Nature’s Economy: A History of Ecological Ideas | Donald Worster
Antes de se constituir um campo do conhecimento, na segunda metade do século XIX, a ecologia já era praticada como uma “economia da natureza”. É o que nos revela o livro Nature’s Economy: A History of Ecological Ideas, um dos mais importantes clássicos da história ambiental, publicado pela primeira vez em 1977, reeditado, revisado e ampliado em 1994, mas, infelizmente, ainda não traduzido para a língua portuguesa. Seu autor, Donald Worster, Professor emérito do Departamento de História da Universidade do Kansas, é o mais ilustre historiador da área, tendo publicado vários livros e artigos relevantes.
Nature’s Economy está dividido em seis partes, organizadas em ordem cronológica. Publicada em plena “Idade da Ecologia”, expressão utilizada por Worster para designar o contexto de popularização das preocupações ecológicas, nos anos 1960-70, o objetivo da obra é entender como o mundo natural tem sido percebido pela ciência da ecologia, desde o século XVIII, bem como a dinâmica dessas percepções, ao longo do tempo. No entanto, o livro não se restringe à construção de uma “história da ecologia”; ele penetra, mais profundamente, na penumbra do pensamento ecológico, incluindo as conexões literárias, econômicas e filosóficas que os ecólogos realizaram. A principal contribuição do livro, segundo o autor, é oferecer uma consciência mais profunda das raízes da nossa compreensão contemporânea da natureza (Worster, 2011, p. xiii).
A primeira parte, intitulada “The Roads Diverged: Ecology in the Eighteenth Century”, é composta de dois capítulos. O primeiro é dedicado a compreender a perspectiva do naturalista inglês Gilbert White. Estudando a natureza de Selbourne, onde nasceu, e embasado em leituras sobre o paganismo grego e romano, White chegou a uma concepção de harmonia arcadiana no mundo natural, que, de acordo com Worster, foi a raiz do vitalismo e de visões orgânicas, holísticas da natureza, uma tradição de pensamento que seria seguida por Henry Thoreau, John Muir, Aldo Leopold e Rachel Carson, entre outros. O segundo capítulo aborda a obra do naturalista sueco Carl Linnaeus, num sentido oposto a White, como representante da visão imperial na natureza. Seu sistema de classificação taxonômica refletia o mecanicismo de Descartes e Newton, bem como a ideologia imperialista de Bacon e a moral do cristianismo: Deus fez o mundo para o homem, logo, a natureza devia ser dominada para realizar o progresso humano. Para Worster, o modelo de Linnaeus tinha muito mais a dizer sobre a missão humana de explorar do que de conservar. Ao ampliar o conhecimento sobre os elementos naturais, Linnaeus acabou colaborando com a tradição imperial que, cada vez mais, encarou a natureza como recurso, subserviente às razões e necessidades humanas (Worster, 2011, p. 53).
Na segunda parte do livro, composta por três capítulos e intitulada “The Subversive Science: Thoreau’s Romantic Ecology”, Worster discute a perspectiva romântica de natureza do naturalista norte-americano Henry David Thoreau, que, aos 27 anos de idade, passou a viver em uma cabana às margens do Lago Walden (Concord, Massachusetts). Thoreau foi influenciado pelas visões holísticas de Gilbert White e Alexander Von Humboldt; ele afirmou, em 1851, que a terra não era uma massa inerte: era um corpo e tinha um espírito, era orgânica (Worster, 2011, p. 79). Em suas obras, Thoreau defendia a unidade entre homem e natureza, a partir de observações introspectivas junto aos elementos naturais. Viver ligado à natureza levaria a uma profunda intimidade que, para ele, era a essência de um naturalista. Como um ativo ecologista de campo, Thoreau desenvolveu uma sofisticada filosofia ético-ecológica. Por esse motivo, suas ideias tornaram-se inspiração para movimentos ecológicos no século XX.
