O conjunto de traduções, artigos e notícias de pesquisa que aqui se encontra disposto nesse novo número da Projeto História, apresenta um leque bastante variado, plural e com temporalidades distintas acerca da natureza histórica das ideologias, formas específicas do nacionalismo e do internacionalismo. O leitor encontrará em nossas páginas temas complexos que investigam as tradições culturais, as personagens históricas, os protagonistas históricos, grupos sociais e frações de classe que se empenharam na defesa e consolidação dessas ideologias. Da relação entre nacionalismo e internacionalismo na Argentina dos tempos da primeira guerra mundial ao massacre dos estudantes em Tlatelolco, no México no emblemático ano de 1968, das canções folclóricas de Atahualpa Yupanqui apropriada pelo peronismo aos sentidos dissonantes do hino dos trabalhadores “A Internacional” na guerra civil espanhola, do papel do futebol brasileiro na pena de Nelson Rodrigues às posições nacionalistas de Leonel Brizola, nos episódios que antecedem a instauração de golpe de estado de 1964, expressas no periódico O Panfleto – o jornal do homem da rua. Pesquisas que desnudam as tradições culturais, formas específicas do nacionalismo e sua barragem pela força da ideologia neoliberal e a mundialização do capital.
Desde os processos revolucionários desencadeados no século XVIII, a burguesia francesa introjetou a concepção das “fronteiras nacionais”, almejando vingar suas concepções e diretrizes contra o ordenamento societal do “Antigo regime”. Todavia, é sabido que se o iluminismo elaborou uma visão do mundo que preparava o processo revolucionário, após os intentos dos trabalhadores nas revoluções de 1848, a contra-revolução desenvolveu medidas corretivas e preventivas para a manutenção da ordem que, no plano filosófico, cristaliza o positivismo.
A ideologia não se reduz a mera “falsa consciência”, mas numa sociedade classista se manifesta como consciência ontoprática que nasce dos embates e conflitos sociais. Os nacionalismos buscaram coesão e harmonização de interesses antagônicos a fim de manter o controle do metabolismo social. Ao discutir a ideologia nacionalista, Ernest Gellner enfatizou a função manipuladora da realidade que ela opera, em especial por sua fabricação de mitos e ilusões sociais, seja por se apresentar como defensora da cultura popular ou mesmo se apoiar num passado idilicizado. “A Alemanha pré-nacionalista estava formada por uma multiplicidade de comunidades autênticas, muitas delas rurais. A Alemanha pós-nacionalista unificada foi uma sociedade de massas e preponderantemente industrial”.[1]
O historiador Eric J. Hobsbawm advertiu que não devemos considerar a nação como uma forma social originária ou imutável. “A ‘nação’ pertence exclusivamente a um período particular e historicamente recente. Ela é uma entidade social apenas qundo relacionada a uma certa forma de Estado territorial moderno, o ‘Estado-nação’; e não faz sentido discutir nação e nacionalidade fora desta relação. (…) Em uma palavra, para os propósitos da análise, o nacionalismo vem, antes das nações. As nações não formam os Estados e os nacionalismos, mas o oposto.”[2]
Uma das perspectivas que se tornaram mais disseminada e não menos polêmica no mundo acadêmico encontra-se nas concepções de Benedict Anderson na obra intitulada Comunidades Imaginadas [3] . Numa perspectiva antropológica, intentando esclarecer as raízes históricas do nacionalismo, Anderson propõe uma definição de nação como o próprio estilo como ela é imaginada, “uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana”. Porquanto, “Imagina-se a nação limitada porque mesmo a maior delas, que agregue, digamos, um bilhão de habitantes, possui fronteiras finitas, ainda que elásticas, para além das quais existem outras nações. Nenhuma delas imagina ter a mesma extensão da humanidade. Nem os nacionalistas mais messiânicos sonham com o dia em que todos os membros da espécie humana se unirão à sua nação, como por exemplo na época em que os cristãos podiam sonhar com um planeta totalmente cristão”.[4] Germinada na época do iluminismo, soterrando a legitimidade do reino hierárquico de conformação divina, como sustenta Anderson, na nação soberana imaginada “a garantia e o emblema dessa liberdade é o Estado Soberano”.
