Pesquisadores franceses e brasileiros participaram, em março de 1997, de um colóquio organizado pelo Institut de Recherches sur les Civilisations de l’Occident Moderne e pelo Centre d’Études sur le Brésil da Universidade de Paris IV, Sorbonne, no qual debateram, durante dois dias, o “nascimento” do Brasil, a partir de uma grande diversidade de fontes e de enfoques.
O livro Naissance du Brésil moderne traz o resultado deste encontro, sob a forma de 17 artigos, com introdução de Katia de Queirós Mattoso e conclusão de Dennis Rolland. Trata-se de uma contribuição extremamente rica à análise de questões relativas à identidade, às visões do Outro e à construção de discursos e de imagens.
A historiadora Katia Mattoso, titular da cátedra de História do Brasil na Sorbonne, destaca que “o nascimento do Brasil é sangue novo para a sua mãe-pátria portuguesa e remete à Europa inteira a sua própria imagem…” (p.9), contribuindo também para confirmar a crença no universal, que é uma característica do pensamento europeu moderno.
O tema da alteridade se constitui na espinha dorsal desta obra que se estrutura com base em reflexões interdisciplinares, pressupondo olhares cruzados, entre outros com os da história, da literatura e da antropologia.
Denis Rolland alerta para o fato de que poderia ter havido algum risco, especialmente de dispersão ou de carência de debates mais específicos. No entanto, ele mesmo ressalta que, sendo utilizada de forma rigorosa, a amplitude temática e a longa duração conduziram, neste colóquio, a boas surpresas (p.338).
Philippe Bonnichon trabalha detalhadamente o conhecimento do Brasil na França, dando ênfase aos projetos de Luís XII a Luís XIII. Sua análise demonstra uma presença significativa da imagem brasileira, especialmente em certos círculos franceses, bem como os modos de difusão das informações, concluindo pela existência de uma importante “massa crítica de conhecimentos” (p.31) sobre as novas terras já a partir de meados do século XVII.
Jean-Paul Duviols estuda as transformações de uma iconografia que, no século XVI, representa inicialmente os índios como estando próximos à idéia de “paraíso perdido” mas que, em seguida, os retrata como “símbolos de crueza e bestialidade” (p.37). Seu artigo disseca os estereótipos, contribuindo para uma reflexão acurada no âmbito do imaginário.
Em um texto que abarca um pouco mais de um século (de 1610 a 1720), Denis Crouzet analisa relatos de viajantes franceses, detectando em seus discursos a elaboração de três tipos de imagens: “de esperança, de maldição e de degenerescência” (p.68). Seu trabalho demonstra a importância de um estudo que leve em conta a longa duração já que a visão do Outro transforma-se lentamente, carregando em si os mitos e as utopias das mentalidades coletivas. Crouzet refere-se, com muita propriedade, aos “nascimentos e renascimentos” do Brasil sob o olhar francês, os quais se dão “como uma sucessão de alegorias” (p.117).
Janaína Amado, referindo-se especialmente ao período que vai da segunda metade do século XV ao início do século XVI, estuda o papel desempenhado pelos primeiros intermediários enviados pela Coroa portuguesa às terras que iam sendo descobertas intermediários estes que tinham como missão “estabelecer relações com as populações autóctones” (p.237). Sua análise enfatizou com grande originalidade os aspectos de “imersão” na cultura do Outro que caracterizavam este tipo de contato muitas vezes exercido por náufragos ou por banidos, mas também por voluntários. “Os emissários (…) foram os artesãos de uma coleta e de uma transferência à Coroa e a seus funcionários, de uma formidável massa de informações sobre os costumes, os produtos, a geografia, as línguas (…) destes povos…” (p. 247). J. Amado mostra, ainda, um ponto de inflexão, no início do século XVI, quando a Coroa passa a exercer maior controle sobre todos os súditos do Império, redefinindo a hierarquia reino/colônia e afastando “um pouco mais a sempre iminente e perigosa sedução do outro” (p. 248).
Tarefa impossível seria a de, numa breve resenha, fazer referência a toda a riqueza contida nos textos da presente obra, que oferece também contribuições fundamentais de F. Moureau, E. P. Orlandi, F. Lestringant, F. Wanegffelen, J.-C. Laborie, A. Pécora, C. de Castelnau-L’Estoile. A. Ciacchi, J.-F. Labourdette, L. de Mello e Souza, M. Marques Jr., M. Del Priore e L. C. Villalta. Cabe, então, destacar a importância não apenas desta publicação, mas também do trabalho que vem sendo realizado pelo Centre d’Études sur le Brésil, almejando que suas atividades continuem contribuindo para o aprofundamento do conhecimento recíproco Brasil-França.
Resenhista
Carmen Lícia Palazzo de Almeida
Referências desta Resenha
MATTOSO, Katia de Queirós; SANTOS, Idelette M. Fonseca dos; ROLLAND, Denis (Dir.). Naissance du Brésil moderne: 1500-1808. Paris: Centre d’Études sur le Brésil; Presses de l’Université de Paris-Sorbonne, 1997. Resenha de: ALMEIDA, Carmen Lícia Palazzo de. Revista Brasileira de Política Internacional, v.41, n.1, 1998. Acessar publicação original [DR]
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