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Mystery Train | Luiz Bernardo Pericás

Há quem imagine que Mystery Train, de Luiz Bernardo Pericás, é um roteiro de viagens ou aventuras, mas é muito mais que isso. O autor vai além e inova ao apresentar uma obra que mescla experiência pessoal e ficção com cultura e história dos Estados Unidos. O livro de Pericás é fortemente inspirado em três destacados autores: Jack London e seu The Road, livro memorialístico, autobiográfico, no qual narra suas aventuras e desventuras de trem pelos Estados Unidos; Woody Guthrie, autor de Bound for Glory, um dos nomes mais importantes da cultura popular norte-americana, da primeira metade do século XX e criador da música folk moderna, cujas letras dão voz aos marginalizados de sua época (como os negros, os red necks e os operários); e Jack Kerouac e seu On The Road, considerada a bíblia da “geração beat“, que mostra o lado sombrio do “sonho americano” a partir da viagem de dois jovens, que atravessaram a “América” de costa a costa.

A chamada “geração beat”, formada por Jack Kerouac, William Borroughs, Gregory Corso, Allan Ginsberg e Lawrence Ferlinghetti, entre outros, exerceu enorme influência nos movimentos contraculturais dos Estados Unidos. Os beatniks ouviam muito jazz, usavam drogas, praticavam o sexo livre e mantinham-se com o pé-na-estrada. Queriam fazer sua própria revolução cultural por meio da literatura.

Já o cenário escolhido por Pericás são os Estados Unidos, do início do século XXI, pré 11 de setembro. No lugar das caronas, a longa e cansativa jornada do Mystery é feita de trem (um transporte pouco usado pelas pessoas que vivem em um país que há muito tempo adota o carro ou o avião como meio de locomoção). Viajar de trem é somente para aqueles que não têm nenhuma pressa de chegar ao seu destino e não se importam com o tédio, a lentidão e o desconforto; ainda mais quando se pretende cruzar o país de leste a oeste, ida e volta.

Ao longo do percurso, a cada cidade que aparece, Luiz Bernardo recorda fatos, revê velhos amigos, narra novos encontros ou descreve personagens comuns que conhece nos vagões ou nas ruas. A curiosidade do autor em desvendar o universo de cada um deles acaba por dar-lhes vida e relativa importância, através de narrativas baseadas na aparência física ou no comportamento, onde os gestos, o modo de falar ou o estado emocional são as únicas referências fiéis.

Assim como os beats, os personagens de Pericás gostam de jazz e de artistas como Tom Waits, John Coltrane e Dave Brubeck. E também há espaço para Tom Jobim e o rei do rock, Elvis Presley.

Leitura leve, muito agradável, destinado ao público jovem, Mystery Train apresenta capítulos curtos, o que dá maior agilidade ao texto. Nem por isso é descuidado: em um português preciso, adota recursos aparentemente simples, como escrever a mesma palavra várias vezes seqüencialmente, aumentando o tamanho das letras, para eficazmente passar a mesma deliciosa sensação que sentiu ao ouvir uma boa música no bar El Chapultepec, onde há jazz, Jazz, JAZZ. Ou iniciando todos os parágrafos do capítulo final de forma similar para frisar a monotonia que sente ao longo do dia.

O mais interessante do livro, contudo, é o fato de ter unido experiências pessoais à história norte-americana. De acordo com o Luiz Bernardo, nomes como August Spies, Albert Parsons, Adolph Fisher e George Engel (todos membros do International Working People´s Association, executados em 1886) não deveriam ser jamais esquecidos. Assim como o líder operário Eugene V. Debs (um dos fundadores do International Labor Union e da IWW, assim como cinco vezes candidato ao cargo de Presidente dos EUA pelo Socialist Party of America). Ou Joe Hill, imigrante sueco também membro da IWW, que compôs músicas de protesto e escreveu poemas satíricos provocadores. Depois de fuzilado, em novembro de 1915, virou tema de músicas folk, inspirando composições de Ralph Chaplin, Bob Dylan, Phil Ochs, Billy Bragg, entre outros.

O resultado é uma obra atípica, pouco convencional e bastante diferente do que se encontra hoje no mercado editorial brasileiro. Este é certamente um livro inovador e original.

Sobre o autor Luiz Bernardo Pericás nasceu no Rio de Janeiro e morou em Brasília, Lisboa, Copenhague, Washington, São Paulo, Cidade do México e Austin. É formado em História pela George Washington University e doutor em História Econômica pela USP. Foi professor-pesquisador convidado na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (México) e Visiting Scholar na Universidade do Texas em Austin. Publicou artigos em diversas revistas e jornais, como O Estado de S. Paulo, Correio Braziliense, CartaCapital e Memoria. Traduziu diversos autores para o português (Jack London, John Reed, Christopher Hitchens, Edward Said, Slavoj Zizek e José Carlos Mariátegui), assim como também tem diversos livros publicados..


Resenhista

Graziela Naclério Forte – Economista. Mestranda em História Social pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP. E-mail: grazielaforte@hotmail.com .


Referências desta Resenha

PERICÁS, Luiz Bernardo. Mystery Train. São Paulo: Editora Brasiliense, 2007. Resenha de: FORTE, Graziela Naclério. Ponta de Lança- Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. São Cristóvão, v. 1, n.1, p.157-159, out. 2007. Acessar publicação original [DR].

Itamar Freitas

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