Arquiteta-se uma comunidade imaginada, porque “independentemente da desigualdade e da exploração efetivas que possam existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda camaradagem horizontal. No fundo, foi essa fraternidade que tornou possível, nesses dois últimos séculos, tantos milhões de pessoas tenham-se não tanto a matar, mas sobretudo a morrer por essas criações imaginárias limitadas”.[5]
Este tipo de análise, todavia, desconsidera as determinações histórico-concretas das formações nacionais na modernidade por conta da anatomia do sóciometabolismo do capital em seu processo de universalização. É uma conquista ontológica do desvendamento da lógica do capital que este em sua expansividade, em sua mundialização, se processa de forma desigual e combinada. Marx de posse da crítica histórico-imanente decifrou dentre singularidades societárias formas particulares do ser e ir sendo do capital. Por esta razão, ao diferenciar as determinações concretas da “miséria alemã” com relação à classicidade do caso inglês e francês, o filósofo alemão apontou para as diferenças específicas da constituição nacional alemã no século dezenove, que desconheciam a revolução democrática e cujo êmulo de modernização era empuxado pelos junkers, a nobreza rural do norte germânico, que detendo o controle do poder estatal impingiu determinados traços prussianos que balizou uma transição pelo alto sem a radicalidade humanista e democrática que facetou as burguesias de via clássica.
As formações nacionais que se entificaram pela particularidade da via prussiana, assistiram aos enfrentamentos de categorias sociais que buscavam projetos alternativos na disputa por hegemonia. “E assim, como conseqüência da derrota da primeira onda revolucionária (da Reforma e da guerra dos camponeses), o mesmo se dá na Itália por outras razões, Alemanha se viu convertida num impotente conglomerado de pequenos Estados e, como tal, em objeto ou botim da política do mundo capitalista e da época nascente, das grandes monarquias absolutas”. Pois, como escreve Georg Lukács, “Os poderosos Estados nacionais (Espanha, França, Inglaterra), a dinastia dos Habsburgos na Áustria, de vez em quando, transitoriamente, algumas grandes potências incipientes como Suécia e, desde o século XVIII, a Rússia tsarista, dispõem a seu próprio capricho acerca dos destinos do povo alemão. E, como Alemanha, é objetivo da política destes países, e, ao mesmo tempo, um butim útil para eles, procuram (todos eles) manter o desmembramento nacional do país”.[6]
Lukács em seu livro A Destruição da Razão (1954) destrinçou a ideologia irracionalista que foi forjada nas margens da miséria alemã. Das representações ideológicas do segundo Schelling a Rosenberg, passando por Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche, Dilthey, Scheler, Heidegger e Jaspers, entre outros, examinando o darwinismo social, a medula rácica do nazismo, Lukács demonstra como o nacionalismo alemão se converte no “campeão das ideologias reacionárias”.
Recorde-se a glorificação do germanismo por Chamberlain, segundo o qual “o mais sagrado dos deveres é servir ao germanismo”. A afinidade desse ideólogo com a filosofia da vida, com o pangermanismo, revela-se por inteiro em sua concepção reacionária sobre a cultura patológica de sua época. Pois, “O que nela não é germânico é um elemento patológico (…) ou é mercadoria estrangeira que navega sob bandeira alemã e que seguirá navegando sob esse estandarte enquanto não levemos a pique esses barcos corsários”.[7]
A ideologia nazi-fascista foi uma ideologia nacional de mobilização para a guerra. Formou crenças e sentimentos que arregimentou parcelas da população alemã para uma empreitada de talhe imperialista. Tratava-se de fazer uma nova partilha do mundo já dividido entre as principais potências capitalistas. Daí a necessidade da guerra de rapina, guerra imperialista que mediada por uma ideologia nacionalista expansionista e agressiva põe em marcha os famosos “soldados-artistas-propagandistas” do III Reich.