Os quatro capítulos da parte três – “The Dismal Science: Darwinian Ecology – são dedicados à “Ecologia Darwiniana”. Worster considera Charles Darwin a figura mais importante na história da ecologia nos últimos dois ou três séculos; ninguém contribuiu tanto para a constituição do campo de estudos. Worster analisa as ideias de Darwin, relacionando-as ao contexto intelectual do século XIX; foram especialmente importantes as contribuições de Alexander Von Humboldt, Charles Lyell e Thomas Malthus. As observações em Galápagos forneceram pistas essenciais para sua teoria da evolução por meio da seleção natural. Worster aponta que a “descoberta” de Darwin de que o homem é um animal e faz parte da natureza levou a uma das grandes contribuições do darwinismo, uma emergente atitude biocêntrica para com a natureza, enraizada em valores arcadianos e românticos: homens, plantas e animais estão todos conectados na mesma rede, são companheiros de viagem, compartilhando o mesmo planeta (Worster, 2011, p. 187).
A quarta parte, “O Pioneers: Ecology on the Frontier”, é composta por três capítulos, em que Worster aborda o desenvolvimento do campo científico, desde o momento em que a ecologia finalmente ganha um nome (em 1869, ideia do alemão Ernest Haeckel), até os anos iniciais do século XX. Os botânicos Eugenius Warming (dinamarquês) e Frederic Clements (norte-americano) são enfocados de perto, pelo seu papel de “pioneiros” da ecologia como ciência. Warming publicou o primeiro texto sobre ecologia vegetal, “Plantesamfund” (1895), no qual abordou relações de comensalismo, simbiose e parasitismo entre plantas e animais, salientando que quase nenhuma espécie poderia prosperar sem a ajuda de outras. Clements contribuiu para a ecologia com o conceito de “sucessão ecológica”, que designa a dinâmica evolutiva da comunidade de plantas, passando por diversos estágios, até chegar ao clímax, momento em que a formação vegetal torna-se um organismo complexo, no qual o todo é maior do que a soma das partes e, por isso, transforma-se em um novo tipo de ser orgânico com novas propriedades (Worster, 2011, p. 211). O último capítulo dessa parte é dedicado aos episódios conhecidos como “Dust Bowl”, que ocorreram na década de 1930, quando violentas tempestades de pó assolaram os Estados Unidos. Segundo Worster, as tempestades foram a herança do abuso da terra: manejo inadequado do solo, desmatamento e falta de rotatividade nos cultivos, durante décadas1.
Denominada “The Morals of a Science: Ethics, Economics and Ecology”, a quinta parte se divide em três capítulos, que abordam o desenvolvimento da ecologia entre o início do século XX até os anos 1960. Nesse ponto, até o fim do livro, o foco da análise recai sobre a questão moral que envolve a ecologia: o conhecimento cada vez maior sobre o mundo natural levava tanto ao aumento das possibilidades de exploração, quanto à necessidade de um posicionamento ético dos ecólogos pela preservação do ambiente. A política de conservação adotada nos Estados Unidos, na primeira metade do século XX, muitas vezes saudada como uma das maiores contribuições do país ao ambiente mundial, é avaliada por Worster (2011, p. 261) como uma deliberada campanha para destruir animais selvagens, um dos mais eficientes, bem organizados e bem financiados esforços em toda a história humana. A classificação moral de espécies boas e más levou ao extermínio de predadores, como o grizzly (urso), o coiote e outras espécies de lobos, texugos, linces, raposas, gambás etc, através de campanhas lideradas por órgãos do governo federal. Para Worster (2011, p. 266), proteger a economia da nação, não sua natureza, era o tema central na filosofia de conservação aplicada no país. O engenheiro florestal Aldo Leopoldo (1887-1948), teve papel destacado na mudança de atitude em relação aos predadores e à proteção das florestas nacionais. A exemplo de Gilbert White e Thoreau, Leopold comprou uma cabana no “mato”, em 1935 – em Baraboo, Wisconsin – e passou a observar de perto os ciclos das plantas e animais. Essa convivência com a natureza levou-o a formular a Land Ethic (seu famoso texto, “A ética da terra”). Para Worster (2011, p. 284), mais do que qualquer outra peça de escrita, esse trabalho assinalou a chegada da “Idade da Ecologia”, e pode ser considerado a mais concisa expressão da nova filosofia ambiental.
