Saul Friedländer, catedrático de História da Universidade da Califórnia em Los Angeles, tem se dedicado, há tempo, ao estudo da História Contemporânea e, em particular, à Alemanha nazista e a perseguição aos judeus. Ganhador de diversos prêmios, o historiador nascido na década de 1930 em Praga, em família judia de idioma alemão, viveu a infância na França e enfrentou a ocupação. Após a Segunda Guerra (1939-1945), imigrou para Israel e desde o final da década de 1980 é professor na Califórnia. Este volume é uma versão resumida do original que ganhou o prêmio Pulitzer, resultado do belo trabalho de Orna Kenan, e que permite o acesso mais amplo à obra.
Logo na introdução de Kenan, o leitor é apresentado à tese de Martin Broznat, do Instituto de História Contemporânea de Munique, de que até o final da guerra a população alemã nada sabia sobre a Solução Final (o extermínio de judeus e outros povos) e que deveria ser considerado um período normal da História alemã e europeia. Friedländer questionou a noção de normalidade e apontou que o antissemitismo era popular (völkisch) e, para isso, examinou, em detalhe, a documentação referente ao período em que o nazismo controlou o estado alemão, a partir de 1933. Fica claro que as restrições aos judeus foram crescentes, atingindo, também de maneira cada vez mais intensa, os chamados mestiços (Mischlinge), como quando em 15 de abril de 1937 os doutorandos de sangue judeu não poderiam defender suas teses. A radicalização, contudo, ocorreu a partir de 1938, com a anexação da Áustria e o estabelecimento de um modelo de ação contra os judeus que antevia a solução final. A Noite dos Cristais e a intensificação à perseguição foram consequências imediatas.
Friedeländer pondera que de 1933 até o início da Guerra, em 1939, não havia uma agitação popular de massa para expulsar os judeus da Alemanha, ou mesmo um ímpeto em direção a ações violentas contra eles. Mas, por outro lado, a maioria dos alemães preferia não olhar para essa questão e havia mesmo grande entusiasmo pela construção de uma Volksgemeischaft (comunidade popular), como aponta o historiador alemão Norbert Frei. A situação mudou a partir de setembro de 1939, com uma política de terror imposta a partir do início da ocupação da Polônia e o início formal da guerra na frente ocidental. A partir daí, a erradicação foi sistemática dos doentes mentais, ciganos e vários grupos raciais que se mesclavam ao povo alemão (Volk), como os homossexuais, criminosos e outros, com o envio sistemático para campos de concentração. Instituições médicas foram também usadas para organizar o extermínio nos campos. A sistemática consistia em identificar, segregar, expropriar, concentrar, emigrar ou expulsar. O cinema foi usado para atiçar a sensação de que os judeus, assim como outros grupos humanos, eram maldosos e deveriam ser eliminados. Este foi o caso de Jud Süss, ganhador do leão de ouro no Festival de Veneza de 1940, tendo sido aclamado como grande obra por um jovem crítico, Michelangelo Antonioni, a despeito de ser um filme racista ao extremo.
Friedländer identifica a decisão de exterminar todos os judeus (Solução Final) no último quartel de 1941. Diante da nova guerra mundial, Hitler estava determinado a eliminar o inimigo interno que ele considerava responsável, ademais, pela derrota da Alemanha na Grande Guerra (1914-1918). De janeiro de 1942 a maio de 1945 houve, portanto, a Shoah (Holocausto). A assembleia de cardeais e arcebispos franceses reunidos em Paris em 21 de julho de 1942 escreveu uma carta para o Marechal Pétain, governante da França controlada pelos nazistas, contra as prisões de israelitas e em defesa dos direitos humanos, assim como houve outras manifestações semelhantes. O historiador alemão Hans Mommsen mostrou que a morte em câmara de gás era conhecida inclusive pela oposição alemã, que, mesmo assim, não conseguia conceber um lugar para os judeus numa Alemanha pósnazista.
O volume pode ser considerado uma contribuição historiográfica substancial para o conhecimento das políticas racistas durante o período nazista e contém indicações relevantes também para outros contextos ditatoriais, em particular. Assim, o papel desempenhado pela propaganda e pelos meios de comunicação foi fundamental para que os judeus e outros grupos humanos fossem considerados por muitos como perigosos e que deviam ser expulsos ou eliminados. Além disso, mesmo aqueles que, em circunstâncias tão difíceis, conseguiam lutar contra o regime nazista não eram capazes, muitas vezes, de vislumbrar a convivência com a diferença, mesmo após o fim do regime ditatorial. Para além dos períodos autoritários, também em democracias pode haver políticas de classificação racial e atitudes discriminatórias, propagadas pelos meios de comunicação. A leitura desta obra é de interesse, portanto, não apenas de historiadores, como de todos que se preocupam com os destinos das sociedades contemporâneas.
Resenhista
Pedro Paulo Abreu Funari – Doutor em Arqueologia – USP. Professor Titular – Unicamp.
Referências desta Resenha
FRIEDLÄNDER, Saul. Nazi Germany and the Jews, 1933-1945. Nova Iorque: Harper, 2009. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 6, n. 11, jan./jun. 2012. Acessar publicação original [DR]
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