Lukács buscou por meio da crítica imanente, da determinação histórico-social das ideologias e sua função regressiva nos embates sociais, a historicidade da formação social e do nacionalismo alemão. Os alemães buscaram a sua unidade nacional por outro caminho, o caminho contrário, ingênito à particularidade histórica da via prussiana. Salientava que “Os grandes povos europeus se constituíram como nações em princípios da época moderna. Plasmaram sua unidade territorial como nações, sobrepondo-se à dispersão feudal. Nelas surgiu uma economia nacional única, que enquadrava a todo o povo e a uma cultura nacional única, em que pese a divisão de classes. No desenvolvimento da classe burguesa, em sua luta contra o feudalismo, vemos atuar a monarquia absoluta por todo lugar transitoriamente, como órgão executivo desta unificação”.[8]
Entretanto, esse desenvolvimento específico não se separava da totalidade histórica que estava imerso, o desenvolvimento desigual e combinado do mundo europeu. Marx chamou a atenção para o fato de que a história alemã “orgulha-se de um desenvolvimento que nenhuma outra nação anteriormente realizou ou virá alguma vez a imitar no firmamento histórico. Participamos nas restaurações de nações modernas, sem termos tomado parte nas suas revoluções. Fomos restaurados, primeiro, porque houve nações que ousaram fazer revoluções e, em segundo lugar, porque outras nações sofreram contrarevoluções; no primeiro caso, porque os nossos governantes tiveram medo e, no segundo, porque nada temeram. Conduzidos pelos nossos pastores, só uma vez nos encontramos na sociedade da liberdade, no dia do seu funeral”.[9] Recorde-se também que na precisa formulação marxiana, “Em política, os alemães pensaram o que outras nações fizeram. A Alemanha foi a sua consciência teórica. (…) Mas se a Alemanha acompanhou o desenvolvimento das nações modernas apenas através da atividade abstrata do pensamento, sem tomar parte ativa nas lutas reais deste desenvolvimento, experimentou também as dores deste desenvolvimento sem participar nos seus prazeres e parciais satisfações. (…) E um belo dia, os alemães encontrar-se-ão ao nível da decadência européia, antes de alguma vez ter atingido o nível da emancipação européia”.[10]
Recorde-se que a tradição cultural que foi apropriada e condensada pela ideologia nacional-socialista, o “modernismo reacionário” expressava um paradoxo cultural na modernidade alemã. Essa ideologia buscou conciliar idéias antimodernistas, românticas e irracionalistas que vicejaram no nacionalismo alemão. A própria guerra nutriu a “revolução conservadora” com seu protesto contra o iluminismo, a apologia do irracionalismo, o culto romântico da violência com o culto da técnica. Muito distante, portanto, das concepções de Adorno e Horkheimer, segundo as quais o surgimento do nazismo se deveu ao projeto iluminista levado à saturação. Paradoxo cultural tão bem detectado por Jeffrey Herf [11] e sintetizado por Thomas Mann: “Embora eu os chame de modernistas reacionários estes pensadores se viam como revolucionários culturais que buscavam sepultar o materialismo no passado. Na opinião deles, materialismo e tecnologia não era de forma alguma idênticos. Thomas Mann captou a essência do modernismo reacionário quando escreveu: ‘O aspecto verdadeiramente característico e perigoso do nacional-socialismo era a mescla que fazia de robusta modernidade com uma postura positiva rumo ao progresso associadas a sonhos do passado: um romantismo altamente tecnológico’. Este livro apresenta aquilo que Mann entendia como a interpenetração da Innerlichkeit (interioridade) alemã com a tecnologia moderna”.
