Música e Ensino de História / História Hoje / 2017
Em nosso cotidiano, a música é distração e lazer, signo e linguagem, contato e convívio, percepção e diálogo acerca do mundo e da vida social. Podemos analisar a relação do ser humano com a música em diferentes perspectivas: os aspectos subjetivos, vinculados às percepções daqueles que ouvem e interagem com a música; as relações sociais que a música estabelece e proporciona em festas, shows e cultos religiosos e outros lugares de sociabilidade; a utilização da música como divulgação de modelos de linguagem, de estética e de posicionamento político; a sua construção como veículo de representações sociais que (re)produzem símbolos, valores e práticas cotidianas – e têm também uma forte dimensão crítica a eles; entre outros. A historiografia tem demonstrado que seja qual for a perspectiva, a utilização da música como fonte para a pesquisa requer do historiador conhecimentos e sensibilidades específicos, como o ouvido atento para as melodias e os olhos abertos para as letras, a compreensão de que a sua audição e dos demais está intimamente relacionada com seus respectivos contextos históricos, bem como o domínio da gramática básica da linguagem musical e das especificidades de cada gênero.
Ao professor de história cabe uma tarefa ainda mais complexa: utilizar a música como objeto de estudo e como fonte para a construção de capacidades voltadas à aprendizagem e à construção do conhecimento histórico pelos estudantes.
Nas últimas décadas, inúmeras pesquisas têm-se dedicado a investigar essa relação entre a música – especialmente a música popular – e o campo do ensino de história. Em comum, o fato de buscarem compreender quais as possibilidades de melhoria nas aprendizagens que os usos da música podem trazer para a análise dos diferentes contextos históricos. No entanto, há diferentes abordagens sobre a temática, as quais implicam a construção de muitos objetos. O exame dessa diversidade é o nosso objetivo com este Dossiê: contribuir para a divulgação de pesquisas e para o debate sobre as relações entre música e ensino de história, apresentando um quadro amplo e diverso de pesquisadores e de suas abordagens.
O artigo de Adalberto Paranhos, intitulado “Rasuras da história: samba, trabalho e Estado Novo no ensino de História”, apresenta sólidos procedimentos metodológicos e uma análise acurada da música como fonte. O intuito do artigo, cujo autor é pesquisador de referência no campo da historiografia da música popular brasileira, é demonstrar como a pesquisa histórica que toma a música como objeto de análise pode fornecer elementos teóricos e metodológicos para o trabalho do professor em sala de aula – o que se faz a partir de um contexto histórico em que a canção popular, em particular o samba, era parte fundamental da construção de uma cultura política tipicamente brasileira.
“O canto de Clara: possibilidades de ensino-aprendizagem da história afro-brasileira” também busca aproximar aspectos da pesquisa histórica com a prática de ensino. Apresentada por Luciano Magela Roza, a temática das relações entre a cultura afro-brasileira e a canção popular é muito apropriada aos tempos de intolerância que estamos vivendo, compondo um texto inspirador para a construção de práticas de ensino que honrem as conquistas dos movimentos sociais e da legislação educacional dos últimos anos, em direção à construção de uma sociedade menos desigual.
Dois artigos se utilizam de referenciais teóricos distintos para analisar as relações que os alunos-ouvintes têm com a música e quais os impactos dessa relação nos processos de ensino e aprendizagem da história. No texto “A música nas aulas de história: o debate teórico sobre as metodologias de ensino”, que parte de uma crítica aos trabalhos que examinam as relações entre música e ensino de história e mobiliza referências importantes da epistemologia da aprendizagem, Olavo Pereira Soares apresenta um debate teórico e metodológico sobre a utilização da música nas práticas escolares de ensino de história. Em outra direção, dialogando com o conceito de “educação histórica”, o artigo de Luciano de Azambuja, intitulado “Canção, ensino e aprendizagem histórica”, analisa como a música nas aulas de história se relaciona com as memórias e as formações identitárias dos alunos.
Dois dos artigos do Dossiê fazem uma análise teórica de experiências didáticas. No artigo “Relato de viagem: o livro Apologia da História e o uso de canções no ensino de disciplinas da Área de Teoria e Metodologia da História”, Edmilson Alves Maia Junior faz uma análise das possibilidades didáticas de uso da música em disciplinas fundamentais para a formação do historiador, em cursos de graduação; a reflexão parte de programas elaborados e desenvolvidos pelo autor como docente na Universidade do Estado do Ceará (Campus Quixadá). No artigo intitulado “Decantando a República: um encontro entre o historiador e o compositor popular”, Bruno Viveiros Martins toma como objeto de análise um programa de rádio, do qual é um dos produtores no âmbito do Projeto República da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o qual é veiculado há alguns anos na Rádio UFMG e aborda as relações entre canção popular e história.
Na seção Entrevista, nosso convidado é o historiador Marcos Napolitano, que é referência na historiografia da cultura brasileira, tem sólida experiência em pesquisas sobre a música na história, e cujos trabalhos influenciam um número significativo de historiadores e professores de história da educação básica.
Na seção E-storia, o Dossiê apresenta as experiências do pesquisador Carlos Eduardo de Freitas Lima com utilização do Facebook como recurso didático para o ensino de história e para a divulgação da produção historiográfica. Ao analisar as possibilidades de emprego de mídias tão conhecidas e utilizadas por nossos alunos, o autor apresenta insights sobre como aproximar docentes e discentes da produção historiográfica contemporânea.
A seção História Hoje na Sala de Aula apresenta o texto intitulado “Na trilha sonora da História: a canção brasileira como recurso didático-pedagógico na sala de aula”. Luís Guilherme Ritta Duque relata e examina experiências vivenciadas como docente, em propostas didáticas de utilização da música nas práticas de ensino de história, em processos de formação de professores ou de ensino na educação básica.
A seção Resenha, de autoria de Bruno Vinícius Leite de Morais, faz uma análise crítica do livro Os desafinados: sambas e bambas no “Estado Novo”, de Adalberto Paranhos. O autor e o contexto histórico que abriram o Dossiê são os mesmos que o encerram, portanto, desta vez sob os olhos argutos de um jovem pesquisador que tem se dedicado a compreender os caminhos da historiografia da música popular brasileira.
Esperamos que o prazer que tivemos ao conceber e organizar este conjunto de reflexões seja o mesmo que vocês, leitores, experimentem ao conhecer as ideias que nossos convidados conceberam, com a seriedade que os textos traduzem. Esperamos ainda mais: que este Dossiê possa inspirá-los, com seus diversos timbres e tonalidades, a realizar práticas de ensino cada vez mais consistentes, que relacionem a música ao ensino de história e possam formar sujeitos sensíveis às paisagens sonoras de todos os tempos.
Miriam Hermeto – Doutora em História e Mestre em Educação (UFMG). Professora Adjunta do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich / UFMG) e Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Fafich / UFMG. Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: miriamhermeto@gmail.com.
Olavo Pereira Soares – Doutor em Educação (USP). Professor Adjunto do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE / Unifal-MG). Alfenas, MG, Brasil. E-mail: olavopereirasoares@gmail.com.
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