Também na quinta parte do livro, Worster aborda os avanços da ciência da ecologia na primeira metade do século XX. Duas correntes caminhavam lado a lado, uma enfatizava aspectos físicos e econômicos, numa perspectiva mais utilitarista da ciência – conhecer para explorar melhor –, e outra enfocava a dimensão holística, promovendo um movimento de restauração de valores morais na ciência, uma “ética da interdependência”. Na primeira corrente, Worster destaca os trabalhos do zoólogo inglês Charles Elton, que contribuiu com os conceitos de “cadeia alimentar” e de “nicho ecológico”; A. G. Tansley, o botânico inglês que cunhou o conceito de “ecossistema”, enfatizando os fluxos de energia entre elementos bióticos e abióticos; e o norte-americano Raymond Lindeman, que realizou estudos sobre a dinâmica trófica dos seres vivos. Com essas descobertas, vários cientistas defenderam uma perspectiva matemática para a ecologia, tentando colocá-la no hall das “ciências duras”: uma “nova ecologia”, agora capaz de um melhor gerenciamento e manipulação da natureza, para garantir maior produtividade econômica. A segunda corrente defendia o organicismo, que enfatizava o processo, a criatividade e as inter-relações na comunidade, a “unidade orgânica do todo” (Worster, 2011, p. 317). Um dos líderes, o inglês Alfred Whitehead, argumentava que tudo estava ligado a tudo mais, não superficialmente, como uma máquina, mas essencialmente, como o corpo humano. O norte-americano William Wheeler enfatizava as relações sociais de cooperação entre os seres vivos, na teia da vida. Ambas as correntes influenciaram as discussões sobre ética ecológica, a partir dos anos 1960. No final dessa parte, Worster tece importantes considerações sobre o papel da ciência no contexto contemporâneo e sua capacidade (ou não) de guiar a humanidade.
Dois capítulos compõem a sexta e última parte – “The Age of Ecology: Science and the Fate of the Earth”-, onde o autor aborda a “Idade da Ecologia”. Após a Segunda Guerra Mundial, os testes nucleares e a escalada das armas de destruição em massa levaram a uma preocupação cada vez maior com a “saúde do planeta”. Alguns cientistas entenderam que tinham a obrigação moral de alertar a humanidade sobre os perigos que ela e o ambiente corriam. Worster enfoca Barry Commoner, Rachel Carson e Paul Ehrlich, entre outros. A realização de eventos emblemáticos também ajudou a popularizar a temática da ecologia: a comemoração do primeiro Dia da Terra, em 1970, a divulgação da imagem da terra vista do espaço, a partir de 1969, e a Conferência de Estocolmo, em 1972. O último capítulo trata dos desdobramentos mais recentes da ciência ecologia e suas implicações éticas. As novas gerações de ecólogos passaram a questionar ideias mais antigas: o consenso sobre a noção de equilíbrio desmoronou, e muitos se afastaram da concepção disseminada por Eugene Odum, de ecossistema como um inteiro integrado em estado de homeostase. No seu lugar, cientistas passaram a procurar sinais de “perturbação” causada pelos elementos naturais. Um desses críticos, o biólogo Daniel Simberloff, afirmou que muitas teorias da ecologia eram suspeitas, pois “cheiravam a metafísica”; havia mais probabilidades do que certezas no conhecimento ecológico. Com isso, Darwin foi “redescoberto”: a competição entre as populações passou a ser ressaltada, em vez do “espírito de cooperação”. Nos anos 1960, a “teoria do caos” representou uma revolução contra princípios, leis e modelos da ciência clássica, inclusive vários pressupostos da ecologia. Como reação ao “caos”, surgiu a “complexidade”: se a natureza mostrava uma capacidade de desordem, então a ordem também deveria ser conhecida e estudada, pois mesmo que não houvesse nenhuma ordem inerente na natureza, havia evidências de que condições de mudança davam forma à ordem, mesmo que, logo após a ordem se dissolvesse pela mudança (Worster, 2011, p. 412). Defensores da complexidade, como Prigogine e Stengers, acreditavam que a teoria do caos aumentava a alienação do homem em relação à natureza. Se a regra era a perturbação constante, a humanidade não precisava preocupar-se com as consequências de suas intervenções no mundo natural. Por último, na virada dos anos 1980-1990, o debate se renova na noção de “biodiversidade”. Muitos ecólogos começaram a argumentar que, apesar das incertezas da teoria e das discordâncias entre seus pares, o mais importante era prevenir a extinção de toda e qualquer espécie. A ecologia, que tinha se tornado um complicado estudo da abundância das espécies, agora precisava tornar-se um instrumento capaz de impedir sua perda.