Não sem razão Herf aproximou-se da análise de Lukács sobre a via prussiana. “A via da Alemanha rumo à modernidade estava por detrás da intensidade de sua revolta antimodernista. Comparada com a da Inglaterra e da França, a industrialização alemã foi tardia, rápida e completa. As unidades econômicas eram grandes e a intervenção do estado, extensa. E o mais importante: a industrialização capitalista aconteceu sem uma revolução burguesa bem-sucedida. A burguesia, o liberalismo político e o iluminismo permaneceram fracos”.[12]
O segredo das revoluções do trabalho no século dezenove e o fenômeno da decadência ideológica com o abandono das “ilusões heróicas” da burguesia, o rechaço da dialética hegeliana pelo fortalecimento da ideologia positivista, colocaram para a humanidade uma divisa: socialismo ou barbárie! A emancipação política, forma que se apresentou como solução positiva para as desigualdades do “antigo regime”, desde suas origens se manifestou como solução parcial que se estruturava sob a lógica das “taras sociais”: a nova escravidão do trabalho alienado e estranhado. A nova classe emergente forcejou uma nova forma social que se alimenta das energias humanas de indivíduos destituídos de meios de produção, da riqueza genérica produzida e do controle social do mundo produzido. “O contínuo revolucionamento (Umwälzung) da produção, o abalo constante de todas as condições sociais, a incerteza e a agitação eternas distinguem a época burguesa de todas as precedentes”, especificou Marx em seu célebre Manifesto. [13] Ao demonstrar como a burguesia cria um mundo à sua imagem e semelhança, Marx apontou para o reacionarismo da defesa nacionalista dos interesses burgueses, haja vista que nasce da própria lógica expansionista do modo de produção do capital um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. Como seria possível a superação do conflito entre nações, nações espoliadoras e nações oprimidas? Certamente não pela lógica da concorrência entre nações, tornando-se cada uma mais poderosa do que a outra. Mas a lógica onímoda do trabalho com sua orientação metapolítica deve rasgar os veios que sustentam o antagonismo estrutural. “Na medida em que é abolida a exploração de um indivíduo por outro, é abolida também a exploração de uma nação por outra. Com o desaparecimento do antagonismo das classes no interior das nações, desaparece também a posição de hostilidade entre as nações”.[14] A emancipação humana geral é, desse modo, uma perspectiva extraída desse próprio mundo regido pelo capital, mas que “Em lugar da velha sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classes, surge uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”.[15]
Da perspectiva humano-societária do trabalho, o internacionalismo se viu derrotado em seus intentos de fazer valer o humanismo radical. As lutas que foram encetadas pelas Internacionais tiveram fôlego curto. Marx advertiu que “A Internacional só poderá afirmar se a marcha da história destruir as seitas. O desenvolvimento das sitas socialistas e o do movimento real estão constantemente em relação inversa. Enquanto as seitas se justificarem (historicamente), a classe operária não estará madura para um movimento histórico autônomo. À medida que ela atinge tal maturidade, todas as seitas serão, por essência, reacionárias”.[16]
Em 2008, completam-se em setembro 70 anos da criação da IV Internacional por León Trotski. Após a falência da II Internacional, em 1914, com sua guinada rumo à “sagrada aliança” com as burguesias nacionais no estalar da I Guerra Mundial, rompendo com o posicionamento de – caso a guerra irrompesse – imediatamente os comunistas fomentariam o movimento pela paz, denunciando-a como guerra intercapitalista e – no insucesso desse movimento – a derrubada dos poderes constituídos. Com essa cisão promovida pela Social Democracia alemã, com os desenlaces da Revolução Russa, em 1919, é formada a III Internacional Comunista. Com a ascensão de J. Stalin, a Comintern passa a ser manipulada para os interesses da burocracia soviética. Papel desastroso a IC terá nos episódios em que se envolve. É o caso da política para os comunistas alemães. Já no exílio, Trotski agirá no sentido de torpedear a ação nefasta do PC alemão em sua luta contra a Social Democracia, não agindo para a formação de uma Frente Única dos Trabalhadores, o que acarretou o fortalecimento do partido nacional-socialista alemão. Nas páginas da Projeto História, Osvaldo Coggiola reconstitui os passos e o contexto histórico da luta do líder bolchevique contra a usurpação e papel contra-revolucionário do stalinismo, uma forma específica de nacionalismo, na manutenção de seus privilégios, com métodos terroristas que culminam nos Processos de Moscou e no desarme dos processos revolucionários, caso gritante da revolução social espanhola nos anos de 1936 a 1939.
