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Música folclórica: entre o campo e a cidade | ArtCultura | 2017

A temática deste dossiê, Música folclórica: entre o campo e a cidade, foi inspirada em uma das mesas do III Colóquio História e Música – Tem – pos de música e seus fazeres, realizado na Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Franca, em 2016, que congregou pesquisadores das áreas de História, Sociologia e Musicologia, brasileiros e argentinos que, em comum, possuem como campo de investigação a música popular de diferentes países do continente americano.

Os usos e apropriações do termo “música folclórica” constituem o eixo comum dos artigos aqui reunidos. Tal denominação remonta aos estudos folclóricos que, desde o século X IX, incumbiram-se da tarefa de selecionar e organizar um repertório da música popular tido como repre – sentativo da identidade da nação. Preocupados em preservar a cultura autóctone vista como ameaçada pelos modismos e estrangeirismos do – minantes no ambiente urbano, homens letrados identificaram o campo como o lugar-abrigo das tradições. Para se “tradicionalizar” o popular foi necessário primeiro atribuí-lo ao passado – lugar onde supostamente era encontrado em estado puro – e, em seguida, fixá-lo, “museificá-lo” , a partir de critérios ideologicamente constituídos no presente.

No meio urbano, esse seleto repertório folclórico, ou popular e nacional, serviria de matéria-prima para a criação de uma música douta capaz de representar, no concerto das nações, “comunidades imaginadas” singulares. A música folclórica, atrelada às configurações e reconfigurações da identidade nacional, inspiraria ainda a construção de gêneros musicais populares formatados e largamente veiculados pelos suportes midiáticos. Ela, ao circular para além dos limites de seu território de origem, influen – ciou e foi influenciada pelas mais diversas referências sonoras, tornando-se cada vez mais híbrida e variada e agregando, ao longo do tempo, outras formas de distinção.

As tensões em torno das concepções de “música folclórica” orientam as instigantes e renovadas reflexões agrupadas neste dossiê Julia Chindemi e Pablo Vila, em “La música popular argentina entre el campo y la ciudad: música campera, criolla, nativa, folklórica, canción federal y tango”, ma – peiam as porosas fronteiras entre o que seja música urbana e rural argentina e propõem uma imagem bastante distinta daquela estabelecida por uma leitura evolutiva, mais em voga na bibliografia sobre o assunto, que vai das canções criollas ao tango. O artigo de Mariana Arantes, “Música folk nos Estados Unidos: demarcações e definições de um gênero”, analisa de que modo pessoas relacionadas à atividade de coletar, consumir e propagar esse tipo de música desenvolveram concepções do que viria a ser o folk no país, pautados por suas próprias visões de mundo e vivência em contextos e períodos específicos da história nacional.

Em “‘Ô de casa’: gramofones na roça e caipiras na fonografia (1929)”, Juliana Pérez González discute possíveis entrecruzamentos entre o univer – so rural e urbano no estado de São Paulo e as ingerências das tecnologias fonográficas nas representações românticas da cultura caipira. Para tanto, toma por base o fonograma “Ô de casa”, gravado no final dos anos 1920. “A folclorização do samba carioca: memória, história e identidade”, de minha autoria, aborda como se processa no Brasil, em três momentos distintos do século XX, tal operação que envolveu o samba produzido num centro urbano, o Rio de Janeiro, desde os memorialistas, no início do século XX, até a época do Departamento de Música Popular da Funarte, na gestão de Hermínio Bello de Carvalho, durante o regime militar brasileiro.

Ricardo Kaliman, ao voltar-se para a indústria do folclore musical, em “Negociaciones identitarias en la industria de la música popular: la evolución del repertorio de un cantante del folklore argentino”, analisa as negociações entre o perfil criollista tradicional do cancioneiro argentino e as demandas de um público mais amplo, centrado na carreira de Chaqueño Palavecino, na década de 1990. Fechando esse intenso e atualíssimo debate acerca das concepções , interpretações e deslocamentos dos sentidos de “música folclórica”, no decorrer do século passado, “Más allá del folclore. La producción social del espacio a través de la cueca urbana en Santiago de Chile (2000-2010)”, de Christian Spencer, mostra, a partir dos conceitos de localidade e bairro, como, no século XXI, a cueca urbana da cena musical de Santiago de Chile cria eventos espacializados que vão além da dicotomia campo-cidade.

Leitores de ArtCultura, desfrutem!


Organizadora

Tânia da Costa Garcia – Livre-docente em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp-Franca). Doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da UnespFranca. Autora, entre outros livros, de O it verde e amarelo de Carmen Miranda (1930-1946). São Paulo: Annablume/Fapesp, 2004. E-mail: garcosta@uol.com.br


Referências desta apresentação

GARCIA, Tânia da Costa. Usos e apropriações da “música folclórica”. ArtCultura. Uberlândia, v. 19, n. 34, p.7-8, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]

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Itamar Freitas

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