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Movimientos y poder indígena em Bolivia, Ecuador y Peru | Xavier Albó

Lingüista e antropólogo espanhol, Xavier Albó é radicado na Bolívia desde os anos ’70, quando co-fundou o Centro de Investigación y promoción del Campesinado (CIPCA), uma instituição que se tornou bastante influente no país e em toda a região andina no tratamento sofisticado a questão indígeno-camponesa, tanto na sua essência teórico-analítica quanto no próprio acompanhamento do desenvolvimento histórico do conceito.

Mas qual é o ponto central do trabalho de Albó? Ao historicizar os movimentos sociais (sejam autônomos ou ligados aos partidos políticos) relacionando-os com a questão indígena no Peru, Bolívia e Equador, Albó age como um topógrafo e faz um mapeamento detalhado destes movimentos, captando as suas semelhanças, regularidades e dessemelhanças. A sua chave de compreensão enfatiza as transições históricas das bases – outrora esquecidas, sendo hoje o motor das transformações no chamado “arco andino” – através de uma avançada e sofisticada análise política, cultural e sociológica, sem esquecer as relações com as diversas turbulências econômicas dos três países.

E o que há de relevante nessa obra? Albó entende que os indígenas – ou melhor, pueblos originarios (“povos originais”) – representam a maioria pujante da população nestes países, não só em termos quantitativos como na sua relação diversa com os processos nacionais e continentais e, consequentemente, na sua luta por uma posição que represente a sua importância nestes termos. O autor elabora um crescendo que toma referências históricas a conquista espanhola, passando pela repartição da sua forma de organização política autóctone (o Tawantinsuyu, “Império Inca”) e a submissão aparentemente completa ao jugo do colonizador para explicar que o indígena originário não pode ser considerado somente mais um elemento dessas sociedades. Pelo contrário, ele representa o pilar central desse desenrolar, cuja trajetória nos últimos 500 anos deve estar diretamente relacionada ao tempo presente e aos próximos anos.

Apesar disso, Albó retrata um passado recente de sofrimento, paúra, pobreza e esquecimento nos três países, cada qual revelando uma dinâmica diferenciada. Enquanto o Equador é notado como a matriz das atuais formas de organização dos chamados movimentos sociais, o Peru se encontra em um lento despertar após anos de Sendero Luminoso e a Bolívia despontou com a sua diversidade pujante para a conquista do poder instituído. Nos três países, igualmente, a busca por maior participação e representação política está diretamente relacionada à uma repressão (ou omissão) histórica aos direitos destes grupos identitários, por vezes locais, mas que emergem no século XXI sobre o processo da glocalização, termo que ele toma emprestado do sociólogo Roland Robertson para definir a ascensão e relação mútua entre pequenos núcleos/instâncias locais e a dinâmica global. Ou seja, a comunidade local começa a pensar – e agir – em escalas diferenciadas e entrepostas sobre termos globais, transcendendo por vias diferenciadas a sua condição restrita. Think global, act local, para “outro mundo possível”.

Dessa maneira emerge uma intensa identidade regional, assumindo francos tons antiimperialistas (clara resposta aos extremos dos ‘ajustes estruturais’ dos últimos 20 anos) e nacionalistas de esquerda, optando pela defesa integral da soberania nacional no Pós-Guerra Fria. Mas mais profundo que isto, subsiste uma franca liberação irrompendo-se nas bases destas sociedades: dos povos indígenas a uma condição de índio alzado (índio alçado), não mais convivendo e agindo como o índio permitido. Ou seja, a rigor, a maioria não seria mais tutelada por instituições, leis e lideranças brancas (ou brancóides), mas legitimamente identificadas e nascidas no seio deste enorme caldeirão cultural, político e societário.

O autóctone assim se emancipa paulatinamente na atualidade da sua busca pelo poder instituído. Evidentemente, deixando de lado formas ocidentalizadas de organização sócio-políticas como Partidos Políticos clássicos, verticais e hierarquizados, que em grande medida são incompatíveis com esse mosaico dinâmico. É possível relacionar essa transformação com um caráter reticular inovador objetivamente assumido nessa nova dinâmica organizacional: estes partidos têm grande aderência junto a estes grupos identitários justamente por possibilitar a sua participação mais ampliada, e mais, por se relacionar com as entranhas do comunitário sem negar o nacional e o regional. Mas voltemos ao Peru, Equador e Bolívia, ou melhor, ao núcleo duro deste Arco Andino, visto que o verdadeiramente interessante é acompanhar o desenrolar nestes países através de um nexo conjunto, não de forma separada.