Ao tracejar o perfil dos nacionalismos na segunda metade do século XX, Benedict Anderson dispôs dos acontecimentos mais relevantes, “ao menos simbolicamente, na década de 1960, marcada pelas reverberações globais do nacionalismo em dois Estados pequenos, pobres e periféricos. A luta heróica do minúsculo Vietnam contra os colossais Estados Unidos, plasticamente retratada no mundo inteiro através do novo meio de comunicação televisivo, ajudou a precipitar, de um modo como não fora feito por nenhum outro nacionalismo ‘periférico’, convulsões não somente na América, mas também na França, Alemanha, Japão e outros lugares, fazendo de 1968 uma espécie de annus mirabilis, no estilo de 1848. Ao mesmo tempo, os tanques de Brezhnev destruíram brutalmente a primavera nacionalista na Tcheco-Eslováquia dominada pelos comunistas, com conseqüências equiparáveis, a longo prazo, para o projeto soviético. Nos Estados Unidos, a mesma década assistiu à ascensão, primeiro, do movimento dos direitos civis, seguido por um nacionalismo negro que em pouco tempo cruzou as fronteiras nacionais; aos primórdios de um movimento feminista em novo estilo, de alcance cada vez mais global; à revolta de Stonewall, que deu início ao primeiríssimo movimento transcontinental pela emancipação dos gays e das lésbicas – no caso, a ‘nação homossexual’. Também na Velha Europa, o desenvolvimento de uma comunidade supranacional caminhou de mãos dadas com o surgimento dos nacionalismo militantes, opostos a estados nacionais já estabelecidos – Irlanda do norte, escócia, Bélgica, Catalunha, terras bascas e assim por diante.”[17]
A realimentação de ideologias nacionalistas, no tempo presente, em plena mundialização do capital, na qual há a secundarização dos Estados-nacionais, florescem “mudanças políticas, com tamanha rapidez e em tantos lugares, ou na qual tenha havido tanta incerteza quanto ao futuro.”[18]
Continuam a ser, dessa maneira, estarrecedoras as pretensões imperialistas dos Estados Unidos no mundo atual pós o ataque contra as Torres Gêmeas de 11 de setembro de 2001. A fustigação dos “inimigos da pátria” por métodos terroristas, a ampliação do controle e vigilância dos movimentos sociais que passam aser criminalizados por quaisquer reivindicações que sejam apresentados como ameaça à ordem. A manutenção de suas bases militares que cobrem desde territórios europeus a países latino-americanos, as guerras contra o Iraque e o Afeganistão, realimentam a ideologia segundo a qual o mundo deve ser regido pela política destrutiva de George W. Bush. O nacionalismo norte-americano cumpre, pois, a sua função essencial. Mesmo sob a regência do democrata Bill Clinton, a fórmula imperialista ficou evidente ao reafirmar e ecoar de modo incessante que havia “apenas uma nação necessária: os Estados Unidos da América”. Todavia, como assevera Mészáros, “(…) tanto a permanência do neoliberalismo (muitas vezes associada à grotesca pseudoteoria que prega um ‘fim da história’ quando da feliz chegada do neoliberalismo) quanto a proclamada necessidade absoluta da eterna auto-acomodação dos trabalhadores não são mais do que ilusões ópticas enganadoras, desenhadas para a conveniência da ordem instituída”.[19]
