Narrativas na história do Norte e Centro Oeste brasileiro: histórias locais e regionais e suas intersecções entre histórias, memórias e literaturas  / Escritas / 2018

Refletir sobre História Regional e Local é colocar em perspectivas as relações socioculturais que compõem a vida humana em dimensões espaciais e como elas são expressas em termos narrativos, sejam narrativas escritas ou orais. A variedade temática da história regional e local e as diversidades de fontes e materiais. As formações políticas, as relações sociais e os mundos do trabalho, as religiosidades, as identidades e as práticas culturais e artísticas, em suas diversas abordagens, formulam olhares próprios para os sujeitos regionais e locais do passado e do presente ao vocalizarem novos modos interpretativos das tensões sociais e das disputas simbólicas de poder.

A diversidade de fontes e materiais, de regra os vestígios de experiências e dos processos narrados pela história, não estavam no horizonte de cognoscibilidade pretendida pelos narradores que geraram os enunciados que nós historiadores tomamos como fontes. Tal peculiaridade dá visibilidade a versões diferentes de um mesmo acontecimento ou prática e, principalmente, faz aparecer uma pluralidade de sentidos, em razão da polifonia e plurivalência das narrativas.

As linguagens narrativas que compõe as histórias regionais e locais da Amazônia e do Centro-Oeste brasileiros trazem em si significativa potencialidade para construir outras interpretações sobre os sujeitos que ali habitam. Além disso, as possibilidades de revisão de determinadas abordagens e perspectivas que foram sustentadas ao longo do tempo sobre as histórias e memórias desses territórios permitem o estabelecimento de novos diálogos disciplinares e interdisciplinares entre profissionais que atuam nesses espaços de saber e conhecimento.

Esse Dossiê propõe receber artigos que busquem problematizar, discutir e reconstruir processos históricos e / ou narrativos acerca das relações socioculturais e simbólicas nas regiões Norte (Amazônia) e Centro-oeste brasileiros em uma campo de possibilidades interpretativas abertas para múltiplas e variadas temáticas.

DOSSIÊ

O artigo de Heloisa Selma F. Capel e Jacqueline Siqueira Vigário trata dos sentidos articulados à ideia de modernidade nas telas e textos referentes aos artistas Nazareno Confaloni (1917-1977) e Eli Brasiliense (1915-1998). Em diálogo com os processos de modernidade e suas ressonâncias no campo artístico, explora as singularidades de um suposto modernismo regional.

O artigo de Raquel Miranda Barbosa Ao representar a paisagem urbana da Cidade de Goiás, Goiandira do Couto (1915-2011) privilegia uma narrativa pictórica baseada nos mitos e marcos edificados, durante a colonização portuguesa, no eixo que se estrutura entre o Largo do Rosário e o Largo do Chafariz. Nas telas analizadas, a valorização dos símbolos da memória oficial inspirou a criação de uma cidade-ideal que, mais tarde, tornar-se-ia cidade-patrimônio apregoando o enredo das oficialidades enquanto um vislumbre de preservação do passado como atributo para projetar a Cidade de Goiás para o futuro.

O artigo de Ana Priscila de Sousa Sá tem por objetivo analisar a Correspondência ativa do historiador brasileiro Francisco Adolfo de Varnhagen. A partir das correspondências pessoais a autora trás a percepção de como Varnhagen foi delineando uma associação entre sua própria pessoa, sua obra e o Brasil.

O artigo de Luís Alberto Freire dos Santos Filho e Agenor Sarraf Pacheco reconstitui o cotidiano do arquipélago de Marajó sondando possíveis evidências de patrimônios públicos, particulares e populares no momento anterior aos tempos da Belle Époque na Amazônia. O mapeamento e exercício analítico realizado nas matérias do jornal Treze de Maio, entre 1840 e 1861, pelos autores revelaram a preocupação com patrimônio familiar, heranças, a crise na economia do gado e a emergência da economia da borracha e também as doenças como o cólera e as fugas de escravos para diferentes espaços marajoaras em tempos de escravidão.

O artigo de Márcio Douglas de Carvalho e Silva analisa as “penalidades” sofridas pelos devotos de São Gonçalo quando não pagam suas promessas. Segundo o auto tais compromissos não são perdoados nem em caso de morte do fiel. Discorre ainda sobre outras penalidades sofridas por aqueles que tratam o pagamento da promessa com “desdém”. Problematiza se seriam os santos vingativos ou se, na condição de benfeitores agiriam como “vilões” em alguns momentos.

O artigo de Natally Chris da Rocha Menini problematiza nos Setecentos a situação dos ciganos que integraram as fileiras dos degredados nas possessões ultramarinas portuguesas, evidenciando que a capitania da Bahia tornou-se um importante “lugar de degredo” voltado para esse grupo étnico na colônia americana. A autora problematiza os modos de inserção dos grupos ciganos na sociedade colonial, atentando para as fugas do degredo em  Salvador e para os rearranjos étnicos que lhes foram possíveis nas regiões do Recôncavo Baiano e do Sertão de Jacobina no século XVIII.

