Multidões em cena: propaganda política no varguismo e peronismo | Maria Helena Rolim Capelato
Conhecida pela sua larga produção intelectual, a profª. Maria Helena Capelato é autora de O Bravo Matutino, Imprensa e ldeologia: O Jornal ”O Estado de São Paulo”, (em co-autoria com Maria Lígia Prado), O movimento de 1932: A causa Paulista, (em co-autoria com Carlos Guilherme Mota), Imprensa e História do Brasil, e Os Arautos do Liberalismo: Imprensa Paulista 1920-l94. Como se pode notar, teve sua preocupação centrada nos anos 30 e em especial no Estado Novo e na análise da imprensa no período, e agora apresenta-nos mais este livro, que é um estudo sobre o varguismo e o peronismo.
Multidões em cena tem como objeto o estudo comparado entre o varguismo e o peronismo no tocante ao significado da propaganda política idealizada e posta em prática, tanto pelo Estado Novo (1937) como pelo Peronismo (1945-1955). Estes regimes, por sua vez, inspiram-se nos métodos de propaganda nazista e fascista, adaptados para a realidade histórica brasileira e argentina, pois, nesse período, estes países têm necessidades de projetar-se enquanto Estado-Nação, e dessa maneira, nada mais adequado do que inspirar-se nas nações ditas civilizadas, daí, a inter-relação de idéias que havia no período do entre-guerras nos países que adotaram políticas antiliberais.
O livro apresenta, além do título bastante sugestivo, os seguintes tópicos: “Imagens e espetáculo do poder no Varguisnso e Peronismo”, “Propaganda política e controle dos meios de comunicação”, “Cultura e política no Varguismo e Peronismo”, “Política de massas: uma nova cultura política”, “A cidadania no Varguismo e Peronisno”, “Educação e identidade nacional coletiva” e “Identidade nacional e produção de sentimentos”.
Uma das preocupações fundamentais deste estudo é compreender o caráter autoritário da propaganda nos meios de comunicação, na produção cultural e na educação, verificando, como se processava a manipulação das massas com o objetivo de obter uma resposta manipulada da população às suas necessidades, quer fossem elas de unificação em torno de um projeto comum de Estado, ou a domesticação, eliminando por fim toda e qualquer possibilidade de oposição às suas diretrizes. O interesse nessa temática insere-se nas propostas mais recentes dos historiadores que se interessam pelo estudo do poder como centro de preocupação e com ele, a produção de imagens, símbolos, mitos e utopias.
Uma das questões analisadas por Capelato é a função simbólica da qual as ditaduras modernas lançam mão com vistas a seduzir as massas, e isto se dá através da relação entre um passado simbólico interiorizado e os símbolos presentes. Promover essa identidade é o objetivo dos teóricos dos dois regimes, evidentemente, cada um enfatizando com maior ou menor intensidade o retorno que desejam obter.
Ambos os regimes, valeram-se das imagens e dos símbolos. No Varguismo, por exemplo, a autora ressalta a constante exaltação à bandeira brasileira, a figura de Vargas, a marcha para o oeste (integração nacional), o uso da fotografia e a produção de objetos com a estampa de Vargas, como alfinetes, medalhas, chaveiros. O Peronismo, por sua vez, usou de símbolos semelhantes, como o escudito, as estampas dos livros escolares e as realizações sociais.
O inimigo dos dois regimes era o comunismo. No Varguismo, de uma maneira mais acentuada do que no Peronismo, porque o inimigo deste, era o imperialismo identificado com os vende-pátrias do período anterior.
O espetáculo do poder tinha como objetivo eliminar os conflitos, promover o mito da unidade, mascarar as divisões e, através da propaganda política, transmitir a idéia, um sonho em um futuro idealizado.
Quando trata da propaganda política e do controle dos meios de comunicação, a autora salienta que tanto o Peronismo como o Varguismo não são essencialmente fascistas nem nazistas, porém, inspiram-se neles, principalmente no tocante à propaganda política.
A propaganda nazista é muito similar a propaganda comercial americana diz Hannah Arendt, e tem como elementos primordiais as insinuações indiretas, a simplificação das idéias, as ameaças veladas ou não, o apelo ao emocional, as repetições e as promessas de benefícios, objetivando o controle do Estado sobre os meios de comunicação:
em qualquer regime a propaganda política é estratégica para o exercício do poder, mas nós de tendências totalitárias ele adquire uma força muito maior porque o Estado,, graças ao monopólio dos meios de comunicação, exerce censura rigorosa sobre a força física e simbólica” (Arendt, p. 66).
Dentre estes mecanismos de controle e censura, a autora salienta o papel do DIP e a censura prévia peronista, que instituíam prêmios às publicações laudatórias por um ato, e, por outro, suspendia o fornecimento de papel para os periódicos opositores.