Mesmo que se possa discordar da defesa do nacionalismo “bolivariano”, tomado como projeto político radical, como a que faz István Mészáros, não há como desconhecer as determinações essenciais que se desenvolvem no mundo contemporâneo: “A nova condição histórica não pode ser desfeita pelo fato de os antigos poderes imperialistas, e acima de tudo o mais poderoso de todos, os Estados Unidos da América, estarem tentando fazer as rodas da história andarem para trás e recolonizar o mundo. Seu desígnio para esse fim já é visível na forma como empreenderam recentemente algumas aventuras militares devastadoras sob o pretexto da chamada ‘guerra contra o terrorismo’. Com efeito, a nova panacéia dos poderes mais agressivos é afirmar que embarcar no que de fato representa uma grosseira aventura recolonizadora – na África e no Sudeste da Ásia, assim como na América Latina – é uma condição essencial para o êxito de sua virtuosa ‘guerra contra o terrorismo internacional’ na ‘nova ordem mundial’. Mas estão condenados a fracassar”.[20]
Perda irreparável para o mundo acadêmico, Dea Fenelon sempre sonhou perspectivando o futuro. Desde jovem, seu espírito combativo a conduziu à militância colada aos interesses dos trabalhadores contra a barbárie da ditadura militar. Empenhou-se na construção do Partido dos Trabalhadores, mulher revolucionária de espírito público combateu o conservadorismo que reinava em nossas universidades, apresentando formulações para a reforma do ensino e denunciando os rumos que o neoliberalismo apresentava para o sistema educacional brasileiro. Figura talentosa que soube reunir numa só pessoa, a historiadora, a educadora, a gestora pública e empreendedora; em nossa instituição, dedicou-se ao fortalecimento da Pós-graduação, à formação de historiadores e historiadoras com pesquisas genuínas. Seguidora da História Cultural, desenvolveu linhas de pesquisa ancoradas no talhe e vigor de E. P. Thompson. Apaixonada pela Projeto História, seu legado se mantém vivo, este número sobre “Nacionalismo, internacionalismo e ideologias” é dedicado a nossa historiadora.
Notas
1. Gellner, Ernest. Naciones y Nacionalismo. Tradução Javier Sató. Madri, Alianza, 1991, 161.
2. Hobsbawm, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780. Tradução Maria Célia Paoli e Anna Maria Quirino. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990, p. 19.
3. Anderson, Benedict. Comunidades Imaginadas. Tradução Denise Bottman. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.
4. Idem, pp. 33-34.
5. Idem, p. 34.
6. Lukács, G. El asalto a la Razón. 3.ª Edição. Tradução Wenceslao Roces. Barcelona / México, Grijalbo, 1973, p. 32.
7. Chamberlain apud Lukács. El Asalto a la Razón. 3.ª Edição. Tradução Wenceslao Roces. Barcelona / México, Grijalbo, 1972, p. 573.
8. Lukács, G. El Asalto a La Razón. In: op. Cit., p. 29.
9. Marx, K. Introdução à Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. In: Manuscritos Económico-Filosóficos. Tradução Artur Morão. Lisboa, Edições 70, 1989, p. 79.
10. Marx, K. Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. In: Op. cit., p. 88.
11. Herf, Jeffrey. O Modernismo Reacionário. Campinas / SP, Editora da Unicamp; São Paulo, Ensaio, 1993, p.14.
12. Idem, pp. 17-18.
13. Marx, K & Engels, F. Manifesto do Partido Comunista. Tradução Marco Aurélio Nogueira e Leandro Konder. Petrópolis, Vozes, 1996, p. 69.
14. Idem, p. 85.
15. Idem, p. 87.
16. Marx apud Tragtenberg, Maurício. Reflexões sobre o Socialismo. São Paulo, Moderna, 1986, p. 21.
17. Anderson, Benedict. Introdução. In: Balakrishnan, Gopal (org.). Um Mapa da Questão Nacional. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, Contraponto, 2000, pp. 12-13.
18. Idem, p. 13.
19. Mészáros, István. Bolívar e Chávez: o espírito da determinação radical. In: Revista Margem Esquerda n.º 8. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006, p. 99.
20. Idem, p. 108.
Antonio Rago Filho
Vera Lucia Vieira
Editores Científicos
FILHO RAGO, Antonio; VIEIRA, Vera Lúcia. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v. 36, 2008. Acessar publicação original [DR]
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