Narrativas de Viajantes sobre a “Amazônia” e o contraponto Decolonial: as muitas formas de desdizer o dito | Jamaxi | 2021
Com muita satisfação e alegria, apresentamos o Dossiê “Narrativas de Viajantes sobre a “Amazônia” e o contraponto Decolonial: as muitas formas de desdizer o dito”. A publicação desta coletânea de artigos, que agrega e articula produções de diferentes áreas, objetiva proporcionar ao público interessado na temática uma diversidade de escritos que problematizam narrativas produzidas por diferentes agentes históricos que realizaram incursões pelas Amazônias, ou fizeram registros sobre estes espaços e suas populações a partir de relatos de terceiros.
O Dossiê joga luz sobre abordagens que expressam oposição a construções discursivas produtoras de subjetividades que silenciaram ou eliminaram, de maneira violenta, línguas, memórias, culturas, histórias, identidades sociais, contribuindo para a invenção de uma “Amazônia” grafada, pronta e de fácil explicação. Os autores e autoras que contribuíram com suas investigações, buscaram demonstrar a pluralidade de sujeitos e territórios sociais nessa região de múltiplas faces, ressaltando seus modos de vida, ações de resistência, formas de negociação, explicitando assim contraditos a concepções que representaram/representam esses espaços enquanto vazios de sujeitos, culturas e saberes. Contribuem para essas reflexões, os autores e trabalhos abaixo elencados:
Sérgio Roberto Gomes de Souza e Agenor Sarraf Pacheco buscam demonstrar como no decurso da última década do século XIX e a primeira década do século XX, foram produzidas diversas narrativas sobre as paradoxais relações entre saberes médicos e outras artes de curar na Amazônia. Neste caso, abordam como são perceptíveis nestas construções movimentos caracterizados por tentativas de monopólio da clientela que buscava soluções para enfermidades do corpo e da alma, o que teria contribuído para a constituição de espaços permanentes de estranhamentos e (in)tolerâncias.
Maria Ariadina Cidade Almeida e Ramon Nere de Lima discutem como os indígenas da Amazônia Sul-Ocidental foram representados em relatos de viajantes nacionais e seus congêneres estrangeiros do século XIX, objetivando expressar similitudes e contrapontos às narrativas construídas sobre as populações originárias. A perspectiva do trabalho é proporcionar uma melhor compreensão do processo exploratório da região, enfatizando de que maneira os indígenas foram sendo descritos em uma relação de civilização e selvageria, o ‘eu’ e o ‘outro’ e o inicial processo de despovoamento dos nativos.
Alessandra da Silva Supriyadi dialoga com o imaginário, as alegorias e as representações dos primeiros viajantes acerca do “novo mundo” e seus habitantes, pautados na introdução de uma visão pré-estabelecida a partir do familiar e conhecido, ilustrando na ideia do “homem selvagem”, onde em grande parte é incorporado às crenças do cristianismo, a mitologia popular e as pretensas ciências que moldavam o imaginário do pré-colonial e colonial, e que se sustentaram até a contemporaneidade.
Karolaine da Silva Oliveira e Teresa Almeida Cruz tratam sobre como jornais editados no Acre registram a presença do movimento indígena nesta localidade, de modo a visibilizar essas populações como “agentes de sua própria história”, protagonistas de lutas que visam a conquista e defesa de seus direitos, assegurados pela Constituição Federal de 1988. Para tanto, intentam analisar este processo a partir das falas e posicionamentos das lideranças indígenas registradas nesses periódicos.
Poliana de Melo Nogueira analisa narrativas de viajantes, cientistas e literatos que ao realizarem seus estudos, observações, registros e intervenções colaboraram não apenas para a construção de um determinado tipo de conhecimento sobre terras, rios e pessoas, mas também para a própria criação de seu objeto de estudo, no caso, a Amazônia e os demais termos referentes a ela.
Lindomar de Souza Torres Araújo e Sônia Maria da Costa França propõem uma análise comparativa, delimitada em trechos específicos contidos em dois textos construídos com bases narrativas, revelando experiências distintas passadas na região amazônica nos séculos XIX e XX, no caso, O Paraíso de um naturalista, de John Hemming, obra contemporânea que explora as primeiras expedições na floresta amazônica e O turista aprendiz, de Mário de Andrade, composição concebida em formato de diário de viagem, retratando todo o trajeto de sua passagem pela região.
Fortunato Martins Filho aborda o processo de construção da identidade Mawé a partir da historicidade do território, dos símbolos e ritos ligados à produção cultural do guaraná e suas formas de se relacionar e compreender o mundo. Para tanto, utilizou fontes bibliográficas; experiência de campo com observações, vivências e oralidade a fim de compreender o mito do guaraná e o significado na vida daquele povo.
Jardel Silva França estuda a decolonização da escrita da história amazônica, tendo como referência às pesquisas sobre formação de professores e relações étnico-raciais, apresentadas no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e no Programa de Linguagens e Identidades (PPGLI) da Universidade Federal do Acre (Ufac), no período de 2012 a 2020. Neste sentido, desenvolve reflexões sobre processos de concatenação da “construção identitária” da população acreana, com as pautas da Educação das Relações Étnico-Raciais.
Vitor Sousa Cunha Nery, Laura Maria da Silva Alves e Cristiane do Socorro dos Santos Nery analisam registros de viajantes sobre a instrução pública primária como política de divulgação do Brasil na Europa. No artigo, expressam a compreensão de que a escrita da História da Educação no Brasil no século XIX mobilizou diferentes sujeitos, entre eles viajantes, cientistas, poetas e políticos. Observam que as primeiras obras produzidas por estes personagens não estavam associadas diretamente à esfera educacional, mas à esfera política com a divulgação do Brasil na Europa nas exposições internacionais, ou em relatórios encomendados pelo governo imperial sobre a Instrução Pública no âmbito das províncias.
Por fim, agradecemos à Revista Jamaxi pela possibilidade de organizarmos e publicarmos este Dossiê, assim como às autoras e autores pelas parcerias e contribuições com suas pesquisas na perspectiva de ampliarmos o exercício com a hermenêutica decolonial em espaços, experiências e práticas outras. Almejamos que a leitura conjunta ou individual dos artigos possam provocar novos diálogos e reflexões em fronteiras epistemológicas, históricas e sociais.
Rio Branco – AC/Belém- PA, dezembro de 2021.
Organizadores
Sérgio Roberto Gomes de Souza
Agenor Sarraf Pacheco
Referências desta apresentação
SOUZA, Sérgio Roberto Gomes de; PACHECO, Agenor Sarraf. Apresentação. Palavras em abertura. Jamaxi, v. 5, n. 1, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]