É imperioso relatar que Albó trata esses movimentos sociais andinos de forma muito delicada, sem encará-los de forma monolítica e inflexível; Pelo contrário, lança mão de precisa apreciação para compreender a diversidade específica de cada localidade nas novas reivindicações políticas (gênero, recursos naturais, participação política, autoidentificação e afirmação cultural, entre outras diversas) dos povos se afirmando na unidade paulatina das ‘nações originarias’, última etapa do deslocamento histórico-existencial destes grupos. E é precisamente nesse ponto em que aterrissamos, em um presente sacudido pela emersão dessas nacionalidades enquanto elementos centrais para a definição do futuro regional, quiçá da Integração Sul-Americana enquanto processo maior.

Se levarmos em consideração que a conquista desse poder instituído – sejam congressos, assembléias constituintes ou cargos de alto poder decisório – pela via democrática foi forjado por uma longa experiência histórica e assim solidificou a hegemonia destes grupos nos países relacionados a esse arco andino, e mais, que essa ascensão tem fortes conteúdos nacionalistas pan-andinos, é impossível não situar os discursos fraternais como um impulso comum, ensejando a reunificação em alguns casos.

Deve-se comentar, entretanto, que esta não se especula na leitura do autor por vias de um só corpo jurídico-legal constitucionalizado, cuja expectativa de ligação estreita entre nação e estado – e assim, reunificação territorial – é advertida inclusive por Albó como uma limitação analítica dos cientistas políticos. Sem congregar da mesma leitura que Albó, é possível entrever questões por um prisma pragmático posicionado sobre os temas mais sensíveis relacionados a região que aferrolha geopoliticamente a Amazônia Brasileira.

O que resta como substrato são a pertinência e a potencialidade destes conteúdos (antiimperialismo, nacionalismo pan-andino de esquerda, questões energéticas comuns, reação anti-racista, entre outros) derivando em mais um comportamento nacional/regional influente e decisivo sobre um projeto de Integração Sul-Americana, que possivelmente concorre na esteira do processo de regionalização em curso. Na medida em que este projeto não se encontra mais em um campo meramente seminal, persiste uma série de demandas significantes ainda a serem tratadas pelos países unidos em torno da América do Sul – seguridade jurídica, planejamento energético regional, monitoramento de fluxos ilícitos e migratórios, Defesa e segurança militar, entre outros – que são fundamentais para a solução das controvérsias regionais que porventura surjam. Em tempo: já é possível nomear alguns casos: Petrobrás (Bolívia, 2006), Odebrecht/Furnas (Equador, 2008), brasileiros proprietários de terra no Paraguai, os ‘Brasiguaios’, além da questão tarifária em Itaipu (Paraguai, 2008).

Nesse sentido, é imperioso considerar pragmaticamente os tons multifacetados dessas conjunturas nacionais andinas, na medida em que ascendem lideranças nacionalistas inclinadas à esquerda; se revelam determinantes para o futuro das suas nações, com projeções sólidas de hegemonia para gerar desenvolvimento nas suas economias nacionais e transformação política do ordenamento jurídico, democrático e estatutário dos Estados – ainda que esta transformação não necessariamente objetive estabilidade. Um discurso panandino comum baseado em identidade, oposição anti-sistêmica ao capitalismo e a toda potência ‘imperialista’ (incluindo-se aí o Brasil, por vezes) tem suas raízes e forças-motrizes perfeitamente assinaladas por Albó, que ata os seus cabos em um raio-X preciso da constelação milenar constitutiva do ‘homem andino’.


Resenhista

Daniel Santiago Chaves – PPGHC / TEMPO PRESENTE / UFRJ.


Referências desta Resenha

ALBÓ, Xavier. Movimientos y poder indígena em Bolivia, Ecuador y Peru. La Paz: CIPCA, 2008. Resenha de: CHAVES, Daniel Santiago. Intellèctus. Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, 2009. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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