É interessante tecer algumas considerações críticas sobre a parte final do último capítulo, denominada “The Disorder of History”. Nela, o autor deixa transparecer uma concepção de história e de natureza mais conservadoras, discordando das recentes reflexões pós-modernas, as quais considera expressões paradigmáticas do capitalismo tardio (Schiffhauer, 2008, p. 227). Worster defende uma espécie de historicismo, através do qual o historiador poderia abordar os modelos ecológicos que enfatizam a perturbação com ceticismo e independência. Ele diverge das novas teorias, porque entende a natureza como o reino que tem uma objetividade, ordem, equilíbrio e coerência independentes; nós, humanos, somos uma parte dessa ordem, porém existindo fora e em oposição a ela (Worster, 1990). O autor também acredita numa história magistra vitae, ao afirmar que “na realidade, o passado é o nosso mais confiável instrutor” (Worster, 2011, p. 433). Assim como pensa a natureza, Worster considera o passado das sociedades agrícolas pré-capitalistas – que viviam sob o tempo cíclico e percebiam a natureza como uma ordem permanente – um tempo de ordem, equilíbrio, com o qual podemos aprender modelos para o presente. Discordando das novas teorias que difundiram distúrbios também na história (linguistic turn, cultural turn), Worster considera a preocupação pós-moderna com a semântica e autoria como expressão paradigmática de uma cultura vã e auto-centrada (Schiffhauer, 2008, p. 218). Sua posição advém de um pressuposto político: ele é contrário ao relativismo histórico, que considera prejudicial, já que, em sua opinião, o historiador ambiental teria o compromisso ético de ajudar as pessoas a encontrar novamente a coerência, padrão e integridade da natureza, o reino onde poderíamos mais uma vez colocar a história humana (Worster, 1990, p. 1147).
Por fim, cabe ressaltar que Nature’s Economy é um livro muito bem escrito e representa um admirável esforço de erudição, no qual Worster analisou as obras de inúmeros autores, percorrendo suas contribuições para a ciência ecologia e suas ideias sobre a natureza, ao longo de quase três séculos. Worster mostra, de forma magistral, o quão variáveis foram os caminhos da ecologia até a atualidade, e como os dois paradigmas iniciais – arcadiano e imperialista – muitas vezes se imbricaram, mesclaram e divergiram, ao longo dos contextos históricos, talvez persistindo até a atualidade, em novas roupagens. Nature’s Economy permanece vivo e relevante, passadas décadas de seu surgimento. Um excelente livro que interliga com maestria dois campos do conhecimento histórico: a história das ideias e a história ambiental. Sua leitura será extremamente útil e agradável a todo pesquisador que adentrar nessas duas searas tão promissoras da história.
Nota
1. Em seu premiado livro Dust Bowl: The Southern Plains in the 1930, publicado em 1979, Worster aprofundou os estudos sobre esses episódios.
Referências
SCHIFFHAUER, Mark. From Wilderness to Environment: the role of nature in Western American History from Frederick Jackson Turner to Donald Worster and the New Western History. PhD Dissertation in American Studies at Philipps-University. Marburg (Germany), 2008.
WORSTER, Donald. Seeing beyond culture. The Journal of American History, Vol. 76, No 4, Mar. 1990, pp. 1142-1147.
Resenhista
Elenita Malta Pereira – Mestre em História. Doutoranda em História no PPGH-UFRGS.
Referências desta Resenha
WORSTER, Donald. Nature’s Economy: A History of Ecological Ideas. New York: Cambridge University Press, Second Edition 1994, 15th printing, 2011. Resenha de: PEREIRA, Elenita Malta. Uma história das ideias ecológicas: Resenha de um clássico da história ambiental. Revista Latino-Americana de História. São Leopoldo, v.2, n.8, p. 204-210, 2013. Acessar publicação original [DR]