O Artigo de Sabrina Alves da Silva examina a construção formal da obra literária Veias e Vinhos (1981) do autor Miguel Jorge. De acordo com a autora a obra reelabora a relação entre Estado, Sociedade e Justiça através da retomada nos anos de 1980 do assassinato da família Matteucci no ano de 1957 na cidade de Goiânia. Segundo a mesma, é possível compreender que o autor, influenciado pelas vivências na década de 1980, que perpassaram por seu lugar social no qual vivenciou os processos sociais e políticos do período, produziu um produto estético em que se entrelaçaram as relações sociais e as práticas de Estado em uma reelaboração sobre os anos de 1950 na cidade de Goiânia.

O artigo de Renato Fagundes Pereira discute os usos da cultura popular no Ensino de História Local na cidade de Porangatu, Goiás. Parte o autor de uma pesquisa quantitativa realizada nas escolas da cidade e expõe a percepção de que os alunos reproduzem uma lenda local para explicar fundação da cidade, negligenciando os elementos históricos que estão presentes em seus cotidianos.

O artigo de Kênia Gonçalves Costa e Elaine da Silva Sousa e discute as trajetórias das acadêmicas em Geografia do Campus de Araguaína / UFT (2014 a 2017), que se deslocam diariamente e / ou residem na cidade durante o período letivo. Problematizam que, apesar da sociedade patriarcal, essas mulheres no meio acadêmico e nas idas e vindas, muito se traz e muito se leva, oportunizando conhecimentos, por meio de relações no espaço e em suas trajetórias, configurando uma nova realidade, estabelecendo laços, identificando suas principais dificuldades e suas inúmeras visões da sociedade.

O artigo de Laís dias souza da Costa problematiza, a partir do Decreto-Lei nº 972 do Publicado em 17 de outubro de 1969, que tinha entre os artigos a exigência do curso superior em Jornalismo para o exercício legal da profissão, no Brasil. Analisa dois jornais de Cuiabá com circulação diária no período, o Diário de Cuiabá e O Estado de Mato Grosso, evidenciando que as redações dos mesmos eram formadas, em sua maioria por jornalistas autodidatas ou colaboradores, sem formação acadêmica. Problematiza pois, como se deu a profissionalização do jornalismo, em Cuiabá-MT, após a fundação do jornal Diário de Cuiabá, em dezembro de 1968.

SEÇÃO LIVRE

O artigo de Cássio Augusto Guilherme, a partir do que o autor denomina de vários retalhos teóricos e metodológicos, pretende costurar uma “colcha coerente” que possa contribuir para uma a análise sobre a atuação da imprensa no que se refere ao processo que foi denominado por muitos como o “golpe de 2016”. Discute a viabilidade de pesquisas balizadas na História do Tempo Presente, discutindo a História Política e trás reflexões sobre a imprensa como fonte e objeto de pesquisa a fim de incitar a melhor compreensão da complexa realidade do Brasil atual.

O artigo de Lucas Pires Ribeiro procura pensar o riso dentro da Idade Média, observando as maneiras pelas quais a Igreja Católica se valeu para se relacionar com o fenômeno sociocultural. Segundo o autor diante das exigências políticas / religiosas, o riso foi associado ao Diabo, tendo representações voltadas para o processo de criação do mundo, passando pela construção da ideia de que Jesus nunca tivera rido em sua passagem pela terra. Diante da constatação de que seria impossível retirar o riso da esfera social, a Igreja aos poucos foi suavizando as suas leituras, incorporando o riso em seu cotidiano, para defini-lo como objeto útil à sociedade a partir do século XII.

O artigo de Arnaldo Martin Szlachta Junior problematiza o quanto a pesquisa do ensino de história possuí suas dificuldades desde os processo de formação do professor, as realidades de uma espaço múltiplo e dinâmico em contraste com práticas arcaicas e pouco interessantes, e procura apresentar a proposta de trabalho de grupos focais dentro do ambiente escolar, levando em conta as ações do conceito de aula oficina da educação histórica.

O artigo de Igor Lemos Moreira, partindo de produções acerca da cantora Camila Cabello, provoca alguns questionamentos sobre as maneiras como os meios de comunicação, em especial os digitais, se relacionam com a memória. Entre o lembrar e o esquecer reflete-se primeiramente a respeito do presentismo e da memória, a partir da perspectiva da história do tempo presente, para em seguida se pensar a influência de dois portais de notícias brasileiros no processo de “rememoração” / “comemoração” do aniversário de um ano de lançamento da carreira solo da artista.

Trazemos ainda uma entrevista realizada pelos Professores Dr. Erinaldo Cavalcanti, Dr. Pere Petit e Dr. Dernival Venâncio Ramos Júnior com o historiador italiano Alessandro Portelli

Leny Caselli Anzai – Doutora. UFMT.

Euclides Antunes de Medeiros – Doutor. UFT.

Organizadores

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