A “Governança”1 ainda é um tema controverso e relativamente desconhecido nos círculos acadêmicos, apesar de sua jornada2 no campo das Relações Internacionais (RI): a (não) eficácia e os frágeis mecanismos de enforcement são apenas duas das principais críticas direcionadas à governança.
O livro NAFTA and the Politics of Labor Transnationalism (não traduzido para o português), de Tamara Kay, segue direção frontalmente contrária às perspectivas pessimistas relacionadas ao tema. Kay é professora associada do departamento de sociologia na Universidade de Harvard e codiretora da Transnational Studies Initiative, na mesma instituição. Sua trajetória de pesquisa enfoca, principalmente, a resposta e adaptação de movimentos laborais, ambientalistas e sem fins lucrativos à integração econômica (HARVARD, 2011).
A autora pesquisa em seu livro a transnacionalização sindical ocorrida durante o NAFTA (North American Free Trade Agreement). Sua metodologia parte da análise dos jornais dos sindicatos entre 1985 e 2000, passa pelo levantamento dos dez maiores sindicatos dos Estados Unidos em 1991 (considerando-se o número de filiados) e pelas interpretações das entrevistas com líderes sindicais atuantes no período, para posterior inferência quantitativa e qualitativa. O resultado é uma obra rica em detalhes e com um robusto modelo teórico: para a autora, as oportunidades políticas fora do âmbito do Estado são criadas pelas instituições internacionais3 , que propiciam o reconhecimento de direitos às partes interessadas, possibilitando sua adjudicação em nível transnacional (p.16).
O livro está dividido em três partes, além da introdução, que apresenta um panorama do que será abordado na primeira parte: The emergence of transnacionalism. Aqui a autora descreve as relações entre os sindicatos dos três países (Estados Unidos, México e Canadá) antes do acordo de livre-comércio e destaca a oportunidade de transnacionalização de atores, direitos trabalhistas e interesses transnacionais provida pelo NAFTA. A segunda parte, Variations in Transnacionalism, aponta erros e acertos dos sindicatos no processo de transnacionalização. Por fim, na terceira e última parte, Global Governance and Labor Transnationalism, Kay argumenta que a emergência de atores, interesses e identidades transnacionais se tornou possível graças aos espaços legais propiciados pelo NAFTA. A despeito de outras variáveis a princípio evidentes (como a abertura econômica), a direção ideológica dos sindicatos e das centrais sindicais foi o fator determinante para a transnacionalização destes movimentos. Além disso, argumenta a autora, “whereas nation-states have the power to define and grant the rights of national ‘citizens’, global governance institutions define and recognize the rights of transnational or social actors and their organizations”. Tamara conclui que, no âmbito da governança, “power is not absent but rather constituted differently” (p. 259).
A proposta do livro parece, a princípio, ingênua – como poderiam os trabalhadores obter benesses em acordos de livre comércio se estes são reconhecida e historicamente maléficos para o operariado? Contudo, Kay está livre da “Síndrome de Poliana”: a autora ressalta que o NAFTA não trouxe melhoria de salários ou condições de trabalho para a maioria dos operários da América do Norte; por outro lado, destaca a possibilidade de identidades norte-americanas e respostas futuras mais proativas por parte do sindicalismo.
O livro de Tamara Kay, além de oxigenar o debate sobre a governança com estudos de caso detalhados, nos brinda com um vigoroso modelo de políticas transnacionais. Recomenda-se sua leitura, portanto, para todos os interessados em movimentos sociais, transnacionalização sindical, acordos de livre-comércio, governança e tópicos correlatos.
Notas
1 De acordo com Fred Halliday, “Governance in its simplest sense refers to the art of governing, to ensuring that it is morally defensible and efficient. It does not imply that there should be only one institution, but rather, in the present context, refers to a set of interlocking but separate bodies which share a common purpose. Thus it covers the activities of states, but also those of inter-governmental organizations, most notably the UN, and the role of non-governmental organizations (NGOs) and transnational movements: all of these combine, not least through influencing each other, to produce the system of global governance. The argument is not whether such a system is desirable or not: we already have a many-layered global governance system, and indeed one of the central issues is to overcome, through reform, the defaults of a system that has been up and running for several decades. The question is how to make this governance system more effective, more just, and more responsive to the changing international situation”.
2 O livro de James N. Rosenau e Ernst-Otto Czempiel, Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial, considerado uma das principais obras que versam sobre o tema, data de 1992.
3 No caso dos trabalhadores do NAFTA, a instituição em questão é a NAALC (North American Agreement on Labor Cooperation).
Referências
ROSENAU, James; CZEMPIEL, Ernst Otto (orgs). Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. 1ª. ed, Brasília: Ed. UnB, 2000.
HALLIDAY, Fred. Global Governance: Prospects and Problems. In: HELD, David; MCGREW, Anthony. The Global Transformations Reader: An Introduction to the Globalization Debate. 2ª. ed, Cambridge: Polity Press, 2002.
HARVARD. Tamara Kay. Acesso em 10/03/2011, às 22h39m.
Resenhista
Katiuscia Moreno Galhera Espósito – Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” da Universidade Estadual Paulista, Universidade Estadual de Campinas e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – UNESP, UNICAMP, PUC-SP. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. E-mail: kgalhera@yahoo.com.br
Referências desta Resenha
KAY, Tamara. NAFTA and the Politics of Labor Transnationalism. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2011. Resenha de: ESPÓSITO, Katiuscia Moreno Galhera. Meridiano 47, v.13, n.130, p.53-54, mar./abr. 2012. Acessar publicação original [DR]
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