No tópico que trabalha as noções de cultura, política e propaganda no nazismo e no fascismo, destaca as particularidades do caso italiano e alemão para, em seguida, analisar a influência, as similaridades e as diferenças entre o peronismo e o varguismo. Tanto o varguismo como o peronismo pensavam as artes como meios utilitários, porque era através dela que se procurava obter o engajamento político e, no seu limite, servir à divulgação das doutrinas estadonovista e justicianista. Caso ilustrativo é a produção cinematográfica. Tentando romper a produção norte americana que invadira os cinemas da época, o governo torna obrigatória a apresentação de películas nacionais, injetando verbas neste projeto, ao mesmo tempo que dita, através da censura, o que deveria ser feito e quais os temas a serem abordados.
A adesão dos intelectuais aos dois governos dá-se através da cooptação pura e simples da oferta de prêmios e da censura, mas também é tolerada até um certo ponto, desde que fechada aos grandes meios de comunicação.
A inserção das massas nas propostas desses regimes se dava de duas maneiras. Por um lado, a adesão pode ser explicada pela lógica material, na qual o dar e o receber implicam um retorno de reciprocidade, e, por outro lado, a explicação está centrada na intensa manipulação do imaginário e do simbólico. Esta é vista de uma maneira especial pela autora, pois é através da construção do novo e na proposta de um futuro radiante que se processa a adesão das massas.
Uma das principais tarefas da política de massas foi a construção da noção de cidadania em novos moldes. O conceito de cidadão/indivíduo do liberalismo foi substituído pela noção de cidadão/trabalhador: “O grande ideal e o grande sentido da democracia não deveria ser a liberdade mas a justiça” (Pareto e Mosca, p. 123-130, citado pela autora). Nesse sentido, “a democracia brasileira deveria deixar de ser política para ser tornar democracia social e econômica, ou seja, uma democracia antiliberal” (Idem). Em suma, a sociedade deveria funcionar de maneira hierarquizada e harmônica, sem espaço para as contestações e rupturas.
No caso peronista, a justiça social teve um peso muito maior do que no varguismo. Isto se explica pela maneira em que Perón chegou ao poder, apoiado nas manifestações dos trabalhadores, diferentemente de Vargas, que ascendeu ao poder através de um golpe.
A autora enfoca o sentimento de identidade nacional que é mantido na sociedade pela propaganda política. O nacionalismo tenta forjar no Brasil o conceito de nação e raça brasileira. Se antes, a miscigenação era vista como um fator de desagregação e de atraso, nos anos 30, essa mescla era apresentada como benéfica. A mistura de raças, incentivada por uma política imigratória seletiva, daria o brasileiro do futuro (a raça nacional brasileira). Na Argentina, a questão do nacionalismo manifestou-se de maneira diferenciada: havia o sentimento de raça já feito e acabado, e o peronismo deveria simplesmente ao combater os maus políticos (do período anterior que entregavam o país para a mãos dos estrangeiros), recuperar o sentimento e o orgulho do novo homem argentino. Em síntese, no Brasil deveria “fazer-se” w na Argentina, dar vida ao “já feito”.
Os elementos condicionados para o advento de uma nova raça brasileira eram a integração nacional (imenso território) e a erradicação do analfabetismo, combatido através de um vasto programa educacional, que, ao mesmo tempo em que tentava acabar com o atraso, impunha o culto a outros valores, como o amor à pátria, à bandeira e ao chefe; enfim, transformando os valores do liberalismo (de caráter individualista) em valores nacionais unificadores.
O estudo desenvolvido por Capelato vem ao encontro de uma série de outras pesquisas, cujos temas privilegiam o autoritarismo do período Vargas, dentre os quais se destacam O Anti-semitismo na era Vargas, de Tucci Carneiro, A Sacralização da política, de Alcir Lenharo, e O Ardil Totalitário, de Eliana Dutra. Capelato, neste Multidões em Cena, contribui também para abrir novos caminhos de pesquisa, dada a riqueza de questões levantadas para o debate historiográfico. Dentre estas, podemos ressaltar a relação governante/governado, ordenadores/massa e chefe/povo. Além de que, vem ao encontro dos modernos estudos sobre a história do pensamento político na América Latina.
Dessa maneira, a peculiaridade da análise demonstrada pela autora está não apenas na sua proposta de enfocar as particularidades e as diferenças entre os dois regimes, mas também de inseri-los em uma perspectiva mais abrangente e discuti-los sob a luz das teorias de propaganda política do fascismo e do nazismo.
Resenhista
João Henrique Botteri Negrão – Doutorando em História Social, Departamento de História –USP.
Referências desta Resenha
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e peronismo. Campinas: Papirus, 1998. Resenha de: NEGRÃO, João Henrique Botteri. Diálogos. Maringá, v.3, n.1, 345 -348, 1999. Acessar publicação original [DR]