento), e também os agrupamentos formais e informais de países (OCDE, G-7, G-20, BRICS e o Ibas, por exemplo), na criação e difusão de normas, padrões de comportamento e conceitos no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento. Para isso, o autor analisa o histórico e a atuação destes organismos, colocando em questionamento o impacto da construção de consensos, através das normas difundidas por essas organizações, para a CID. O autor destaca os limites e as potencialidades da existência de tal consenso ao afirmar que:

Buscando a construção de consenso ao invés da compreensão das contradições, as organizações multilaterais têm ajudado, pelo menos em termos formais, a construir respostas a essa distância […] mediante propostas de harmonização, de homogeneização e de profissionalização do campo da CID. No âmbito do pensamento crítico, a construção de consensos amplos pelas organizações internacionais […] pode ser lida como hegemonização do campo (MILANI, 2018, p. 105).

O terceiro capítulo (Estado e Política Externa: o papel das agências bilaterais de cooperação), orienta-se para responder por que e como ocorre a cooperação bilateral 3 entre os Estados. Primeiramente, o autor analisa como as teorias das Relações Internacionais explicam a cooperação internacional. Após apontar os parcos rendimentos analíticos do Realismo para a análise do fenômeno, mobilizam-se modelos teóricos de médio alcance que destacam a importância do processo decisório doméstico na construção da política externa. Na sequência, apresenta-se o histórico, o modelo organizacional e hierárquico e os principais parceiros de algumas agências bilaterais na cooperação Norte-Sul4. De maneira mais sistemática, realiza-se um estudo de caso da Usaid5 , como exemplo de um doador da modalidade Norte-Sul, e da Amexcid (agência do México) e Tika (Turquia), para contextualizar a modalidade Sul-Sul. As principais análises apresentadas ao final do capítulo versam sobre a grande diversidade de arranjos institucionais e processos decisórios no nível doméstico dos países doadores/parceiros e os impactos desta variação nos traços e práticas das modalidades Norte-Sul e Sul-Sul.

O quarto capítulo, intitulado Política Externa Brasileira e Cooperação Sul-Sul, busca compreender as singularidades do uso instrumental da CID na inserção internacional brasileira durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT). De acordo com o autor, o período compreendido entre 2003 e 2014 é marcado e diferenciado por uma intensa aproximação, através da CID, com países latino-americanos, asiáticos e africanos, o que gerou ganhos políticos e econômicos, mas, também, contradições. Após apresentar questionamentos e evidências do papel da cooperação Sul-Sul nas estratégias de inserção internacional do Brasil nos governos petistas, o autor apresenta dois estudos de caso: 1) A cooperação sul-sul brasileira no setor de educação e 2) a cooperação humanitária no Haiti. Após apontar as tendências, estratégias e desdobramentos de tais ações para o Brasil, apresenta-se uma importante discussão sobre as relações público-privadas na construção de políticas públicas de cooperação, destacando a necessidade da participação da sociedade civil e da politização e pluralização do debate e do processo decisório.

Ao longo dos quatro capítulos, fica claro o argumento central do autor de que a complexidade do campo da cooperação internacional para o desenvolvimento demonstra uma relação instrumental entre interesses e solidariedade – expressa por doadores do Norte e parceiros do Sul – como forma de superação ou suavização das desigualdades internacionais. O movimento analítico de relacionar interesses e solidariedade, geralmente enquadrados e em espectros opostos da teoria política, contribui substantivamente para a literatura sobre o tema e possibilita análises menos normativas sobre as características das cooperações Norte-Sul e Sul-Sul. Em outras palavras, há interesses e solidariedade, ainda que discursiva, em ambas as modalidades e estas são condições necessárias para a caracterização dos diversos fenômenos que compõem o campo da cooperação internacional para o desenvolvimento.

Nota

1 Resenha submetida e avaliada antes que a autora se tornasse editora da Revista Monções.

2 Milani (2018, p. 29) argumenta que os registros históricos das primeiras formas de cooperação internacional apontam as ações levadas a cabo por Ptolomeu III, no Egito.

3 Sem a participação de organismos internacionais, o que caracterizaria a cooperação como multilateral ou trilateral/triangular.

4 O autor apresenta as agências dos Estados Unidos, da França, do Canadá, da Alemanha e do Reino Unido, por exemplo 5 Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.

Referência

MILANI, Carlos R. S. Solidariedade e Interesse: Motivações e estratégias na cooperação internacional para o desenvolvimento. Curitiba: Appris, 2018.


Resenhista

Déborah Silva do Monte – Professora adjunta da Universidade da Grande Dourados (UFGD), Dourados- MS, Brasil. E-mail: deborahmonte@ufgd.edu.br  Orcid: 0000-0002-4074-5715


Referências desta Resenha

MILANI, Carlos R. S. Solidariedade e Interesse: Motivações e estratégias na cooperação internacional para o desenvolvimento. Curitiba: Appris, 2018. Resenha de: MONTE, Déborah Silva do. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD. Dourados, v.10, n.20, p.587-590, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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